O Globo
Governo e empresas brasileiras têm de sair
pelo mundo em busca de contratos. E, nisso, o Brasil está muito atrasado
O presidente Lula disse
na semana passada que o Brasil está “tranquilo” porque tem a China como seu
principal parceiro comercial. O contexto: Lula falava da absoluta falta de
negociação com o governo americano, porque os representantes de Washington
simplesmente se recusam a conversar com as autoridades brasileiras.
Trata-se de uma situação difícil — empresas locais têm perdido negócios com os Estados Unidos —, mas, do ponto de vista agregado, o dano é pequeno. A participação americana na pauta de exportação brasileira há muito deixou de ser dominante. Esse lugar agora é da China — e o Brasil de Lula se dá muito bem com a China de Xi Jinping, colegas de Brics.
Ocorre que o governo chinês mantém
conversações de alto nível com Washington, estando suspensa, por ora, a guerra
tarifária entre as duas potências. Isso deve ser motivo de preocupação para
Lula. Entre outras demandas, Trump pretende que a China quadruplique a
importação de soja americana. A soja é o principal produto brasileiro na
exportação para a China — algo entre 35% e 40% do total vendido para lá. Essa
posição foi alcançada nos últimos anos, quando os chineses, por causa da guerra
tarifária no primeiro governo Trump, substituíram a soja americana pela
brasileira.
Foi, portanto, uma oportunidade política, mas
é preciso salientar que os produtores brasileiros, com intensa tecnologia,
estavam preparados para atender a exigente demanda chinesa. Hoje, a China
depende da soja brasileira, mas os produtores americanos também podem atender aquele
mercado, se isso for objeto de um acordo comercial. E se for? Lá se foi a
tranquilidade. O Brasil terá de buscar compradores noutros países.
Os outros três produtos brasileiros mais
exportados para a China são minério de ferro, petróleo e carnes. Os Estados
Unidos também têm petróleo e carne para exportar. Tudo considerado, governo e
empresas brasileiras têm de sair pelo mundo em busca de contratos. E, nisso, o
Brasil está muito atrasado. País fechado, com elevadas tarifas e muitas outras
barreiras à importação, o Brasil ficou fora do amplo movimento de acordos
comerciais assinados entre países e regiões.
São, portanto, dois problemas: a falta de
negociação com os Estados Unidos e a falta de acordos comerciais com outras
nações. Sim, temos o Brics, mas o grupo está longe de formar um bloco
comercial. São países muito diferentes, quase todos com economias igualmente
fechadas. Além disso, para a maior parte dos países do Brics, o comércio com os
Estados Unidos é muito mais importante. Por isso todos tentam manter
negociações em separado com o governo Trump.
“É difícil negociar sob a mira de uma arma”,
comentou o economista indiano Raghuram Rajan quando especulava sobre a
capacidade de reação dos governos ao tarifaço de Trump. Ex-economista-chefe do
FMI e ex-presidente do Banco Central da Índia, Rajan
argumentava que retaliações comerciais seriam uma má escolha. O que recoloca o
dilema: negociar com Washington sob a mira de uma arma.
Trump tem distribuído ameaças para todos os
lados. São alvos países que cobram impostos das grandes companhias americanas
de tecnologia e aplicam legislações de algum modo restritivas às atividades das
big techs. União Europeia e Reino Unido fazem
isso. Apesar de já terem assinado acordos com Trump, podem ser alvo de novas
tarifas.
Representantes do governo americano também
têm dito que podem ser cassados os vistos de autoridades de outros países. Também
ameaçam com a Lei Magnitsky — punição já aplicada contra brasileiros. Esse
ambiente poderia levar a um entendimento entre os países, não propriamente para
enfrentar o poderio americano. Até este momento, pelo menos, ninguém parece
disposto ao enfrentamento. Mas o que se poderia fazer é estabelecer outros
laços comerciais, políticos e diplomáticos.
Quem está especialmente interessado nisso? A
China, que, com sua histórica paciência, pretende substituir a liderança
americana. Situação complexa: escapar de Trump para cair na esfera chinesa?
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