Folha de S. Paulo
Boicote a Gal Gadot e autocensura de
universitários sinalizam que a liberdade vem sendo atacada em setores nos quais
é essencial
O coletivo Venice4Palestine produziu uma
carta com mais de 1.500 assinaturas de cineastas e artistas de vários países
pedindo que o Festival de
Veneza denuncie ações militares de Israel em
Gaza e retire o convite a atriz Gal Gadot —após o ataque bestial do Hamas em
outubro de 2023, Gadot, que defende a existência do Estado de Israel, tem sido
voz ativa pelo retorno dos sequestrados.
O ativismo que cobra apoio às suas causas faz parte do jogo democrático, mas artistas perseguirem colegas por mera divergência de opinião política, não. A arte é o reino da liberdade. Sem ela, embotam-se a criatividade e a crítica. Não à toa, é sempre amordaçada em ditaduras e, às vezes, até em regimes democráticos.
Durante o macarthismo nos EUA dos anos 1950,
roteiristas e cineastas de Hollywood considerados comunistas foram parar numa
lista negra, que os impedia de trabalhar, e alguns acabaram presos, como Dalton
Trumbo.
É aterrador que profissionais do cinema
estejam emulando essa atuação persecutória 80 anos depois. Porque é disso que
se trata: censurar discordantes. Afinal, proibir Gal Gadot de participar de um
evento glamuroso em nada ajuda os palestinos.
No ambiente acadêmico, outro setor que deveria
ser movido a liberdade, dá-se o mesmo. Em setembro do ano passado, O Instituto
de Ciência Política da UnB cancelou um curso que seria ministrado pelo
professor Jorge Gordin, da Universidade Hebraica de Jerusalém, após pressão de
uma parcela do alunado.
Pesquisa do Instituto Sivis divulgada neste mês mostra
que 48% dos universitários brasileiros evitam manifestar opinião acerca de
assuntos polêmicos, principalmente sobre política. Em estudo de 2024 realizado
por uma consultoria britânica em 28 países, 77% dos entrevistados notaram
redução da liberdade de expressão na última década.
Ao acossar ideias divergentes, sabota-se o
papel essencial que a imaginação estética e a pesquisa acadêmica exercem no
desenvolvimento cultural, científico e humanista de uma sociedade. A patrulha
ideológica nas artes e nas universidades é autofágica.
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