O Globo
A lógica é clara: não existe desenvolvimento
nacional sem desenvolvimento das periferias. E isso não se faz só com discurso
Por muito tempo, a favela foi vista apenas como espaço de carência e risco. Quando não estigmatizada pela violência, era lembrada como território de políticas emergenciais e assistencialistas. Mas a realidade é outra: a favela é lugar de potência, criatividade e economia pulsante. Produz cultura, inovação, redes de solidariedade e consumo que movimentam bilhões. O desafio sempre foi o mesmo: acesso a recursos e menos burocracia, que historicamente mantiveram essas comunidades fora do jogo.
O BNDES Periferias inaugura uma virada de
chave. Pela primeira vez, o principal banco de desenvolvimento do país
reconhece que a favela não é problema, mas solução. A exigência de
contrapartida caiu drasticamente: de 50% para apenas 10%, permitindo que o
BNDES financie até 90% do valor dos projetos de até R$ 5 milhões por CNPJ.
Acima desse limite, segue valendo a regra anterior, de 50% de contrapartida.
Com isso, coletivos e organizações periféricas passam a disputar em condições
reais projetos de grande porte.
São chamadas que somam R$ 235 milhões,
voltadas a quatro frentes estratégicas:
— Periferias Verdes, para economia circular,
resiliência climática e agricultura urbana;
— Periferias Fortes, para estruturar
organizações locais com capacitação e governança;
— Polos Periferias, espaços comunitários para
empreender e inovar;
— Periferias Empreendedoras, para transformar
a economia de sobrevivência em negócios sustentáveis.
Mais que um edital, é o reposicionamento do
BNDES como parceiro das periferias. O banco deixa de ser agente distante,
restrito a grandes empresas, e assume o papel de indutor de desenvolvimento nas
bordas urbanas. É investimento aonde o Estado quase nunca chegou: becos, vielas
e palafitas que sustentam a vitalidade das cidades.
A lógica é clara: não existe desenvolvimento
nacional sem desenvolvimento das periferias. E isso não se faz só com discurso.
É preciso investir, reduzir barreiras e reconhecer que as organizações
comunitárias sabem o que funciona em seus territórios. Cabe a elas o
protagonismo, não a condição de prestadoras terceirizadas de agendas externas.
Este é o ponto central: o protagonismo das
organizações de favela. São elas que conhecem o território, constroem
confiança, geram resultados e acumulam repertório de soluções testadas. O papel
do BNDES Periferias é ser catapulta, não coleira. Apoiar sem domesticar.
Estimular sem impor modelos prontos. Financiar a potência local, em vez de
substituí-la.
Ao assumir essa parceria, o BNDES sinaliza
que investir em favelas não é filantropia, mas estratégia de desenvolvimento.
Quando a favela tem acesso a recursos, o retorno é múltiplo: emprego,
fortalecimento de cadeias produtivas, aumento do consumo local, circulação de
renda e autoestima coletiva. Cada real investido se multiplica em impacto.
Cria-se um precedente. Se o BNDES pode,
outros bancos e investidores também podem. A favela não é beneficiária passiva,
mas parceira estratégica. A redução da burocracia e a disposição de colocar
grandes recursos em mãos periféricas apontam para um novo ciclo de políticas
públicas — mais perenes, menos centralizadas e mais conectadas à vida real.
A favela como lugar de investimento não é
apenas conceito, é o futuro que o Brasil precisa construir. Trata-se de
inclusão social, econômica e criativa. O país que investir onde sempre negou
terá a chave para reduzir desigualdades e ativar seu maior ativo: a potência de
seu povo.
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