O Estado de S. Paulo
O projeto autoritário de Bolsonaro não fracassou por seus erros pessoais, mas por barreiras institucionais
A revista The Economist publicou nesta semana um editorial provocativo: Brazil offers America a lesson in democratic maturity. A lição, segundo a revista, seria que a democracia brasileira sobreviveu à tentativa de golpe de Jair Bolsonaro porque ele foi inábil, incompetente e incapaz de sustentar seu projeto autoritário. Trata-se de uma tese que ecoa a interpretação de Kurt Weyland, no livro Democracy’s Resilience to Polulism Threat, para quem populistas, por sua natureza errática e personalista, são propensos a fracassos que terminam beneficiando a democracia.
Esse diagnóstico tem sua dose de verdade, mas
erra no essencial. Reduzir a resistência democrática à incompetência de
Bolsonaro é comprar uma narrativa de acaso, como se a democracia brasileira
tivesse sobrevivido apenas por sorte. Não foi isso que aconteceu.
No livro Por que a democracia brasileira não
morreu? escrito em parceria com Marcus André Melo, argumentamos que o populismo
autocrático de Bolsonaro encontrou no Brasil um conjunto de barreiras
institucionais que limitaram suas investidas autoritárias. O multipartidarismo
fragmentado impôs custos de coordenação que o presidente não conseguiu superar;
o federalismo deu voz e poder a governadores em momentos cruciais, como durante
a pandemia; e a independência do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia
Federal garantiu a continuidade de investigações e julgamentos que afetaram
diretamente aliados e familiares do presidente.
O Congresso, dominado por interesses
fundamentalmente pragmáticos e não ideológicos, funcionou como barreira eficaz,
impondo derrotas às iniciativas iliberais de Bolsonaro.
Além disso, a combinação de checks and
balances – do Supremo Tribunal Federal ao Tribunal Superior Eleitoral – impediu
que o projeto de captura institucional avançasse. Não se trata de negar os
riscos que corremos, mas de reconhecer que instituições amadurecidas e interdependentes
criaram contrapesos eficazes.
Atribuir a sobrevivência democrática à
incompetência de Bolsonaro é, portanto, um equívoco em dois sentidos: primeiro,
porque diminui o papel da arquitetura institucional de 1988 e das escolhas de
atores que souberam resistir; segundo, porque transmite a perigosa mensagem de
que bastaria contar com a sorte de enfrentar populistas ineptos. Democracias
não podem depender do acaso. Precisam de instituições robustas, capazes de
limitar mesmo líderes hábeis e carismáticos.
Essa é a verdadeira lição que o Brasil pode
oferecer ao mundo: não se trata de confiar na falibilidade do populista, mas na
resiliência das instituições.
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