- O Globo
As tragédias gregas eram como lições cívicas. Os valores defendidos em Tebas eram tão universais que atravessaram os séculos com sua poesia e força. A nova Grécia parece querer colocar a humanidade diante de dúvidas trágicas. Tudo se encaminha para um acordo na zona do euro, mas o PIB do país cai há 18 trimestres consecutivos e ainda não encontrou o chão.
Poderia a Grécia não fazer ajuste algum? Impossível. Ela viveu além das suas posses durante muitos anos. Favorecida pela moeda comum e pela facilidade de financiamento, a Grécia se endividou com juros alemães, até que houve a crise de 2008, e os mercados passaram a cobrar taxas diferentes dependendo do país.
A Grécia de antes da crise tinha uma burocracia inchada, com números extravagantes de funcionários públicos, a população se aposentava aos 54 anos, pagava-se pouco imposto, e o governo se endividou demais. Foi uma farra ateniense, até que o país acordou em Esparta, tendo que lutar contra os infortúnios.
No fim de semana, o ministro Yanis Varoufakis apresentou alguns números. Taxa de desemprego de 27%. Um em cada dois jovens está desempregado, e a juventude está deixando o país. Uma em cada três mulheres não encontra trabalho. A dívida bruta subiu 20 pontos entre 2012 e 2014 e chegou a 177% do PIB.
Segundo Varoufakis, os salários caíram 37% nos últimos anos, os gastos com pensões e aposentadorias foram reduzidos em 48%, o emprego público diminuiu 31%. A retração do consumo foi de 33%. O ajuste fiscal, segundo ele, foi inédito na história de qualquer país: 20 pontos do PIB. Saiu de um enorme déficit e chegou ao superávit primário.
O sistema financeiro, na semana passada, parecia à beira do colapso, com a intensificação da corrida bancária. Mais de € 4 bilhões foram sacados dos bancos, porque os gregos sabem que a recriação do dracma, em caso de saída do país da zona do euro, acontecerá com uma forte desvalorização da moeda. Segundo a economista Monica de Bolle, que trabalhou no FMI e hoje é pesquisadora no Peterson Institute for International Economic, sem as linhas de financiamento do Banco Central Europeu, os gregos fatalmente teriam que deixar o bloco:
— Ao contrário do que aconteceu com Espanha, Irlanda e Portugal, as medidas de austeridade na Grécia não foram reformas que aumentaram a produtividade. Ela caiu. O problema é que isso não vai ser revertido agora, na situação dramática em que a Grécia está.
Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi, e que tem parentes na Grécia, explica que um em cada quatro trabalhadores gregos ainda está no serviço público, apesar do enxugamento da máquina. A evasão fiscal é alta, e ele lembra que houve maquiagem nas contas do governo, para entrar na zona do euro. Apesar de todo o drama grego, os europeus ainda acham que o governo precisa fazer mais.
— Os gregos não aproveitaram o período de bonança para se modernizar e hoje não têm o que oferecer ao mundo para voltar a crescer. Também existe um impasse político. Se a Europa perdoar a dívida, outros países vão querer também, como Espanha, Portugal e Irlanda. Partidos que pregam o fim da austeridade se fortaleceriam — disse Tingas.
Como a crise tem sido longa, os bancos privados se livraram de grande parte dos títulos gregos. Cerca de 80% da dívida está com órgãos institucionais, como FMI e BCE. Por isso, o contágio nos mercados tem sido pequeno. Mesmo assim, é difícil prever os efeitos de uma saída do país do euro. Segundo a consultoria inglesa Capital Economics, países emergentes, como o Brasil, sofreriam impacto.
“As moedas desses países emergentes — como Brasil, Indonésia, África do Sul e Turquia — que dependem de fluxo de capitais de curto prazo são as mais vulneráveis”, disse em relatório.
Felizmente, o cenário mais provável, agora, é de um acordo, com a dívida sendo rolada, e os gregos recebendo mais uma parcela do empréstimo para estimular a economia. Em contrapartida, terão que subir o imposto sobre consumo e fechar brechas na legislação que elevou a idade de aposentadoria.
Toda tragédia grega deixa uma lição. A da Grécia dos tempos atuais é a de que o gasto descontrolado cobra uma conta pesada. Até o governo que foi eleito se opondo ao ajuste está tendo que rever a posição.
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