- Correio Braziliense
• Com a popularidade baixíssima, Dilma não tem como enfrentar a situação criada por Lula sem correr grave risco de desestabilização política. As críticas do ex-presidente da República estão levando o PT à oposição
Na Constituinte da fusão da Guanabara com o antigo Estado do Rio, o líder do então MDB, amplamente majoritário na Casa, era o deputado fluminense Cláudio Moacir, com reduto eleitoral em Macaé. Seu estilo era uma mistura de populismo trabalhista com esperteza pessedista, as duas grandes correntes que controlavam a legenda, lideradas, respectivamente, pelo ex-governador Chagas Freitas e o senador Ernani do Amaral Peixoto.
O novo estado era governado pelo almirante Faria Lima, um interventor nomeado pelo general-presidente Ernesto Geisel, e tinha como líder do governo uma lacerdista histórica, Sandra Cavalcanti, da Arena. Não demorou muito para que os emedebistas fizessem um acordo velado com o governador e Sandra renunciasse ao cargo, dando lugar a um deputado ligado a Chagas Freitas. Indagado sobre a posição de sua bancada acerca do governo, Cláudio Moacir me confidenciou: “Vamos adotar a tática do bigode: na boca, mas do lado de fora”.
Lembrei-me da Constituinte da fusão, instalada em 1975, porque foi nela que estreei como repórter político, no antigo Diário de Notícias, à época, o jornal de preferência dos professores e dos militares cariocas. E as recentes críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à presidente Dilma Rousseff sinalizam um reposicionamento tático semelhante à manobra fisiológica de Cláudio Moacir.
O petista continua sendo o político mais poderoso junto ao governo, mesmo sem mandato, mas começa a se pronunciar como quem está politicamente fora dele. Ontem, ao participar de reunião com integrantes do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Rio-2016, no Rio de Janeiro, Dilma acusou o golpe: “Eu acho que todo mundo tem o direito de criticar. Mais ainda o presidente Lula. Até porque ele é muito criticado por vocês”. A petista não respondeu se concorda ou não com a fala dele, mas sabe que o líder petista não é qualquer um.
Desde que a Operação Lava-Jato chegou ao andar de cima, como se diz, e agora mais ainda, com a prisão dos donos e executivos das empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez, o ex-presidente da República vem subindo o tom das críticas ao governo e ao PT. Num encontro com religiosos, não teve papas na língua ao falar mal de Dilma; depois, numa reunião do Instituto Lula, desceu o sarrafo no próprio partido: “Eu acho que o PT perdeu um pouco a utopia. Hoje, a gente só pensa em cargo, em emprego, em ser eleito. Ninguém trabalha mais de graça”, afirmou. Para ele, a sigla não mobiliza multidões, a não ser em troca de dinheiro, se afastou da juventude e está diante de uma encruzilhada. “Temos que definir se queremos salvar a nossa pele e os nossos cargos ou se queremos salvar o nosso projeto.”
A desestabilização
Qual projeto? O lulismo tem uma narrativa que, dependendo do tema ou da situação, alterna “nós contra eles”, “pobres contra ricos”, “trabalhadores contra patrões”, “esquerda versus direita”, “patriotas contra entreguistas”, mas nunca teve um projeto claramente definido. Quando Lula assumiu o poder, até a eclosão da crise mundial, manteve os fundamentos da política econômica que herdou do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Deu uma cara própria ao seu governo ampliando a escala das políticas de transferência de renda com o programa Bolsa Família. Em meados do segundo mandato, ao adotar as chamadas “medidas anticíclicas”, deu início à política econômica de forte expansão do crédito e do consumo e de investimentos maciços na construção civil e no setor de energia, depois chamada de “nova matriz econômica” por Dilma.
Adotou-se uma espécie de “capitalismo de Estado” revisitado, que serviu de fonte de financiamento eleitoral para o PT e seus aliados, até eclodir o escândalo da Petrobras. O modelo está indo para o brejo. Uma incrível sequência de medidas equivocadas e mal planejadas na condução da economia, como o congelamento de preços dos combustíveis, a redução das tarifas de energia e a baixa forçada da taxa de juros, num ambiente externo desfavorável, trouxe de volta a inflação, a estagnação e o desemprego.
Logo após assumir o segundo mandato, Dilma foi obrigada a dar um cavalo de pau na economia, com o ajuste fiscal e a alta dos juros, e terceirizou a condução política do governo, entregue ao vice-presidente, Michel Temer, que hoje é uma espécie de fiador da governabilidade. Lula tenta se desvencilhar dos desgastes do governo, mas é impossível fazê-lo sem desencarnar do PT, cujo envolvimento no escândalo da Petrobras começa a contaminar a imagem do petista.
Com a popularidade baixíssima, Dilma não tem como enfrentar a situação criada por Lula sem correr grave risco de desestabilização política. As críticas do ex-presidente da República estão levando o PT à oposição cada vez mais aberta à condução do governo; por sua vez, isso aumenta o poder de barganha do PMDB e a tendência da legenda a impor a sua própria agenda no Congresso. É aí que a tática do bigode pode ser um desastre total, porque todos os partidos aliados gostariam de adotá-la, ou seja, usufruir do bônus de participar da coalizão governista e deixar para Dilma o ônus do mau governo.
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