Ofensiva planejada
• Para petistas, Lula criticou Dilma por não ter sido defendido pelo governo
• Ex-presidente trabalhou para que a bancada petista no Senado divulgasse nota de desagravo a ele; deputados pretendem fazer o mesmo
Fernanda Krakovics e Cristina Jungblut - O Globo
BRASÍLIA - Após confidenciar a aliados estar cansado de não ser ouvido pela presidente Dilma Rousseff nem ser defendido pelo governo ao ter seu nome ligado a empreiteiras investigadas pela Operação Lava-Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a articular o contra-ataque por conta própria. Além de fazer duras críticas ao governo Dilma e cobrar abertamente reação por parte do PT, o ex-presidente trabalhou para que a bancada petista no Senado divulgasse nesta terça-feira uma nota de desagravo a ele. Os deputados do partido pretendem fazer o mesmo nesta quarta-feira.
Desde a última sexta-feira, quando o presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, foi preso, Lula acionou emissários, como os ex-ministros Gilberto Carvalho e Luiz Dulci, para conversar com petistas e articular sua defesa pública. Depois que deixou a Presidência, Lula fez viagens internacionais pagas pela empreiteira. Nessas ocasiões, ele deu palestras para empresários e teve encontros com políticos em países onde a Odebrecht tinha interesse em obras.
“Usam cínica e seletivamente da imprescindível luta contra a corrupção para tentar destruir um projeto nacional e popular que elevou o Brasil e o seu povo”, diz trecho da nota divulgada pelos senadores petistas.
No documento, a bancada do PT manifesta “sua total e irrestrita solidariedade ao grande presidente Lula, vítima de campanha pequena e sórdida de desconstrução de uma imagem que representa o que o Brasil tem de melhor: sua gente”.
A nota foi redigida pelo senador Paulo Rocha (PT-PA). O líder da bancada, senador Humberto Costa (PT-PE), estava em seu estado, devido às festas de São João, mas foi consultado pelo telefone. À noite, o documento foi lido em plenário pelo senador Jorge Viana (PT-AC), rodeado por outros petistas. Dos 13 senadores do PT, três são investigados na Lava-Jato: Humberto Costa, Lindbergh Farias (RJ) e Gleisi Hoffman (PR).
O líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), marcou uma reunião da bancada para quinta-feira e também pretende fazer um desagravo ao ex-presidente:
— Temos que preservar nosso grande ícone — disse Sibá, que cobrou mais diálogo por parte do governo.
Dissidentes petistas comemoraram as críticas de Lula ao governo Dilma:
— Eu vinha fazendo críticas à política do governo, e muita gente vinha dizendo que eu queria sair do PT. Se aquelas críticas minhas me levariam para fora do PT, acho que eu ia junto com o Lula — disse o senador Walter Pinheiro (PT-BA), que se opôs ao ajuste fiscal.
Queixas sobre Cardozo
Segundo integrantes da bancada, no atual embate entre Dilma e Lula, os senadores do PT optaram pelo ex-presidente. Petistas afirmam que a bancada do Senado quis reforçar o discurso de Lula de que é preciso ter atuação mais pró-ativa em relação à Lava-Jato, que investiga esquema de corrupção na Petrobras.
Ainda de acordo com eles, Lula tem se sentido abandonado, reclama que o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) atua como se não tivesse controle da Polícia Federal e que Dilma teria “lavado as mãos”.
O ex-presidente quer que o governo e o PT condenem supostos excessos do juiz Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, que conduz a Lava-Jato, e da Polícia Federal. Segundo petistas, Lula quer ser “blindado”.
Em abril, Lula montou uma operação para abrir uma vaga na Câmara para o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Wadih Damous (PT-RJ), justamente para que ele fizesse um debate jurídico qualificado de contestação da Lava-Jato. Damous assumiu no fim de maio.
Enquanto o ex-presidente cobra um debate político em torno da Lava-Jato, com a defesa de sua gestão e do PT das acusações de corrupção na Petrobras, Dilma tem afirmado que a PF tem autonomia para trabalhar e que os culpados serão punidos, “doa a quem doer”.
Ao tomar conhecimento do teor da nota divulgada pela bancada do PT, da qual faz parte, o líder do governo, senador Delcídio Amaral (PT-MS), ficou aliviado de não haver ataques à presidente Dilma. Ela não é citada no texto.
O documento de solidariedade a Lula foi divulgado três dias depois de o GLOBO revelar críticas feitas pelo ex-presidente ao governo Dilma, na semana passada, em reunião com religiosos em seu instituto. Na ocasião, Lula disse que ele e Dilma estão no “volume morto”, em referência à baixa popularidade, e afirmou que ela mentiu na campanha à reeleição ao dizer que não mexeria em direitos trabalhistas e não faria ajuste fiscal. O ex-presidente também reclamou que o governo é “mudo”.
— Tem uma frase da companheira Dilma que é sagrada: “Eu não mexo no direito dos trabalhadores nem que a vaca tussa”. E mexeu. Tem outra frase, Gilberto, que é marcante, que é a frase que diz o seguinte: “Eu não vou fazer ajuste, ajuste é coisa de tucano”. E fez. E os tucanos sabiamente colocaram Dilma falando isso (no programa de TV do partido) e dizendo que ela mente. Era uma coisa muito forte. E fiquei muito preocupado — disse Lula na reunião com religiosos.
Petistas com trânsito tanto com Lula quanto com Dilma estão preocupados com a deterioração da relação entre os dois. Dizem que eles precisam se entender, se não “vão morrer abraçados”. Esses petistas afirmam que não há como um se descolar do outro.
“Posição de vanguarda”
Na mira de Lula, o ministro da Justiça corroborou nesta terça-feira as críticas feitas pelo ex-presidente ao PT. Cardozo faz parte da Mensagem ao Partido, maior ala de oposição interna do PT, que pregou a “refundação” da sigla durante o escândalo do mensalão. Ele afirmou que “há algum tempo” faz parte de uma corrente da sigla que propõe mudanças, com “correção do que é necessário”:
— Mais uma vez, o presidente Lula toma uma posição de vanguarda e coloca um tema em debate. E cabe a todos nós meditarmos a respeito disso, uma vez que parte de um líder que mudou esse país e construiu o partido — afirmou Cardozo, ressaltando falar como petista, não como ministro.
Em um evento público, Lula afirmou na última segunda-feira que o PT “perdeu um pouco a utopia” e que hoje “só pensa em cargo, em emprego, em ser eleito”.
Quanto às divergências com Dilma, elas não começaram agora nem se resumem à Lava-Jato. Desde o ano passado Lula se queixa da política econômica, da articulação política e da comunicação do governo. Ele também tentou influir, sem sucesso, na reforma ministerial promovida pela presidente em janeiro. Lula também reclama que o ajuste fiscal não pode ser um fim em si mesmo e que o governo também precisa dar boas notícias para a população.
Convocação de Okamotto foi estopim
Mas a escalada de reação do ex-presidente começou há doze dias. O estopim foi a convocação, pela CPI da Petrobras, do presidente de seu instituto, Paulo Okamotto. Inconformado, Lula cobrou explicações do vice-presidente da República, Michel Temer, que é responsável pela articulação política do governo; do relator da CPI, deputado Luiz Sérgio (PT-RJ); e do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
Embora concordem com o conteúdo, a divulgação das críticas de Lula ao governo e ao partido provocaram mal-estar entre dirigentes do PT. A avaliação é que o ex-presidente dá discurso para a oposição e enfraquece o governo e o partido.
Lideranças petistas também afirmam que as críticas feitas por Lula vêm fora de hora, já que o PT acabou de realizar o seu 5º Congresso justamente com o objetivo de repensar o partido.
Essa não foi a primeira vez, no entanto, em que Lula fez esse tipo de crítica ao PT. Em ato preparatório ao 5º Congresso, em dezembro, ele comparou a sigla a um filho que cresce e começa a dar trabalho. (Colaborou Renata Mariz)
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