O
patrimonialismo da família Bolsonaro é praticado à luz do dia, sem uma nesga de
republicanismo, um simulacro de impessoalidade que seja
Seria inapropriado dizer que Jair Bolsonaro confunde os papéis de pai e de presidente da República. A bem da verdade, ele nem sequer esconde que não dissocia uma coisa da outra ao se envolver pessoalmente na mobilização de estruturas de Estado e de governo para agirem no melhor interesse dos filhos. O patrimonialismo é praticado à luz do dia, sem uma nesga de republicanismo, um simulacro de impessoalidade que seja. Se nada for feito contra esse despautério, à Nação restará se contentar com o fato de Jair Bolsonaro ter apenas quatro filhos adultos a demandar seus cuidados, ou talvez mais uma estatal tivesse de ser criada só para dar conta das demandas de seus rebentos.
O
pai presidente, que um dia cogitou dar o “filé mignon” da embaixada brasileira
nos Estados Unidos para o filho “02”, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), a
despeito de seu flagrante despreparo para o cargo diplomático, agora não vê
problemas de ordem ética em uma obscura relação entre uma empresa que presta
serviços para o governo federal e seu filho “04”, Jair Renan. A Folha de
S.Paulo revelou há poucos dias que a cobertura com fotos e vídeos da festa
de inauguração da empresa de Jair Renan – a Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia – foi
feita graciosamente pela Astronauta Filmes, que neste ano já recebeu R$ 1,4
milhão em contratos com o governo federal. Evidentemente, nada há de gracioso
em um serviço que é prestado para um dos filhos do presidente da República.
Ao não condenar a prática, como se fosse algo normal, o presidente Bolsonaro mostra que trata a Presidência como se fosse uma administradora dos assuntos de interesse de sua família.
Dos
quatro filhos homens, o que mais tem merecido a dedicação do pai presidente é o
mais velho, o “01”, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), não por acaso
o que está enrolado com a Justiça desde que veio a público o esquema de
“rachadinhas” engendrado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj),
em fins de 2018. Em nome deste filho, em particular, Bolsonaro mostra-se
disposto a cruzar certos limites entre o público e o privado que bem poucos
ousaram cruzar.
A
revista Época revelou em edição recente que, ao contrário do que
havia afirmado o ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) atuou, sim,
para auxiliar a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no
processo movido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) contra ele e
outros parlamentares e assessores no caso das “rachadinhas” na Alerj.
Em
agosto, Jair Bolsonaro, Augusto Heleno e Alexandre Ramagem, chefe da Abin,
reuniram-se com duas advogadas do senador, que denunciaram aos três a
existência de uma suposta “organização criminosa” no seio da Receita Federal no
Rio que teria agido de forma ilegal para acessar os dados fiscais do senador
que teriam alimentado relatórios do Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf) usados pelo MP-RJ. A ser verdadeira a alegação das
advogadas, o caso seria anulado na Justiça.
O
simples fato de Bolsonaro receber as advogadas de um de seus filhos na presença
dos chefes do GSI e da Abin já foi um escândalo por si só. Fato ainda mais
grave é que aquele encontro tenha desencadeado uma ação de órgão estatal com
fins estritamente particulares. A Abin não só elaborou ao menos dois relatórios
– cuja autenticidade foi confirmada pela defesa do senador Flávio Bolsonaro à Época –,
como nem sequer se deu ao trabalho de camuflar o teor. A finalidade descrita em
um dos documentos produzidos pela agência foi redigida em português cristalino:
“Defender FB (Flávio Bolsonaro) no caso Alerj demonstrando a nulidade
processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”.
Redação
mais clara do que essa, só a do artigo 37 da Lei Maior, que trata do princípio
da impessoalidade da administração pública. E, no limite, a descrição do que
venham a ser crimes de responsabilidade na Lei 1.079/1950.
A
forja de um estadista – Opinião | O Estado de S. Paulo
Feliz
seria a Nação se, ao menos uma vez, Bolsonaro levasse em conta o interesse
público
Nem o mais devoto de seus apoiadores esperava que Jair Bolsonaro se transmutasse em estadista ao envergar a faixa presidencial. As expectativas sempre foram modestas. Feliz seria a Nação se ele apenas deixasse de lado a intolerância e a crispação que marcaram sua trajetória parlamentar para se portar à altura do nobilíssimo encargo de ser o presidente de todos os brasileiros. Mas nem uma pandemia que já matou quase 180 mil de seus concidadãos em nove meses parece capaz de fazer Bolsonaro sobrepor o interesse nacional, por um momento que seja, a seus objetivos particulares.
Enquanto
o País, temeroso, assiste ao aumento do número de casos de covid-19 após um
período de estabilidade e em 22 dos 27 entes federativos registra-se um aumento
na média móvel de mortes diárias, Bolsonaro, como se presidisse um pitoresco
país imaginário, afirmou durante um evento no Rio Grande do Sul que aqui
“estamos vivendo o finalzinho da pandemia”. E foi além. No obtuso olhar de
Bolsonaro, o Brasil foi “um dos países que melhor se saíram” no combate à
pandemia no mundo.
Não
é por acaso que os três países que lideram o ranking de mortes por covid-19
sejam governados por populistas que sempre negaram a gravidade da doença. Os
Estados Unidos contabilizam quase 290 mil mortes. O Brasil está perto de 180
mil óbitos. Na Índia, 141 mil pereceram.
A
realidade jamais importou para Bolsonaro, que desde o início desta tragédia
ignorou os fatos, as recomendações das autoridades sanitárias e não foi capaz
de demonstrar uma nesga de espírito público e compaixão pelos milhões de
brasileiros que padeceram da peste. Portanto, não deveria surpreender que o
presidente, a seu bel-prazer, determine o momento em que a pandemia chegue ao
“finalzinho”. Tudo cabe na realidade fantástica do reino de Bolsonaro.
Mas,
se não surpreendem, as declarações do presidente brasileiro ainda são capazes
de chocar e de envergonhar os cidadãos que não têm o hábito de brigar com a
realidade. Em especial quando contrastadas com a atitude de líderes que se
mostram à altura dos desafios que têm pela frente.
Em
emocionado discurso no Parlamento alemão, a chanceler Angela Merkel exortou
seus compatriotas a intensificar as medidas de isolamento para conter o avanço
da covid-19 no país. Na terça-feira passada, a Alemanha registrou 590 mortes em
24 horas, recorde de mortes diárias no país. “Se tivermos muito contato antes
do Natal e for nosso último Natal com nossos avós, teremos sido negligentes.
Lamento muito (ter de endurecer as medidas de isolamento), mas pagar um preço
de 590 mortes diárias, do meu ponto de vista, é algo inaceitável”, disse
Merkel. Sob seu governo, a Alemanha foi considerada um exemplo de gestão da
crise sanitária.
Enquanto
falava, Merkel foi vaiada por parlamentares da Alternativa para a Alemanha
(AfD), partido de extrema direita. As áreas mais afetadas pela segunda onda de
covid-19 no país são justamente as governadas pela extrema direita, refratária
às recomendações médicas e adepta das teorias conspirativas. É evidente que se
pode estabelecer um liame entre uma coisa e outra.
Eventos
extraordinários, em geral, revelam estadistas ou ajudam a forjá-los no
exercício do cargo. Adenauer reergueu uma Alemanha destroçada. Churchill lutou
sozinho durante dramáticas semanas contra o nazismo e, ao fim, prevaleceu.
Mandela superou tensões praticamente irreconciliáveis para moldar uma nova
África do Sul pós-apartheid. Embora, como já dito, jamais tenha sido esperado
que Jair Bolsonaro se transformasse em um estadista, o mínimo que se poderia esperar
era que, diante de uma situação-limite, como a pandemia mortal, o presidente
brasileiro olhasse com mais compaixão para as aflições da Nação. Não o fez e
nada indica que o fará, por incapaz.
Só
resta à Nação confiar no espírito público de prefeitos e governadores, em
instituições como o Congresso e o STF e as autoridades científicas do País,
altamente capacitadas.
O cerco regulatório às gigantes digitais – Opinião | O Estado de S. Paulo
2020
pode ser o ano em que seus elementos mais destrutivos começaram a ser
desmantelados
A história possivelmente registrará o ano de 2020 como o melhor e o pior para as gigantes tecnológicas. Na mesma proporção em que as ruas foram esvaziadas pelo vírus, o mundo virtual se expandiu. Ao mesmo tempo, os governos intensificaram sua ofensiva regulatória contra aquelas empresas.
Só
no último trimestre a Comissão de Justiça da Câmara dos EUA acusou as big
techs de manobras monopolísticas e abusos só comparáveis aos dos barões do
petróleo; o Departamento de Justiça moveu uma ação antitruste contra o Google;
e a Comissão Europeia acusou a Amazon de utilizar dados privados de vendedores
para competir contra eles.
O
último golpe foi contra o Facebook: uma ação antitruste protocolada no dia 9
pela procuradoria de Nova York, à frente de uma coalizão bipartidária formada
por 45 Estados. Paralelamente, a Comissão Federal de Comércio processou o
Facebook por práticas monopolistas, pedindo o seu desmembramento.
“Nenhuma
empresa deveria ter tanto poder sem controle sobre nossos dados pessoais e
interações sociais”, disparou a procuradora de Nova York Letitia James.
“Estamos enviando uma mensagem clara e forte ao Facebook e a todas as empresas,
de que seu esforço por sufocar a concorrência, prejudicar pequenos negócios,
reduzir a inovação e a criatividade ou mutilar proteções à privacidade
enfrentará toda a força de nossas instituições.”
A
alegação é de que a aquisição de concorrentes como o Instagram e o WhatsApp
pelo Facebook reduziu as escolhas dos consumidores. Essa mesma alegação expõe
as fragilidades dos atuais quadros regulatórios. As leis antitruste focam
tradicionalmente nos preços aos consumidores. Mas as big techs oferecem
produtos gratuitos, sendo recompensadas não com o dinheiro dos usuários, mas
com seus dados.
Na
verdade – além da eventual quebra de privacidade –, o prejuízo aos consumidores
é indireto. O verdadeiro efeito do controle do mercado das redes sociais
(Facebook) ou dos mecanismos de busca (Google) ou das vendas digitais (Amazon)
é a monopolização dos canais de anúncios e vendas. Presumivelmente, as empresas
têm de pagar mais do que pagariam em um mercado aberto para levar seus produtos
aos consumidores, repassando a eles os custos. Colateralmente, os monopólios
inibiriam a inovação.
Mas
ações legais post hoc, além de comportarem o potencial de criar
insegurança jurídica – afinal, aquisições como as do Facebook foram aprovadas
pelas agências reguladoras –, são lentas e limitadas. Casos como este
manifestam a urgência de novas regulações concorrenciais e instâncias
reguladoras.
“Gigantes
digitais como Google e Facebook dominam a internet em parte porque
desenvolveram excelentes produtos. Mas também são gigantes porque tornam mais
difícil para outras empresas entrar no mercado e competir”, disse em artigo
no Wall Street Journal o ex-consultor econômico da Casa Branca Jason
Furman. “O desafio para os gestores públicos é preservar aquilo que há de bom
nas gigantes digitais e mover a economia digital rumo à promessa do
capitalismo, no qual a concorrência sustenta inovações vibrantes e benefícios
aos consumidores.”
Nesse
sentido, a Comissão Europeia está finalizando uma lista de atividades ilegais,
de modo a poupar tortuosos processos probatórios para demonstrar danos aos
consumidores. Mais consolidado é o código de conduta proposto pela Autoridade
para Competição e Mercados britânica ao governo, que visa a atingir três
objetivos: “Comércio equitativo, escolhas livres e confiança e transparência”.
O código valerá para as grandes empresas, deixando às menores liberdade de
inovação. A fiscalização ficará a cargo de uma Unidade de Mercados Digitais
independente.
Ainda
há muitas incertezas sobre as ações antitruste contra as big techs, e os
regulamentos europeu e britânico terão de passar pelo escrutínio legislativo.
Mas tais movimentos são um sinal de que o ano de 2020 pode ter sido o melhor
para as big techs, mas não precisa ser o pior: pode ser apenas o ano em
que seus elementos mais destrutivos começaram a ser desmantelados.
Brasil superou a pior previsão para a Covid – Opinião | O Globo
Enquanto
Bolsonaro diz que pandemia está no ‘finalzinho’, mortes passam de 180 mil
Em
28 de março, quando o Brasil registrava menos de 4 mil infectados e 114 mortos
pelo novo coronavírus, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, levou
ao presidente Jair Bolsonaro e a seus ministros três cenários para a pandemia.
No melhor, o vírus mataria 30 mil brasileiros. No intermediário, de 60 a 80
mil. No pior, caso não fossem tomadas medidas de combate à doença, o número de
vítimas chegaria a 180 mil.
Oito
meses e meio depois, constata-se que o Brasil de Bolsonaro vai além do pior.
Faltando menos de 20 dias para terminar o fatídico 2020, o país ultrapassou
ontem a marca de 180 mil mortos e 6,8 milhões de infectados, deixando para trás
o cenário mais catastrófico traçado pelos técnicos do Ministério da Saúde no
início da pandemia.
Não
se sabe qual será o limite para a hecatombe. Depois de alternar períodos de
estabilidade e queda, o número de casos e mortes voltou a explodir no país a
partir de novembro, levando as redes pública e privada à iminência de um
colapso. O vírus avança nas capitais e no interior. Ontem, 20 das 27 unidades
da Federação registravam alta na média de mortes, e apenas três apresentavam
queda. O número de óbitos já voltou ao patamar de 700 por dia, um a cada dois
minutos.
No
Rio, a situação é calamitosa. Cerca de 500 pessoas estão na fila à espera de um
leito nos hospitais da rede pública, quase metade delas necessitando de
tratamento intensivo. Apesar disso, têm sido tímidas e contraditórias as medidas
tomadas pelo governador Cláudio Castro e pelo prefeito Marcelo Crivella.
Escolas foram fechadas, mas shoppings estão autorizados a funcionar 24 horas.
As áreas de lazer na orla da Zona Sul serão interditadas, mas as praias
continuam liberadas, contrariando a recomendação de cientistas.
À
medida que os cenários são refeitos para além do pior, a vacina, que poderia
deter a escalada, ainda é cercada de dúvidas. O governo age no improviso e não
consegue nem esboçar um plano nacional de vacinação consistente. Enquanto isso,
o presidente Jair Bolsonaro, em seu mundo paralelo, tem a desfaçatez de dar
risada e de dizer que o Brasil vive “o finalzinho da pandemia”. Completamente
alheio à realidade da doença e ao sofrimento que ela impõe a milhares de
famílias, Bolsonaro é o principal responsável pela dimensão que a tragédia
adquiriu no Brasil.
As
aglomerações das festas de fim de ano tendem a agravar a situação. Basta ver o
que ocorre nos EUA, onde morreram 3 mil pessoas no mesmo dia em que a primeira
vacina passava pelo comitê de especialistas da agência reguladora de
medicamentos (FDA).
A
perspectiva de vacina não pode servir de pretexto para nenhum relaxamento nas
medidas de contenção. Mesmo quando estiver disponível (na melhor das hipóteses,
no início do ano que vem), será apenas para os grupos de risco. Levará por
volta de um ano até haver uma parcela de imunes suficiente para deter o
contágio. Independentemente do que diga Bolsonaro, estamos longe, muito longe
do tão aguardado final.
Contabilidade criativa em metas afasta Brasil de acordos sobre clima – Opinião | O Globo
É
sintomático que o país não tenha sido convidado para participar de reunião
preparatória da COP-26
Não
bastassem a leniência na punição ao desmatamento da Amazônia, a tentativa de
aparelhamento dos organismos de proteção ambiental, os recordes sucessivos de
incêndios florestais e o favorecimento a madeireiros, grileiros e garimpeiros
ilegais, o Ministério do Meio Ambiente de Ricardo Salles passa agora por uma
nova vergonha internacional em nome do Brasil. O país foi excluído da reunião
marcada para hoje, em que países deverão apresentar novas metas de emissão de
gases, no âmbito do Acordo de Paris. Trata-se de encontro preparatório para a
COP-26, nova conferência de clima das Nações Unidas, prevista para início de
novembro de 2021 em Glasgow, na Escócia.
Não
é sem motivo que o Brasil, no passado ouvido nas discussões sobre meio
ambiente, está fora da reunião. Ao conjunto de erros de uma política
intencionalmente leniente com a preservação ambiental, acrescente-se que a nova
meta de redução da emissão de gases de efeito estufa, apresentada na última
terça-feira por Salles, resultou de uma “contabilidade criativa” elaborada para
permitir que o Brasil, em vez de reduzir suas emissões, as aumente.
O
ministério do Meio Ambiente anunciou que até 2030, em relação a 2015, o Brasil
se comprometerá a cortar em 43% suas emissões. Mas usou como referência do
corte uma base revisada, de 2,1 bilhões de toneladas para 2,8 bilhões. Com
isso, revela análise do Observatório do Clima, a intenção é despejar na
atmosfera 400 milhões de toneladas além da meta original (1,6 bilhão em vez de
1,2 bilhão).
Foi
uma espécie de “pedalada ambiental”, capaz de permitir que o país polua mais e
contribua mais para o descontrole do clima da Terra, cujas consequências estão
aí para todos verem. O correto seria propor uma redução de 57%, para que
tenhamos em 2030 o nível de emissão fixado originalmente.
Salles
também voltou a condicionar a uma ajuda anual de US$ 10 bilhões a antecipação
de 2060 para 2050 da meta de transformar o Brasil num país neutro nas emissões
de gases do efeito estufa. Além do indisfarçável sentido de chantagem, a
proposta é incoerente com a atitude do governo, que rejeitou recursos do Fundo
Amazônia, mantido por Noruega e Alemanha, para projetos com o mesmo objetivo.
A
exclusão do Brasil da reunião de hoje mostra que as “boiadas” e “pedaladas
ambientais” do governo Bolsonaro não enganam ninguém. Como resumiu Márcio
Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima: “Nos tornamos
indesejados numa agenda que deveríamos liderar. O governo Bolsonaro tanto fez
contra o meio ambiente e contra o clima do planeta, que se tornou uma espécie
de presença tóxica nessas reuniões internacionais”.
Sem apagão – Opinião | Folha de S. Paulo
Não
há risco de falta de energia citado por Bolsonaro, mas pressão sobre tarifa
Com
a ligeireza e o desconhecimento que lhe são característicos, o presidente Jair
Bolsonaro afirmou que o aumento da conta de luz em dezembro constitui mecanismo
para evitar o risco de apagão.
Trata-se,
na verdade, de uma operação de precaução quando o nível dos reservatórios das
hidrelétricas cai a níveis preocupantes e são acionadas em maior grau as usinas
termelétricas, de custo mais elevado —o que já está em curso no país desde
outubro.
O
que ocorre nessas situações é a definição pela agência reguladora do setor, a
Aneel, de uma majoração na conta do consumidor.
A
gradação da instituição segue as chamadas bandeiras (verde, amarela e
vermelha), com valores crescentes de custo. Para dezembro, definiu-se a
bandeira vermelha 2, que aumenta a tarifa da energia residencial em R$ 6,24 a
cada 100 kWh (quilowatt-hora).
Segundo
especialistas, não há risco de apagão no curto prazo. À diferença de
que se observava em 2001, o sistema nacional conta com maior disponibilidade de
usinas termoelétricas e melhor interligação das redes de transmissão.
Nos
últimos anos foi grande o crescimento do potencial gerador, inclusive nas
modalidades eólica e solar, além de concessões para a construção de novas
linhas.
Ainda
assim, é fato que os níveis dos reservatórios estão abaixo da média em razão do
legado do clima mais seco dos últimos anos e do atraso do início da estação
chuvosa, o que é comumente associado ao fenômeno climático La Niña. A situação
se mostra mais preocupante nas regiões Sul e Sudeste.
A
conta de luz poderá cair nos primeiros meses de 2021, caso as chuvas sejam
abundantes. Outros fatores, porém, vão pesar para os consumidores, entre eles
pleitos das distribuidoras por reposições nas tarifas devido a problemas
acumulados durante a pandemia, como inadimplência e congelamentos.
Está
no horizonte ainda a retomada do consumo de energia, que já recuperou o nível
anterior à Covid-19, impulsionado por setores como a indústria. O Operador
Nacional do Sistema (ONS) prevê crescimento de 19% até 2025.
A
médio prazo, não se pode descartar a possibilidade de falta de energia, no caso
de expansão da economia acima das expectativas.
A
solução está em investir na geração, com uso cada vez maior de fontes
alternativas e novas tecnologias. Melhorar a capilaridade e a resiliência da
rede de transmissão é também fundamental para garantir segurança energética.
Após
passar por vários testes de estresse nos últimos anos, a regulação evoluiu —e
existe capital privado para novos investimentos.
Argentinas à frente – Opinião | Folha de S. Paulo
Câmara
do país vizinho aprova autorização do aborto; no Brasil, há retrocesso
Após
mais de 20 horas de debates, a Câmara dos Deputados da Argentina aprovou nesta
sexta-feira (11) projeto que
autoriza o aborto até a 14ª semana de gestação, por livre escolha da
mulher com 16 anos ou mais. A norma precisa ainda ser votada no Senado, e desta
feita há chances de uma decisão favorável.
Hoje,
abortar no país vizinho só é permitido em caso de estupro ou risco de vida para
a mãe, exceções que também vigoram no Brasil (aqui se admite ainda a
interrupção em caso de feto anencéfalo). É a nona tentativa de mudar a regra na
Argentina; na oitava, em 2018, a iniciativa caiu no Senado.
A
iminência de uma vitória, agora como antes, decorre da intensa mobilização de
mulheres nas ruas e no Parlamento. Sua bandeira foi encampada durante a
campanha eleitoral pelo atual presidente, Alberto Fernández, e ora retorna à
pauta do Congresso.
Impressiona
o contraste com os retrocessos no Brasil. Não basta nossos congressistas se
recusarem a avançar no sentido de liberalizar o aborto em benefício da saúde
pública, na linha do que defende esta Folha; o governo Jair Bolsonaro
busca restringir o acesso a tal direito até nas raras condições em que pode ser
exercido.
Em
tais circunstâncias, campeiam abortamentos clandestinos e precários. São
incompletos os dados oficiais sobre mortes de brasileiras por complicações.
Numa década, de 2009 a 2018, o SUS registrou 721 óbitos por esse motivo, número
que especialistas põem na conta da subnotificação.
Estima-se
que pelo menos 900 mortes por abortos inseguros ocorram todos os anos na
América Latina. Essa é uma das regiões do mundo com mais restrições à
interrupção legal da gravidez.
A
maioria dos países latino-americanos abre poucas brechas na lei para sua
realização. Apenas em Cuba, Uruguai, Guiana e Guiana Francesa o aborto é livre
—e é totalmente ilícito em nações como República Dominicana, El Salvador,
Nicarágua e Honduras.
Sempre
se atribuiu o bloqueio à influência conservadora da Igreja Católica na região.
Nas últimas décadas, ele ganhou reforço militante de denominações evangélicas
neopentecostais, que vêm conquistando espaço político.
Nesse quadro, ganha relevo incomum a vitória parcial das argentinas. Lá, diversamente do que se vê aqui, parlamentares e movimentos sociais não se acovardam diante dos desafios postos pelo tempo, em meio a uma pandemia. A ver se o Senado seguirá em frente.
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