Andreza
Matais, Felipe Frazão e Tânia Monteiro, O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA
– O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que o maior erro
político cometido pelo governo até agora foi não se preparar para comprar a
vacina contra o novo coronavírus.
“Isso pode impactar o projeto de reeleição”, afirmou ele, numa referência aos
planos do presidente Jair Bolsonaro para 2022. “Esse é
o tema que pode gerar o maior dano de imagem. As pessoas estão começando a
entrar em pânico, em desespero”.
Prestes
a terminar seu mandato como presidente da Câmara, Maia disse ao Estadão que o governo está
criando um “balcão” de negócios na Câmara para eleger o seu sucessor. Na sua
avaliação, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se engana ao imaginar
que Bolsonaro interfere na disputa no Congresso, marcada para fevereiro de
2021, porque quer tocar as reformas. “Bolsonaro quer tocar a agenda
ideológica”, observou.
O deputado contou ter ouvido o rival Arthur Lira (Progressistas-AL) chamar Guedes de “vendedor de redes” – alguém que fala muito, mas entrega pouco. Líder do Centrão, Lira é candidato ao comando da Câmara com apoio do Palácio do Planalto. “Uma vitória do candidato do Bolsonaro o recoloca no processo político”, afirmou Maia.
O
senhor teve covid-19, pode contar como foi?
Passei
alguns dias muito difíceis, com pulmão bastante contaminado, com muito cansaço.
Fiz fisioterapia pulmonar todos os dias. Quase fui internado. Para quem tem
sintomas, não é uma doença simples. E eu tive o atendimento de hospital
privado, talvez da melhor médica do Brasil nessa área. Mas a maioria da
população não tem a mesma estrutura. Por isso que todos os procedimentos de
máscara, de álcool em gel, de algum isolamento em algum momento é importante
para que a gente não tenha a rede pública de saúde sem estrutura.
O
País assiste a uma briga política em torno da vacina e o governo não comprou
uma seringa até agora. Como sair disso?
A vacina é o ponto mais crítico do governo, o mais grave até hoje na sua relação com a sociedade. A demora na compra da vacina é o maior erro político de Bolsonaro. Esse é o tema que pode gerar o maior dano de imagem para o presidente. Faz voltar na memória das pessoas todos os erros do governo, desde o início da pandemia. Isso pode impactar o projeto de reeleição. Certamente, ele (Bolsonaro) tem pesquisa. E, se ele tem, está com essa mesma informação. As pessoas estão começando a entrar em pânico, em desespero. E aí ele isenta a importação de armas. Precisa tratar sem paixão, sem ideologia, esquecer o conflito com o governador de São Paulo.
A
Câmara pode assumir esse papel, como fez no início da pandemia, com relação aos
recursos emergenciais?
Eu
disse ao presidente que o Congresso e o governo deveriam construir um caminho
sobre a questão da vacina. Não é possível que daqui a pouco vai ter brasileiro
viajando ao exterior para tomar a vacina, e a maior parte da população aqui sem
vacina, com os leitos lotados, com a taxa de letalidade aumentando por falta de
leitos. Precisa de uma solução imediata, que o governo recupere os meses
perdidos.
O
senhor entende que será necessário algum tipo de lockdown nas festas de fim de
ano?
Quando
começar a crescer muito o número de internados na UTI, você tem que ter ações
por parte dos municípios, estados e da União, para evitar a circulação.
Reduzindo o número de pessoas nos hospitais, você pode reabrir. Eu não falo de
lockdown, eu falo: se no Rio de Janeiro tem 99% dos leitos ocupados, você tem
que ter uma ação do prefeito e do governador de mais restrições.
Mas
aí o presidente da República diz que as pessoas são “maricas” porque elas se
protegem. Como fazer com esse discurso negacionista da doença?
Você
pode ter certeza que o que o Pazuello (o ministro foi
contaminado pela covid) passou foi mais grave do que ele deve estar falando. As
pessoas vão tendo, as famílias vão pegando, perdendo seus parentes. E ao longo
do tempo, as pessoas vão vendo que o presidente tá errado. Tá errado desde o início,
quando ele disse era uma gripezinha.
O
presidente pode ser processado por crime de responsabilidade por causa das
ações na pandemia?
Que
ele pode ter influenciado um menor isolamento em momentos importantes, isso
pode. Mas é uma questão muito técnica. Alguém vai ter que vincular o discurso
dele as pessoas irem às ruas e isso ter gerado mais mortes. Não é uma coisa
fácil de pegar.
O
senhor deixará mais de quarenta pedidos de impeachment não analisados. Eles são
mesmo improcedentes?
De
forma nenhuma iria usar o poder do impeachment se não fosse um caso gravíssimo,
ainda mais no meio de uma quarentena.
É
a pandemia que impede um processo de impeachment?
Eu
acho que, com a crise que nós já temos, se a gente fosse entrar pra esse tipo
de conflito… E o impeachment é um julgamento político. Não é um julgamento
jurídico. Querendo ou não, é a realidade. Ele não pode ser um instrumento para
estar na gaveta e ser utilizado em cada conflito do presidente da Câmara com o
presidente do governo.
O
senhor externou temor de que uma vitória de Arthur Lira signifique uma agenda
ideológica no País nos próximos dois anos. Faz parte do jogo político fazer
esses alertas?
É
muito óbvio que não é a pauta econômica que faz o presidente rasgar o que falou
ao longo da campanha: que não iria interferir no outro Poder, que o Brasil foi
destruído pelo toma-lá-dá-cá, pela troca de cargos, pelas as emendas, que isso
levava à corrupção. Se você olhar os candidatos à presidência da Câmara, todos
pelo menos votaram a pauta mais liberal na economia. Se todos dariam conforto
ao governo em relação à pauta econômica, por que o presidente da República quer
interferir? O governo deixa claro qual é sua prioridade, que não é a pauta
econômica. Ele quer a pauta de costumes, do voto impresso, para desqualificar o
TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Ele quer essa pauta que foi travada nos
últimos dois anos pela minha presidência e pelo apoio que eu tenho.
Como
o plenário reagiria se o presidente da Câmara tentasse impor essa agenda?
Sempre
há um limite para aquelas agendas que o governo quer e, às vezes, radicaliza no
texto. A pauta de armas ele não tem voto, educação ele não tem voto, a
regularização fundiária, o texto inicial do governo não passaria. Da forma como
Bolsonaro está entrando, com o Palácio recebendo parlamentares, oferecendo
emendas, dessa forma muito escrachada, ele vai acabar tendo, no pós-eleição,
uma Câmara muito mais dividida do que ele tem hoje. Corre o risco de ter um
ambiente muito menos confortável para as pautas que, de fato, são
relevantes.
O
que leva o senhor a crer que os deputados vão abrir mão de tantas benesses em
nome de um discurso de independência?
A
maioria dos parlamentares não quer voltar a um jogo do passado, onde a troca
prevalecia à pauta. Tenho certeza que a maioria na Câmara entende que a
valorização vale muito mais do que achar que parlamentares estão à venda.
Porque essa deve ser a intenção. Se eles liberam emendas e acham que com isso o
candidato do governo ganha, eles diminuem a importância dos parlamentares. Esse
troca-troca tão criticado pelo Bolsonaro é um atraso.
O
senhor entende que isso é uma tentativa de compra dos parlamentares?
Do
ponto de vista do deputado, tenho certeza que não. Cada deputado tem o direito
de ir atrás, de defender seus municípios. Do ponto de vista do governo, dá
impressão que eles acham que, criando um balcão, vão conseguir eleger o
presidente da Câmara. Se essas práticas prevalecerem – e tenho certeza que não
vão prevalecer –, você terá um governo pressionado e chantageado de forma
permanente, por trocas.
A
eleição da Câmara, apesar de indireta, não é mais um teste da capacidade de
união de uma frente da centro-direita à centro-esquerda, para o enfrentamento
eleitoral ao Palácio do Planalto, em 2022?
Uma
vitória do candidato do Bolsonaro o recoloca no processo político. A principal
derrota dele, pra mim, foi a ruptura dessa rede populista nacionalista
internacional com a derrota do Trump. Depois, a sinalização, das eleições
municipais. E agora tem eleição da Câmara. O resultado vai ter um simbolismo,
porque ele está inferindo mais do que a presidente Dilma Rousseff quando tentou
eleger o deputado Arlindo (Chinaglia, PT) contra o deputado Eduardo Cunha (em
2015).
O
governo entende que quem eleger o presidente da Câmara se fortalece para a
eleição presidencial de 2022.
O
que vai pesar em 2022 é a pauta do governo nos próximos seis meses. O governo é
que vai ditar, porque ele é o incumbente, se quer ser popular ou populista. Faz
mais de um ano que o governo anunciou que votaria a PEC Emergencial no Senado,
decisiva para a manutenção da política de equilíbrio fiscal. Não é só política
do teto de gastos. É isso que vai organizar os adversários do governo.
A
sua relação com o ministro Paulo Guedes foi tensa nesses dois anos. O ministro
agora aposta no deputado Arthur Lira, candidato do governo para sucedê-lo, para
tocar sua agenda econômica. Acredita que será diferente com Lira?
Quem
me deu a melhor frase sobre o ministro da Economia foi o próprio Arthur Lira.
No início do governo a gente teve uma conversa e o candidato do Bolsonaro disse
para mim: “Rodrigo, esquece o Paulo Guedes, o Paulo é um vendedor de redes.” De
fato, tem que admitir que o candidato do Bolsonaro tem alguma visão de futuro.
Parece que é um vendedor de redes mesmo, né? Nada acontece. O Paulo Guedes está
errado. O Paulo Guedes está sendo ingênuo. O governo quer outro presidente da
Câmara para interferir na pauta de costumes. Na pauta econômica não precisa
interferir de forma nenhuma.
A
reforma tributária foi para as calendas?
A
pauta está atrasada pelo próprio governo. Tirando a Eletrobrás, que houve um
problema grave com a nova proposta de modelagem do governo, as outras três privatizações
devem estar no sonho do Paulo Guedes, porque até agora nenhuma delas chegou na
Câmara. Ele deve sonhar dizendo que chegou na Câmara, que encaminhou, deve ser
um sonho.
A
esquerda será decisiva mais uma vez na eleição da Câmara?
A
esquerda vai ficar contra o Bolsonaro por causa da pauta de costumes. Vai
prevalecer a política.
O
senhor pretende continuar no Legislativo ou experimentar o Executivo?
Eu
posso participar de um governo em que eu confie e que eu participe do processo
de construção, no ministério, numa coordenação, na articulação de alguma área.
A Câmara me deu, e eu me dediquei a isso, a capacidade de conhecer muita coisa,
muitos temas, muitas realidades. Em um país parlamentarista eu teria uma função
muito forte.
Com
quem que o senhor poderia se juntar?
Temos
que juntar o Doria, o Huck, o Ciro Gomes, o PSB do Paulo Câmara, do Renato
Casagrande. Todos os partidos queiram estar aqui nesse campo de centro. Até o
PT.
E
o senhor seria um bom vice?
Eu poderia coordenar essa articulação. O grande desafio desse campo de centro é o denominador da agenda econômica. Se a gente conseguir construir um denominador, a gente consegue fazer uma candidatura de centro que eu acho que vai mudar o Brasil. Muita gente fala: “Eu sou de centro”. Centro não é um ponto entre o número 10 e o número 1. Não é um ponto entre a esquerda e a direita. É um ambiente diferente, onde você tenta trazer pra política uma nova composição, uma nova realidade, onde segmentos que conversam pouco tenham a capacidade de construir em conjunto esse país que a gente espera.
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