sábado, 19 de abril de 2025

O arcabouço fiscal já era - Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Em 2027, segundo as previsões oficiais, o dinheiro acaba. Feitos os gastos obrigatórios, não sobra nem para o cafezinho

Quando o governo Lula criou o arcabouço fiscal, muitos analistas e jornalistas, inclusive o autor desta coluna, sustentaram que só funcionaria com expressivos aumentos de receita. Como a carga tributária já era elevada, parecia tarefa impossível. Vá lá que se conseguisse algum ganho inicial, mas imaginar que se poderia tirar mais dinheiro do contribuinte por anos a fio era ilusão.

Do outro lado da conta, o arcabouço garantia crescimento da despesa de 2,5% ao ano, acima da inflação. E esse era o verdadeiro objetivo do governo Lula: voltar à velha política petista do aumento permanente do gasto público. Como a dívida pública já estava em níveis muito elevados, foi preciso criar o tal arcabouço, apresentado como sistema mais sofisticado que o teto de gastos.

Havia aí um argumento: o teto de gastos havia sido furado no governo Bolsonaro. Mas o teto serviu muito bem durante o governo de Michel Temer, com Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda. A regra, introduzida naquele mesmo governo, era de uma simplicidade brilhante, facilmente compreensível. Dizia: o gasto do governo de um ano será igual ao do ano anterior, mais a inflação do período. Não haveria aumento real da despesa.

Como a economia normalmente tem crescimento real, com o tempo a despesa diminuiria em proporção do PIB. Assim, não era preciso aumentar a carga tributária. O ganho com impostos, resultante de maior produção econômica, formaria superávit primário, com que se poderia abater a conta de juros e reduzir o endividamento do governo. Assim funcionou.

Incluídas as reformas — previdenciária (encaminhada), trabalhista, introdução das Parcerias Público-Privadas e revisão da Taxa de Juros de Longo Prazo, eliminando subsídios nos financiamentos do BNDES —, o governo Temer deixou uma herança extremamente positiva: um país preparado para crescer em regime de estabilidade fiscal.

O governo Bolsonaro conseguiu concluir a reforma da Previdência, mas foi só. Verdade que houve a pandemia, que exigiu gastos enormes para apoiar famílias e empresas, mas, em cima disso, o teto começou a ser furado com diversas exceções — despesas feitas, mas não contabilizadas.

No governo Lula, o ministro Fernando Haddad decretou a morte do teto de gastos e inventou o arcabouço fiscal, apresentado como grande sacada: permitiria o aumento de gastos com equilíbrio fiscal. Curioso: ele dizia que o teto de gastos não tinha como funcionar, pois engessaria um governo que precisava gastar para atender os mais pobres. Mas, na prática, o que fez o ministro? Criou um teto mais alto: a despesa de um ano passou a ser igual à do ano anterior, mais a inflação, mais 2,5% reais.

Não deu certo. O arcabouço nasceu torto porque o governo criou ou aumentou despesas que cresceram mais que 2,5% ao ano. São os gastos obrigatórios com Previdência, funcionalismo e programas sociais (Benefício de Prestação Continuada, abono e seguro-desemprego). Ora se a maior parte da despesa cresce mais que os 2,5% permitidos, os demais gastos terão de ser cortados. Como o governo não quer cortar, aumenta os impostos. Como mesmo o aumento de impostos é insuficiente, volta-se à prática de excluir despesas do teto. Não entram na conta, de modo que a meta de equilíbrio está cumprida formalmente, mas a dívida pública aumenta — onde mora o problema maior.

Dá nisso: para equilibrar as contas deste ano, o governo precisa aumentar receitas. Para o ano que vem, conforme o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias recém-enviado ao Congresso, o governo precisará tirar mais R$ 118 bilhões dos contribuintes. Não há a menor indicação plausível de como isso será feito. Em 2027, segundo as previsões oficiais, o dinheiro acaba. Feitos os gastos obrigatórios, não sobra dinheiro nem para o cafezinho do pessoal.

Esqueçam isso de equilíbrio ou arcabouço fiscal. O governo aumentará o déficit e a dívida. Isso será igual a mais inflação, juros mais altos e menos crescimento.

 

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