O Globo
Depois de uma semana fazendo malabarismo para
aliviar a barra do presidente do INSS e
fingir que não tinha nada a ver com o esquema que por anos roubou todo mês um
pedacinho da aposentadoria de milhões de brasileiros, o ministro da
Previdência, Carlos Lupi,
surgiu na Câmara
dos Deputados nesta semana tomado de súbita indignação e
clarividência. “Quem fez errado que vá para a cadeia. Eu não estou aqui para
acobertar o roubo de quem quer que seja.”
Era o mesmo Lupi que, diante de todas as evidências de que havia uma quadrilha instalada na cúpula do INSS, resistiu a demitir o presidente do instituto já afastado pela Justiça — e ainda o descreveu como “extremamente qualificado”.
A Polícia
Federal mostrou que esse servidor público exemplar ignorou os alertas
oficiais de que havia um assalto em curso na instituição que dirigia e ainda
atropelou os bloqueios determinados pelo Tribunal de Contas da União para
impedir descontos indevidos.
Por esse esquema, só em 2024 cerca de R$ 2,3
bilhões foram surrupiados da conta de quase 6 milhões de aposentados para pagar
a entidades sindicais por serviços que nunca foram contratados — dinheiro que
irrigou as contas não só das entidades sindicais, como também de diretores do
INSS, lobistas e operadores financeiros. Sem falar que, nos últimos anos, era
difícil frequentar o meio sindical sem ouvir falar nesse esquema.
Vistos como alternativa de sobrevivência
depois da extinção da contribuição sindical obrigatória pelo governo Michel Temer,
tanto o consignado como a venda de serviços de seguro ou de auxílio-funeral
exigiam que cada aposentado autorizasse descontos em seu contracheque — o que
limitava a arrecadação, mesmo com propaganda enganosa ou venda casada.
O pulo do gato aconteceu quando os
intermediários ligados ao INSS começaram a vender aos sindicatos a lista de
novos aposentados, que iam direto para suas carteiras de sócios. Foi assim que
um grupo seleto de entidades multiplicou sua arrecadação.
Vendo a fartura na concorrência, vários
sindicalistas começaram a criar suas entidades para também entrar na farra.
Dois deles me disseram que, nos últimos meses, quando começaram a enfrentar
dificuldades para cadastrar suas novas entidades no sistema do INSS, procuraram
o chefe de gabinete de Lupi, que por sua vez indicou um advogado para
“assessorá-los” na tarefa.
Um desses sindicalistas me mostrou um
contrato que disse ter sido entregue pelo advogado, prevendo remuneração de 20%
do faturamento. Embora tanto o chefe de gabinete quanto o advogado neguem tudo,
esse é exatamente o modus operandi descrito pela PF.
Só Lupi não viu nada. Na Câmara, ele disse
que não se julga “responsável institucionalmente” pelo INSS. Ainda justificou o
fato de o esquema ter crescido e se multiplicado sob seus olhos com o argumento
de que o instituto “não é um botequim da esquina em que você pode enxergar tudo
o que está acontecendo”. Isso mesmo tendo
dito ao GLOBO, no final de semana, que sabia, sim, do que ocorria, mas era
preciso ter “fatos concretos para ser investigados”.
O histórico de Lupi, que deixou o ministério
de Dilma
Rousseff em 2011 depois de denúncias de corrupção, não autoriza
considerar esse discurso incongruente como atestado de incompetência. Mais
provável ser sinal de outra coisa — a confiança de que, aconteça o que
acontecer, ele continuará no cargo.
Uma razão para isso poderia ser o fato de ser
Lupi quem manda no PDT,
que Lula não
pode dispensar em momento de fragilidade no Congresso e nas pesquisas de
opinião.
Outra pode ser o fato de, quando se trata de
esquema sindical, tudo estar junto e misturado no governo Lula. A entidade que
mais aumentou sua arrecadação com o roubo dos aposentados, o Sindinap, tem como
vice-presidente o irmão de Lula, Frei Chico. Outra, a Contag, tem ligações
históricas com o PT e
elege até deputado federal. E outra ainda, Cebap, tem como advogado o filho do
ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski (depois que os contratos vieram à tona, Lewandowski disse
que não há conflito entre a atuação do filho e a sua).
Nos últimos dias, Lula decidiu intervir na
Previdência e chamar para si a tarefa de nomear o novo presidente do INSS. Até
agora, porém, não demonstra disposição de demitir o ministro — nem de fritá-lo,
como já fez com outros auxiliares. Pelo contrário.
Depois da audiência na Câmara, governistas
saíram espalhando por Brasília a
avaliação de que ele foi bem, saiu das cordas, “convenceu”. Gleisi
Hoffmann garantiu que ele fica. Pode até parecer que Lupi não sabe
muito bem o que diz, mas ele certamente sabe muito bem o que faz.
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