O Globo
O mercado de trabalho segue
fortalecido, apesar dos altos juros, e sua complexidade exige novas leituras
sobre informalidade e vínculo trabalhista
A taxa de desemprego de janeiro a março subiu ligeiramente em relação ao trimestre anterior, de 6,2% para 7%, mas ficou abaixo do mesmo trimestre do ano passado quando era de 7,9%. O mercado de trabalho segue robusto, mesmo com juros elevados. As questões do emprego no Brasil são bem mais sofisticadas e exigem de especialistas um olhar novo. A professora Luciana Ferreira, da Fundação Dom Cabral, diz que há um equívoco em dizer que a tendência dos jovens é não querer vínculo empregatício: “o que se busca é trabalho mais flexível e com propósito”. O economista Daniel Duque chama atenção para a pequena queda da informalidade apontada pela Pnad. Uma pesquisa do Sebrae mostra que aumentou em 25% o número de jovens tocando negócio próprio entre 2012 a 2024.
Não é simples entender o que se passa no
mercado de trabalho. Jovens inventam seu próprio trabalho ou procuram emprego
com bons vínculos. Há um movimento a favor de uma semana mais curta de
trabalho, que assusta empregadores. A informalidade é grande e persistente, e
nem sempre é uma escolha do trabalhador. A taxa de desemprego cresceu, mas
aumentou o rendimento real. O Banco
Central e economistas do mercado financeiro acham ruim a
resiliência do emprego e da renda porque avaliam que nem o choque de juros
desaqueceu o mercado de trabalho, o que significa uma queda mais lenta da
inflação.
Estudo da JOI Brasil/J-PAL mostra que, apesar
de pequenas oscilações, a informalidade permanece estagnada em cerca de 38%
desde 2000 — patamar abaixo da média de 50% da América Latina e do Caribe. A
pesquisa indica que com assistência personalizada e incentivos financeiros aos
pequenos negócios têm impacto positivo. No Brasil, o MEI simplificou a
burocracia, só que a inadimplência fiscal tem sido alta.
—Ao orientar o trabalhador a se formalizar
como MEI, como entregador do iFood, ele passa a ter cobertura previdenciária.
Em caso de acidente de moto, terá direito ao auxílio-doença. Se for mulher,
poderá contar com a licença-maternidade — destaca André Spínola, diretor do
Sebrae.
Mas o jovem tem mesmo rejeição aos vínculos
formais do mercado de trabalho? Luciana Ferreira diz que qualidade de vida,
flexibilidade, e um trabalho com propósito é desejo de todos, não apenas da
juventude.
— O que se busca são vínculos melhores. Boas
oportunidades de trabalho. Muitas vezes, os vínculos de emprego são meramente
transações comerciais e não são satisfatórios nem na remuneração. Por isso, o
tempo de permanência no emprego, a rotatividade é grande. Há uma frustração com
o trabalho. E as pessoas querem mais, querem estar em um lugar em que vejam
oportunidade de aprendizado, de crescimento, de propósito. Quando encontram
isso, querem o vínculo.
A professora diz que a lógica de que é
possível ter sucesso sozinho, trabalhando individualmente com afinco, propagado
por correntes políticas, religiosas e coaches é enganosa.
—É uma inverdade espalhada por esse grupo.
A Pnad de ontem mostra que o mercado de
trabalho está arrefecendo, diz Daniel Duque, pesquisador do FGV Ibre:
— Já estamos vendo os números mais baixos da
série histórica há alguns meses, mas os 7% mostram uma pequena piora. Há uns
três meses, o desemprego parou de recuar e a flutuação recente tem sido para
cima. No resultado deste mês, uma coisa que é interessante é que a taxa de
participação caiu um pouco, ou seja, tem menos gente na força de trabalho.
Isso, sim, eu diria que é um sinal de desaceleração. A queda de participação,
com alta da desocupação, significa saldo negativo de ocupações.
A informalidade caiu de 38,6% para 38%, o que
é bom sinal, pois significa uma tendência de maior formalidade no mercado de
trabalho. E a preferência do brasileiro pelo emprego com carteira assinada,
avalia o pesquisador, deve crescer ainda mais.
— Nos últimos seis meses, quando o emprego
retrai, a queda é puxada sobretudo pelos informais, especialmente pelos
trabalhadores por conta própria. O emprego formal continua com dados positivos.
O que estamos vendo é uma mudança de composição dos ocupados em prol da
formalidade. Ou seja, os formais estão aumentando. Uma grande parcela dos
ocupados por contra própria gostaria de ter outra opção — diz Duque.
Numa economia em transição, no mundo em
mudança para entender o que se passa é preciso fugir das simplificações e
estudar mais as nuances.
Nenhum comentário:
Postar um comentário