quinta-feira, 1 de maio de 2025

Visão informada sobre trabalho - Míriam Leitão

O Globo

O mercado de trabalho segue fortalecido, apesar dos altos juros, e sua complexidade exige novas leituras sobre informalidade e vínculo trabalhista

A taxa de desemprego de janeiro a março subiu ligeiramente em relação ao trimestre anterior, de 6,2% para 7%, mas ficou abaixo do mesmo trimestre do ano passado quando era de 7,9%. O mercado de trabalho segue robusto, mesmo com juros elevados. As questões do emprego no Brasil são bem mais sofisticadas e exigem de especialistas um olhar novo. A professora Luciana Ferreira, da Fundação Dom Cabral, diz que há um equívoco em dizer que a tendência dos jovens é não querer vínculo empregatício: “o que se busca é trabalho mais flexível e com propósito”. O economista Daniel Duque chama atenção para a pequena queda da informalidade apontada pela Pnad. Uma pesquisa do Sebrae mostra que aumentou em 25% o número de jovens tocando negócio próprio entre 2012 a 2024.

Não é simples entender o que se passa no mercado de trabalho. Jovens inventam seu próprio trabalho ou procuram emprego com bons vínculos. Há um movimento a favor de uma semana mais curta de trabalho, que assusta empregadores. A informalidade é grande e persistente, e nem sempre é uma escolha do trabalhador. A taxa de desemprego cresceu, mas aumentou o rendimento real. O Banco Central e economistas do mercado financeiro acham ruim a resiliência do emprego e da renda porque avaliam que nem o choque de juros desaqueceu o mercado de trabalho, o que significa uma queda mais lenta da inflação.

Estudo da JOI Brasil/J-PAL mostra que, apesar de pequenas oscilações, a informalidade permanece estagnada em cerca de 38% desde 2000 — patamar abaixo da média de 50% da América Latina e do Caribe. A pesquisa indica que com assistência personalizada e incentivos financeiros aos pequenos negócios têm impacto positivo. No Brasil, o MEI simplificou a burocracia, só que a inadimplência fiscal tem sido alta.

—Ao orientar o trabalhador a se formalizar como MEI, como entregador do iFood, ele passa a ter cobertura previdenciária. Em caso de acidente de moto, terá direito ao auxílio-doença. Se for mulher, poderá contar com a licença-maternidade — destaca André Spínola, diretor do Sebrae.

Mas o jovem tem mesmo rejeição aos vínculos formais do mercado de trabalho? Luciana Ferreira diz que qualidade de vida, flexibilidade, e um trabalho com propósito é desejo de todos, não apenas da juventude.

— O que se busca são vínculos melhores. Boas oportunidades de trabalho. Muitas vezes, os vínculos de emprego são meramente transações comerciais e não são satisfatórios nem na remuneração. Por isso, o tempo de permanência no emprego, a rotatividade é grande. Há uma frustração com o trabalho. E as pessoas querem mais, querem estar em um lugar em que vejam oportunidade de aprendizado, de crescimento, de propósito. Quando encontram isso, querem o vínculo.

A professora diz que a lógica de que é possível ter sucesso sozinho, trabalhando individualmente com afinco, propagado por correntes políticas, religiosas e coaches é enganosa.

—É uma inverdade espalhada por esse grupo.

A Pnad de ontem mostra que o mercado de trabalho está arrefecendo, diz Daniel Duque, pesquisador do FGV Ibre:

— Já estamos vendo os números mais baixos da série histórica há alguns meses, mas os 7% mostram uma pequena piora. Há uns três meses, o desemprego parou de recuar e a flutuação recente tem sido para cima. No resultado deste mês, uma coisa que é interessante é que a taxa de participação caiu um pouco, ou seja, tem menos gente na força de trabalho. Isso, sim, eu diria que é um sinal de desaceleração. A queda de participação, com alta da desocupação, significa saldo negativo de ocupações.

A informalidade caiu de 38,6% para 38%, o que é bom sinal, pois significa uma tendência de maior formalidade no mercado de trabalho. E a preferência do brasileiro pelo emprego com carteira assinada, avalia o pesquisador, deve crescer ainda mais.

— Nos últimos seis meses, quando o emprego retrai, a queda é puxada sobretudo pelos informais, especialmente pelos trabalhadores por conta própria. O emprego formal continua com dados positivos. O que estamos vendo é uma mudança de composição dos ocupados em prol da formalidade. Ou seja, os formais estão aumentando. Uma grande parcela dos ocupados por contra própria gostaria de ter outra opção — diz Duque.

Numa economia em transição, no mundo em mudança para entender o que se passa é preciso fugir das simplificações e estudar mais as nuances.

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