domingo, 20 de julho de 2025

Freud rides again - Merval Pereira

O Globo

Acredito que Moraes poderia ter esperado um pouco, mas ele também não mede as reações. Tomar esta decisão em cima da carta de Trump para Bolsonaro deixa muito evidente que ele está participando desta disputa com o presidente americano. E se sentindo perseguido, dobra a aposta

Nós aqui quebrando a cabeça, tentando entender o que provocou a ira trumpista contra o Brasil, buscando um pouco de bom-senso nas decisões estapafúrdias tomadas, e tudo pode se resumir a uma questão pessoal.

O BRICS certamente irrita Trump, volta e meia ele bate nessa tecla, especialmente na questão da moeda que substituiria o dólar no comércio internacional. Mas Trump sabe também que o BRICS não é uma ameaça iminente, se é que será ameaça algum dia. Há as big techs, que não querem se responsabilizar pelo que transmitem. Essas são influentes no círculo trumpista e têm poder de fogo. Se equivocam, porém, se consideram que o Brasil não tem força política para regulamenta-las.

O comércio internacional não pode ser, pois ainda estamos em déficit com os Estados Unidos. Há quem ainda acredite que Bush filho só invadiu o Iraque para vingar o pai, que anos antes havia entrado em guerra com aquele país para defender o Kuwait de uma invasão. Pois Freud está novamente em campo, desta vez influenciando Trump a defender seu avatar brasileiro, como se defendesse a si próprio.

A confusão entre Bolsonaro, Trump e o Brasil piorou e está longe de terminar . É uma mistura de decisões políticas com pessoais, difíceis de negociar. Muitos fatores estão envolvidos, mas nada de concreto além da tentativa de criar um ambiente que propicie uma rendição do governo brasileiro. Trump está cada vez mais apostando na liberação do ex-presidente Bolsonaro, e fez questão de demonstrar seu apreço ao mandar-lhe uma carta pessoal, enquanto não responde à carta institucional que o governo brasileiro enviou através do Itamaraty.

Está claro que as restrições do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes impostas a Bolsonaro vieram em resposta a esta tentativa de Trump de pressionar o STF, especialmente o próprio Moraes e demais ministros. Acredito que Moraes poderia ter esperado um pouco, mas ele também não mede as reações. Tomar esta decisão em cima da carta de Trump para Bolsonaro deixa muito evidente que ele está participando desta disputa com o presidente americano. E se sentindo perseguido, dobra a aposta.

A tornozeleira era previsível, porque há muito tempo Bolsonaro deveria estar sendo acompanhado. Todas as razões alegadas para as medidas restritivas ao ex-presidente brasileiro existem há muito tempo, e poderia até mesmo ser decretada uma prisão preventiva. Que pode sair a qualquer momento, dependendo do que acharem no tal pendrive descoberto no banheiro da casa dos Bolsonaro. Ou do desenrolar do episódio, pois os bolsonaristas garantem que outras medidas virão, além da proibição de 8 ministros do STF de viajar para os Estados Unidos. Ainda teremos Paris, lembrou sarcasticamente um deles (Barroso?), repetindo a famosa frase de Humphrey Bogart no filme Casablanca. Eduardo Bolsonaro e seus cupinchas estão em uma atuação internacional que prejudica o país. E não se pode deixar que Bolsonaro fuja de suas responsabilidades na tentativa de golpe, e se torne um exilado político vitimizado. Vejo o futuro imediato com muita preocupação.

O problema deixou de ser econômico; é muito mais pessoal, uma tentativa de interferência no sistema jurídico brasileiro que não tem o menor sentido. Seria importante começar a pensar em como dirigir nosso comércio para outros países, e fechar o acordo com a Europa. Freud pode explicar essa obsessão de Trump por Bolsonaro. Por falha da Justiça americana, Trump escapou da cadeia por ter sido eleito presidente da República. Vê em Bolsonaro sua cópia prestes a ser preso pelo mesmo crime: tentativa de golpe para impedir que o vencedor das eleições assumisse a presidência da República.


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