Folha de S. Paulo
Rolou um déjà-vu desgraçado de quando a gente
acordava pensando em qual seria o pesadelo do dia
Era para ser uma crônica sobre como homens e
mulheres ainda
consideram amizade entre gênero ficção cientifica, afinal, macho que é
macho não consegue controlar o bilau dentro das calças. Mas o Brasil acordou
com a
Polícia Federal na porta de Jair Bolsonaro na sexta-feira (18). Toc
toc toc. Como ignorar as notícias e, principalmente, os
memes? Pensei, que a justiça seja feita –e fui tocar a vida.
Em frente à minha casa tem uma estação de bicicletas. Todos os dias, renovo minha fé em não ter mais carro e ainda contar com uma opção ecologicamente correta, saudável e charmosa. Acho sexy adultos que circulam de bike e não de SUVs. Obrigada, Itaú, pela graça alcançada. Mas quando eu pegava a magrela, a TV do bar mostrava, de novo, aquela cara sebosa falando que nunca viu um pendrive. Meti um Oasis no fone de ouvidos para lembrar como a década de 1990 foi boa e a gente sabia.
O mar de Copacabana parecia a lagoa azul,
aquela do filme, e o instrutor de natação decidiu nos guiar entre o Posto 6 e a
praia do Diabo, o que dá 1,5 km de distância. Passamos pelo forte, pelos
canhões que hoje só servem para turista ver. Já na metade do caminho, paro para
ajeitar os óculos e recuperar o fôlego, e vejo a enorme bandeira do país que
sinaliza aquela instalação militar. Ela tremula com o Corcovado ao fundo. É
isso. Brasil
acima de tudo e o Cristo com os braços abertos sobre a Guanabara.
Viva, Tom Jobim. Chupa, Trump.
Na minha cozinha, a panela apita, metáfora
perfeita para o país que não
aguenta mais tanta pressão política. Enquanto refogo cebola e alho para o
arroz de cada dia, penso que democracia demais, às vezes, atrapalha. Não fosse
esse mimimi de direitos, garantias, prazos, aquela
tornozeleira já tinha sido entregue há tempos. Faço um parêntese (é
ironia, tá? Sempre bom avisar). Não é por nada, não, mas o cheiro do meu feijão
tá estupendo. Numa coisa, Jair
Bolsonaro está certo, a batata já assou.
Mas vamos ao que interessa. Sextou? Partiu
chopinho? Quem sabe teatro e jantar. Ou pizza e Netflix para
curtir esse frio
inacreditável de 18ºC no Rio de Janeiro. Mas sábado rola uma praia. Nada.
Meus grupos de WhatsApp estavam
lamentavelmente monotemáticos. E o Bolsonaro? E o Bolsonaro? Um déjà-vu
desgraçado de quando a gente acordava pensando em qual seria o pesadelo do dia.
Não vai escrever sobre o indiciado? Não.
Juro que tentei me refugiar em assuntos mais
interessantes e me inspirar para esta coluna. Uma reportagem fala sobre
os benefícios
da creatina, o suplemente queridinho do momento. Outra trata da
impressionante queda
na preferência por ter filhos homens. Um artigo do The New York Times diz
que vivemos uma crise de empatia. A filósofa Hannah
Arendt já dizia, "a morte da empatia humana é um dos primeiros e
mais reveladores sinais de que uma cultura está prestes a cair na
barbárie". Preocupante mesmo.
Bolsonaro, que o diabo te carregue. Pensando
bem, a PF também serve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário