O Globo
A recente imposição de tarifas pelo governo Trump sobre produtos brasileiros, motivada por pressões políticas da família Bolsonaro, expõe a dependência do conservadorismo brasileiro em relação à família do ex-presidente. Os conservadores realmente esperam que a medida que pune trabalhadores e empresários brasileiros seja colocada na conta de Lula e Alexandre de Moraes, e não na de Eduardo Bolsonaro? Eles conseguem explicar por que os trabalhadores da indústria da carne em Mato Grosso ou os trabalhadores da indústria de calçados do Rio Grande do Sul deveriam pagar, com seus empregos, a conta das disputas entre o Supremo e os bolsonaristas? E qual a estratégia por trás da medida? Eles esperam que o Supremo se reoriente por medo de sanções comerciais — ou mesmo da Lei Magnitsky?
Nada disso faz o menor
sentido. A armadilha em que se meteram se deve ao indisputado domínio da
família Bolsonaro sobre todo o campo conservador. Sem perspectivas concretas de
livrar o pai da cadeia, Eduardo Bolsonaro viajou para os Estados
Unidos com o projeto de estimular sanções americanas aos ministros
do Supremo, na esperança vã de que a ameaça pudesse moderar as sentenças nos
julgamentos dos atos antidemocráticos. Só que Trump recebeu a demanda e a
dissolveu na sua estratégia de guerra tarifária. Eduardo Bolsonaro, tomado de
vaidade e sentindo-se influente sobre a Casa Branca, tomou a medida
desproporcional de Trump como se fosse sua, implicando todo o movimento
conservador na sua trapalhada.
O que era uma punição
direcionada a Moraes e outros ministros virou uma punição a milhares de
brasileiros. Os governadores da direita tentaram escapar da armadilha, buscando
dizer que a postura antiamericana de Lula teria provocado a medida e que a
solução seria a mesa de negociação comercial. Trump, no entanto, deixou claro
que seu problema é com o Supremo, que a disputa não é de natureza comercial e
que age a pedido dos bolsonaristas nos Estados Unidos.
Trump está tratando o Brasil
como trata as universidades americanas. No caso delas, usou seu poder econômico
como financiador das pesquisas científicas para lhes arrancar o compromisso de
fechar ou enquadrar departamentos de estudos árabes, revisar as políticas de
diversidade e perseguir estudantes pró-Palestina, sobretudo os estrangeiros.
No caso do Brasil, está
usando tarifas para conseguir que o Supremo inocente Bolsonaro, suspenda a
regulamentação judicial das mídias sociais e cesse a suspensão de contas de
bolsonaristas na internet. A exigência é descabida e, na falta de termo melhor,
imperialista. O Brasil não é frágil como um pequeno país centro-americano, nem
hiperdependente dos Estados Unidos, como o México. Além do mais, o Supremo é um
Poder independente do Poder Executivo. Só mesmo o delírio de grandeza de
Eduardo Bolsonaro poderia esperar que tarifas contra o setor produtivo e
punições bancárias a Moraes pudessem coagir o Supremo.
Não apenas as medidas não
surtirão o efeito desejado, como terão o efeito contrário. A postura de Trump
unirá ainda mais o Supremo e isolará ou enquadrará Nunes Marques, André
Mendonça e Luiz Fux.
E tornará muito mais difícil reorientar a Corte. A lista de problemas por lá
não é pequena. Começa com os inquéritos abertos de ofício — sem objeto
definido, sem prazo para acabar — e com a confusão de papéis entre vítima,
investigador e juiz. Depois, vem uma sequência de medidas equivocadas e
desproporcionais: a cassação de contas em mídias sociais, estabelecendo de fato
censura prévia, sentenças duríssimas contra os bagrinhos do 8 de Janeiro e os
erros que sustentaram a prisão de Filipe Martins.
A persistência dos
conservadores foi capaz de trazer essas questões à luz, mas sua incapacidade de
dissociar a exposição dos problemas do STF da
vontade de livrar Bolsonaro da cadeia compromete o diagnóstico. Os
bolsonaristas não conseguem condenar o golpismo de 2022/2023 da mesma maneira e
pelos mesmos motivos que os lulistas não conseguem reconhecer a corrupção na
Petrobras. Quem considera a mão pesada de Moraes uma ameaça à democracia não
deveria achar inócuo decretar estado de sítio sobre o TSE ou
um general planejar assassinar autoridades.
Não conseguiremos consertar os problemas do Supremo sem também condenar o golpismo. E nada disso será conseguido com o apoio de Trump. O conservadorismo se manterá isolado enquanto permanecer refém das estratégias personalistas da família Bolsonaro.
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