sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Disputa Trump-Lula sobre tarifas será prolongada até eleições de 2026 - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Pesquisa do Datafolha de julho mostram que 63% dos brasileiros se opõem à interferência de Trump nos assuntos internos do país, mas esse número cai para 48% entre os evangélicos e 42% entre eleitores de Bolsonaro

Não devemos nos iludir. A imposição de tarifas de 50% pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros, sob a justificativa de ameaça à segurança nacional e como retaliação indireta ao processo judicial contra Jair Bolsonaro (PL), marca o início de uma disputa política que tende a se estender até as eleições de 2026. O gesto do presidente norte-americano Donald Trump vai além da medida comercial. Sinaliza um alinhamento explícito da Casa Branca à extrema-direita brasileira e representa uma interferência inédita nos assuntos internos do Brasil.

Trump vincula o processo de Bolsonaro à sua própria narrativa de “perseguição judicial” e, ao fazer isso, espelha a polarização política em seu país no Brasil. Trabalha para enfraquecer a confiança mundial nas instituições brasileiras, principalmente no Supremo Tribunal Federal (STF), que conduz o julgamento do ex-presidente. O tarifaço é uma arma geopolítica, uma forma de chantagem para obter ganhos eleitorais, tanto nos EUA quanto entre os aliados de extrema-direita no Brasil.

Ceder à pressão e negociar com base em exigências políticas seria um sinal de fraqueza institucional e abriria precedente perigoso, porém, resistir implica em alto custo econômico, especialmente para setores-chave como agronegócio, minérios, combustíveis e manufaturados. Há riscos de erosão política e eleitoral nas regiões mais afetadas pelo tarifaço, como Centro-Oeste, Sudeste e Sul, que majoritariamente se opõem ao governo. Não se sabe ainda se essa maioria se ampliará, sobretudo em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, ou ainda pode ser compensada pelo apoio ao governo em outras regiões.

Os dados da pesquisa do Datafolha de julho mostram que 63% dos brasileiros se opõem à interferência de Trump nos assuntos internos do país, mas esse número cai para 48% entre os evangélicos e 42% entre os que votaram em Bolsonaro em 2022. No Sudeste, a rejeição ao tarifaço é majoritária (67%), mas no Norte e Centro-Oeste, regiões exportadoras e mais bolsonaristas, a divisão é maior. Ou seja, a opinião pública ainda pode ser moldada. Existe um caldo de cultura conservador que respalda as posições de Bolsonaro e Trump.

Até 2026, o conflito tende a se intensificar. A narrativa de “Brasil soberano contra imperialismo de Trump” será mobilizada por Lula e seus aliados, enquanto a oposição tentará usar a crise para reforçar o discurso de que o governo é incompetente na condução das relações internacionais e hostil ao agronegócio. Espera-se uma escalada retórica, tanto no plano interno quanto externo. A guerra de versões ofusca o debate técnico. A preferência por negociação (72 %) indica amplo respaldo à diplomacia como estratégia do governo, porém, rejeita um confronto aberto de Lula com Trump.

No Congresso, que volta a funcionar na próxima semana, a oposição já articula uma CPI para apurar supostas omissões do governo na gestão da crise comercial com os EUA. Líderes do PL, do Novo e de parte do PP veem na crise uma oportunidade de reacender a polarização, ao associar sua política externa a perdas econômicas concretas. Por outro lado, setores moderados do PSD, MDB e União Brasil mostram desconforto com o tom beligerante de Trump, especialmente após sua ameaça direta ao STF.

Supremo na berlinda

Lula, denuncia o tarifaço como uma “ingerência imperial” e violação das regras da OMC. No entanto, o apoio prático — em termos comerciais ou de compensação econômica — é limitado. A UE, por exemplo, mantém seu próprio acordo com os EUA e hesita em tomar partido. A China observa de perto, pode se beneficiar da retração brasileira no mercado americano, mas não deve se envolver diretamente.

Internamente, o governo tenta ampliar sua articulação com os setores produtivos para evitar o isolamento, por meio do vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). A Frente Parlamentar da Agropecuária, que tem 303 membros, dialoga com o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, mas é uma força de oposição histórica ao governo no plano eleitoral.

O Palácio do Planalto estuda medidas compensatórias, como créditos subsidiados via Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e novos acordos bilaterais na Ásia e África, mas esses efeitos são lentos e incertos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ainda elabora um plano de contingência para mitigar os efeitos do tarifaço, proteger as empresas e os trabalhadores atingidos pelo colapso das exportações em setores como o de café, carnes e frutas.

O Judiciário continua sob pressão. A chantagem para que o STF module o julgamento de Bolsonaro crescerá, tendo como alvo os demais ministros da Corte, que podem sofrer as mesmas sanções aplicadas a Alexandre de Moraes. O Supremo já deu sinais de que não aceitará interferência, tornou-se um símbolo da soberania democrática.

Entretanto, pode se tornar o epicentro de uma crise institucional se Trump escalar ainda mais as retaliações. O Departamento de Estado dos Estados Unidos planeja impor a Lei Magnitsky a outros ministros do STF que votaram a favor do processo contra Jair Bolsonaro. Em resumo, o tarifaço é o primeiro ato de uma disputa estratégica que seguirá até 2026.

 

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