quarta-feira, 10 de setembro de 2025

A inequívoca melhora da tributação no Brasil. Por Benito Salomão

Correio Braziliense

A conjunção da reforma tributária dos impostos indiretos que passa a vigorar gradualmente a partir de 2026 e da minirreforma da renda aproxima o país dos bons princípios de tributação

"Todos concordam que o sistema tributário deveria ser equitativo, que cada contribuinte deveria contribuir com uma participação justa pelo custo do governo. Mas não existe consenso sobre como a contribuição justa poderia ser definida" 

O trecho traduzido do livro Public finance in theory and practice chama atenção para um dos temas essenciais em finanças públicas: a tributação justa. Nos últimos anos, o Brasil tem dado importantes passos em direção a um modelo tributário melhor, o que torna o trecho oportuno. A reforma de tributação indireta, cuja transição para o modelo do IVA dual entrará em vigor em 2026, trará relevantes impactos. No capítulo 12 do livro, Richard e Peggy Musgrave dissertam sobre os princípios de um bom regime tributário. São eles: neutralidade, simplicidade e equidade.

Isso posto, a migração do sistema tributário atual para o modelo IVA torna o código tributário mais simples, já que se trata de um sistema em utilização em parte do mundo. Imagine uma multinacional com planta produtiva no Brasil e em outros países que adotam o IVA. Pelo modelo tributário atual, ao optar por produzir no Brasil, essa empresa teria custos com serviços contábeis e jurídicos associados à nossa legislação tributária, que tornariam a planta brasileira mais ineficiente em relação às demais localidades.

Em suma, o regime de tributação indireta no país gera a necessidade de serviços a ela associados que oneram a produção e penalizam a empresa nacional. Essa fonte de ineficiência, no entanto, será atenuada com a migração para o IVA dual, que é mais simples e parecido com o modelo de tributação indireta nas principais economias industriais.

Mas a melhora do ambiente tributário não se restringe à reforma da tributação indireta. No fim de agosto, a Câmara votou o requerimento de urgência do PL 1.087/25, que, se aprovado, pode significar um avanço em matéria tributária. O PL propõe isentar a partir do exercício fiscal de 2026 a cobrança do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) dos contribuintes com renda inferior a R$ 5 mil. Em termos de salário mínimo (SM) para o ano de 2026, previsto no PLOA, de R$1.631, a isenção abrange pessoas cuja renda é de 3 SMs. Ademais, o PL reduz a alíquota do IRPF para trabalhadores com renda de até  R$ 7.350, ou o equivalente a 4,5 SMs.

O projeto, anunciado no fim de 2024, foi mal recebido por alguns economistas. A principal crítica não contempla a isenção em si, mas o seu impacto fiscal, que pode pôr a já elevada relação Dívida/PIB em uma trajetória de descontrole. A crítica não é de todo infundada, pois o Brasil realmente precisa lidar de forma mais rígida com o seu endividamento público. Entretanto, não dá para desconsiderar o papel da política em se buscar alternativas para a estabilização fiscal.

Além disso, o PL promete ser neutro do ponto de vista fiscal, já que a desoneração dos grupos de renda inferior a 4,5 SMs deverá ser compensada pela implementação de uma alíquota de no máximo 10% para pessoas com rendimentos superiores a R$ 600 mil, considerando todos os rendimentos recebidos, inclusive lucros e dividendos. Ademais, ao substituir impostos de famílias de baixa renda para pessoas de alta renda, o governo eleva não só a renda corrente, mas também a renda permanente de famílias com elevada propensão a consumir. Ao fazer isso, o PL pode desencadear um novo ciclo expansionista da atividade, inclusive com impactos transbordando para o longo prazo.

Voltando ao trecho inicial, os autores estão debruçados sobre uma das questões mais essenciais em finanças públicas: o que é uma tributação justa? Devido ao elevado grau de subjetividade que a definição de justiça tributária possa ter, o debate econômico cada vez mais empirista se esvazia da discussão. Mas Richard e Peggy Musgrave o enfrentam a partir de dois princípios: o primeiro é o do benefício — ou seja, a justiça tributária é feita quando o pagamento está em linha com o benefício; o segundo está ancorado na capacidade de pagamento.

Tomando o segundo princípio como base, ele sustenta que indivíduos com mesma renda devem pagar o mesmo imposto e que pessoas com renda diferente devem pagar impostos diferentes. Pelas regras atuais, trabalhadores com rendas mensais um pouco superiores a 2 SMs pagam IRPF, enquanto muitos indivíduos com rendas centenas de vezes maiores pagam relativamente menos (ou nada). Isso faz a carga tributária brasileira demasiadamente regressiva. O PL em trâmite no Congresso não torna a tributação da renda progressiva — para que isso pudesse acontecer, os mais ricos deveriam pagar alíquotas proporcionalmente maiores —, mas é inequívoco que o PL atenua a regressividade, sendo um passo para a construção de um sistema tributário mais equitativo.

O fato é que a conjunção da reforma tributária dos impostos indiretos que passa a vigorar gradualmente a partir do ano que vem e dessa minirreforma da renda aproxima o país dos bons princípios de tributação.

 

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