Correio Braziliense
A conjunção da reforma tributária dos impostos indiretos que passa a vigorar gradualmente a partir de 2026 e da minirreforma da renda aproxima o país dos bons princípios de tributação
"Todos concordam que o sistema
tributário deveria ser equitativo, que cada contribuinte deveria contribuir com
uma participação justa pelo custo do governo. Mas não existe consenso sobre
como a contribuição justa poderia ser definida"
O trecho traduzido do livro Public finance in theory and practice chama atenção para um dos temas essenciais em finanças públicas: a tributação justa. Nos últimos anos, o Brasil tem dado importantes passos em direção a um modelo tributário melhor, o que torna o trecho oportuno. A reforma de tributação indireta, cuja transição para o modelo do IVA dual entrará em vigor em 2026, trará relevantes impactos. No capítulo 12 do livro, Richard e Peggy Musgrave dissertam sobre os princípios de um bom regime tributário. São eles: neutralidade, simplicidade e equidade.
Isso posto, a migração do sistema tributário
atual para o modelo IVA torna o código tributário mais simples, já que se trata
de um sistema em utilização em parte do mundo. Imagine uma multinacional com
planta produtiva no Brasil e em outros países que adotam o IVA. Pelo modelo
tributário atual, ao optar por produzir no Brasil, essa empresa teria custos
com serviços contábeis e jurídicos associados à nossa legislação tributária,
que tornariam a planta brasileira mais ineficiente em relação às demais
localidades.
Em suma, o regime de tributação indireta no
país gera a necessidade de serviços a ela associados que oneram a produção e
penalizam a empresa nacional. Essa fonte de ineficiência, no entanto, será
atenuada com a migração para o IVA dual, que é mais simples e parecido com o
modelo de tributação indireta nas principais economias industriais.
Mas a melhora do ambiente tributário não se
restringe à reforma da tributação indireta. No fim de agosto, a Câmara votou o
requerimento de urgência do PL 1.087/25, que, se aprovado, pode significar um
avanço em matéria tributária. O PL propõe isentar a partir do exercício fiscal
de 2026 a cobrança do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) dos contribuintes
com renda inferior a R$ 5 mil. Em termos de salário mínimo (SM) para o ano de
2026, previsto no PLOA, de R$1.631, a isenção abrange pessoas cuja renda é de 3
SMs. Ademais, o PL reduz a alíquota do IRPF para trabalhadores com renda de
até R$ 7.350, ou o equivalente a 4,5 SMs.
O projeto, anunciado no fim de 2024, foi mal
recebido por alguns economistas. A principal crítica não contempla a isenção em
si, mas o seu impacto fiscal, que pode pôr a já elevada relação Dívida/PIB em
uma trajetória de descontrole. A crítica não é de todo infundada, pois o Brasil
realmente precisa lidar de forma mais rígida com o seu endividamento público.
Entretanto, não dá para desconsiderar o papel da política em se buscar
alternativas para a estabilização fiscal.
Além disso, o PL promete ser neutro do ponto
de vista fiscal, já que a desoneração dos grupos de renda inferior a 4,5 SMs
deverá ser compensada pela implementação de uma alíquota de no máximo 10% para
pessoas com rendimentos superiores a R$ 600 mil, considerando todos os
rendimentos recebidos, inclusive lucros e dividendos. Ademais, ao substituir
impostos de famílias de baixa renda para pessoas de alta renda, o governo eleva
não só a renda corrente, mas também a renda permanente de famílias com elevada
propensão a consumir. Ao fazer isso, o PL pode desencadear um novo ciclo
expansionista da atividade, inclusive com impactos transbordando para o longo
prazo.
Voltando ao trecho inicial, os autores estão
debruçados sobre uma das questões mais essenciais em finanças públicas: o que é
uma tributação justa? Devido ao elevado grau de subjetividade que a definição
de justiça tributária possa ter, o debate econômico cada vez mais empirista se
esvazia da discussão. Mas Richard e Peggy Musgrave o enfrentam a partir de dois
princípios: o primeiro é o do benefício — ou seja, a justiça tributária é feita
quando o pagamento está em linha com o benefício; o segundo está ancorado na
capacidade de pagamento.
Tomando o segundo princípio como base, ele
sustenta que indivíduos com mesma renda devem pagar o mesmo imposto e que
pessoas com renda diferente devem pagar impostos diferentes. Pelas regras
atuais, trabalhadores com rendas mensais um pouco superiores a 2 SMs pagam
IRPF, enquanto muitos indivíduos com rendas centenas de vezes maiores pagam
relativamente menos (ou nada). Isso faz a carga tributária brasileira
demasiadamente regressiva. O PL em trâmite no Congresso não torna a tributação
da renda progressiva — para que isso pudesse acontecer, os mais ricos deveriam
pagar alíquotas proporcionalmente maiores —, mas é inequívoco que o PL atenua a
regressividade, sendo um passo para a construção de um sistema tributário mais
equitativo.
O fato é que a conjunção da reforma
tributária dos impostos indiretos que passa a vigorar gradualmente a partir do
ano que vem e dessa minirreforma da renda aproxima o país dos bons princípios
de tributação.
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