Valor Econômico
Ministro aproveitou uma fala de encerramento para afirmar que aquele julgamento “não é tirania”, usando o mesmo termo empregado por Tarcísio
Nos primeiros minutos de seu voto, o ministro
Flávio Dino, o segundo a se pronunciar no julgamento da tentativa de golpe de
Estado, advertiu que não haveria em sua decisão “nenhum tipo de recado,
mensagem, backlash” porque iria se ater ao “exame estrito daquilo que está nos
autos”.
Apesar dessa observação, em dois momentos de sua manifestação, Dino acabou enviando recados, alguns velados, outros mais evidentes, endereçados ao Congresso, aos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, e ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Lembre-se que no ato pró-anistia na Avenida
Paulista, nesse domingo (7), Tarcísio trocou o figurino de moderado pelo estilo
radical de Bolsonaro, e bradou, em tom de desafio, que “ninguém aguenta mais a
tirania de um ministro como [Alexandre de] Moraes”. No mesmo dia, veio a reação
do ministro Gilmar Mendes, afirmando que “o Brasil não aguenta mais tentativas
de golpe”.
Dino, por sua vez, aproveitou uma fala de
encerramento, já fora da leitura do voto, para também reagir, embora sem citar
Tarcísio. Ao rechaçar os ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), Dino
ressaltou que aquele julgamento “não é tirania”, usando o mesmo termo empregado
por Tarcísio. “Isso não é ativismo judicial, isso não é tirania, não é
ditadura, é a afirmação da democracia”, exclamou, em afirmação que foi
interpretada como resposta velada ao governador.
O primeiro recado de Dino, entretanto, veio
na forma de um dos fundamentos do voto, devidamente revestido pelo verniz
técnico da doutrina e da jurisprudência. Em determinado trecho da decisão, ao
discorrer sobre os crimes na forma tentada, como a tentativa de abolição
violenta do Estado Democrático de Direito, ora imputados aos réus, o ministro
salientou que não são passíveis de anistia.
“Esses tipos penais são insuscetíveis de
anistia, de modo inequívoco”, ressaltou o ministro. Ele reconheceu que o Brasil
já passou por muitas anistias, mas argumentou que essa forma de perdão não
beneficiou os altos escalões do poder. “Nunca a anistia se prestou a uma
espécie de autoanistia de quem exercia o poder dominante”, sublinhou.
Ao destacar que na história brasileira os
episódios de concessão de anistia ou indulto não tiveram como alvo o titular do
poder, Dino faz referência, nas entrelinhas, ao ex-presidente Jair Bolsonaro e
aos seus aliados no Congresso. Com o julgamento em curso, e o temor da
condenação à prisão, o ex-mandatário intensificou a pressão nas últimas semanas
para que seus aliados aprovem no Congresso um projeto de lei estabelecendo
anistia ampla e irrestrita a todos os acusados de envolvimento na trama
golpista e nos atos violentos de 8 de janeiro. Na hipótese específica do
ex-presidente, segundo Dino, seria a primeira “autoanistia” da história
brasileira.
O ministro acendeu um sinal amarelo para o
Congresso ao advertir que é farta a jurisprudência na Corte de que os crimes
contra o Estado Democrático de Direito não admitem anistia porque são uma das
cláusulas pétreas da Constituição Federal. Enumerou votos de vários integrantes
da Corte nesse sentido. De Alexandre de Moraes: “é uma limitação constitucional
implícita a concessão de indulto contra crimes atentatórios ao Estado
Democrático”. De Luiz Fux: “crime contra o Estado Democrático de Direito é um
crime político e impassível de anistia, porquanto o Estado Democrático de
Direito é uma cláusula pétrea que nem mesmo o Congresso Nacional por emenda
pode suprimir”.
Ao fim, mencionou que colecionou votos de
“todos os colegas”, ou seja, de quase todo o plenário, alertando deputados e
senadores que a maioria do STF tende a julgar inconstitucional o projeto de lei
que venha a anistiar Bolsonaro e os demais réus da trama golpista. Mesmo assim,
a palavra de ordem nas bancadas do PL e do Centrão é elevar a pressão sobre o
presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para nomear um relator e
levar a matéria à pauta do plenário.
A manifestação de encerramento, que não faz
parte do voto, foi um recado em alto e bom som. Foram palavras de defesa aos
colegas de Corte e ao STF em si, e até mesmo um apelo por compreensão ao papel
que estão exercendo. “Que haja críticas ao Supremo, não há dúvida, nós
crescemos com elas, desde que sejam críticas que não visem exterminar o
Supremo”, ponderou.
Nesse ponto, o ministro rechaçou críticas que
visem a “estigmatizar seus jogadores ou suas famílias”, alertando que isso não
é leal. Ele fazia referência a episódios, ao longo do processo, em que
ministros da Corte, bem como seus familiares, tornaram-se alvo de ameaças e
agressões nas plataformas digitais, e até mesmo na rua. Na semana passada, o
próprio Dino foi alvo de uma passageira que o xingou e tentou agredi-lo em um
voo do Maranhão para Brasília. “Não há razão para acreditar que o Supremo é
composto por juízes que querem praticar vingança ou serem ditadores, porque não
é a tradição do Supremo”, frisou.
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