sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Momento decisivo para a direita liberal. Por Sergio Fausto

O Estado de S. Paulo

A democracia brasileira precisa de uma direita liberal inequivocamente democrática

Há quem alimente a expectativa de que, condenado Bolsonaro, a direita democrática ressurja com autonomia em relação ao ex-presidente. Tomara, mas os fatos até aqui não apontam nessa direção.

Razões para marcar com clareza a diferença com o bolsonarismo jamais faltaram. Faltou, sim, coragem. Nem sempre foi assim. No passado, liberaisconservadores assumiram riscos que a prudência convencional não recomendava. Em 1968, Djalma Marinho, deputado federal pela Arena, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, se recusou a colocar em votação a autorização para que Márcio Moreira Alves, deputado federal do MDB, fosse cassado pelos militares. Marinho – não o neto, hoje líder da oposição no Senado, mas o avô – arriscou seu futuro político. Não evitou a decretação do AI-5, mas ganhou a autoridade moral que distingue as grandes figuras públicas.

Nenhum dos quatro governadores de direita que postulam a condição de substituto de Bolsonaro parece ser feito desse material. São políticos adaptativos, que se movem por cálculos eleitorais de curto prazo. Nada de surpreendente, no panorama geral da política brasileira. Mesmo o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que tem estofo e trajetória suficientes para se colocar um degrau acima, prefere adotar pose não “beliscosa”, neologismo recém-criado por seu insuperável colega Romeu Zema, governador de Minas Gerais. A rigor, a questão não é ser ou não belicoso, mas, sim, minimamente congruente: quem se diz democrata não pode prometer indulto a quem tramou para subverter a democracia.

O conservadorismo liberal hoje no Brasil opera segundo uma premissa falaciosa: Lula seria pior que Bolsonaro, no máximo igual a ele, o que serve de justificativa para a proximidade com o ex-presidente com vistas a derrotar o atual. Quem se diz democrata não pode sustentar essa premissa. Nunca fui petista ou lulista, mas os fatos desmontam a falácia: Lula sempre se submeteu ao resultado nas várias eleições que perdeu (uma para o governo de São Paulo e três para a Presidência da República); jamais buscou fazer das Forças Armadas um instrumento para se perpetuar no poder; respeitou o limite de uma reeleição consecutiva, quando tinha apoio suficiente para emendar a Constituição e eleger-se pela terceira vez consecutiva; nunca instigou potência estrangeira a prejudicar o Brasil para salvar a própria pele.

Sei que o argumento para não romper com Bolsonaro é racional. Faz sentido não brigar com um líder que comanda um partido digital de alto teor destrutivo e forte influência sobre o voto de pelo menos 20% do eleitorado. A mesma racionalidade, porém, leva à conclusão de que o custo da servidão ao bolsonarismo é crescente. Financiado pelo pai e estimulado por acólitos da extrema direita, Eduardo Bolsonaro prestou um favor a Lula. Ao que tudo indica, seu exílio voluntário nos Estados Unidos entrará para os anais como um dos maiores erros políticos da história brasileira dos últimos 40 anos.

O filho 03 do ex-presidente parece disposto a levar sua aventura às últimas consequências. Continua a instigar a escalada do ataque estadunidense à soberania nacional para alcançar um de dois objetivos: uma anistia, arrancada a fórceps, que permita ao pai concorrer à Presidência em 2026, hipótese improvável, que significaria fazer vistas grossas à trama golpista capitaneada por Bolsonaro, concedendo ampla, geral e irrestrita impunidade a ele e seus liderados; ou uma intervenção estrangeira no processo eleitoral para distorcê-lo ou deslegitimá-lo. Tanto um como outro objetivo representam a continuação da tentativa de golpe de Estado frustrada anteriormente.

Desgastada pela associação com o regime autoritário, a direita no Brasil levou mais de 30 anos para ser competitiva nas eleições presidenciais pelo voto direto. Entre 1985 e 2018, salvo pela eleição e breve presidência de Collor, ela foi ator coadjuvante nas disputas pelo Palácio do Planalto.

Em 2019, chegou à Presidência em democracia, sob o comando de um mau ex-militar, notório agitador de quartéis, e parlamentar do baixo clero, inexpressivo em tudo, exceto pela linguagem chula e agressiva na defesa da ditadura e de torturadores.

Bolsonaro deu à direita o que até então lhe faltara: votos numa eleição que é essencialmente plebiscitária. Mas submeteu-a a uma chantagem. Por pensar e agir exclusivamente como chefe absoluto de um clã familiar que não leva em consideração a não ser os seus próprios interesses, ameaça castigar quem não se submeta aos seus desejos e desígnios. Sabendo-se irremediavelmente condenado pelos crimes que cometeu, só lhe interessa agora salvar a si mesmo, não importa o preço para o País nem para o futuro da direita no pós-Bolsonaro.

A democracia brasileira precisa de uma direita liberal inequivocamente democrática. Ela vive agora um momento decisivo, que a marcará pelo futuro previsível. Terá a coragem necessária para romper com o bolsonarismo e se erguer à altura dessa oportunidade histórica?

 

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