sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Tarcísio e a quadratura do círculo. Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Anistia a Bolsonaro defendida por governador paulista representaria suicídio institucional, que não pode ser aceito por democratas

Por séculos, matemáticos tentaram encontrar uma solução para o problema da quadratura do círculo (produzir, só com régua e compasso, um quadrado de área igual à de um círculo dado) sem saber que isso não era possível.

Em 1882, Ferdinand von Lindemann demonstrou a transcendentalidade do número Pi (π) provando que a tarefa é impossível —o que não impediu aventureiros de continuar tentando.

Tarcísio de Freitas está em busca de uma quadratura do círculo. Para tornar-se o principal candidato presidencial da direita, precisa passar para o segundo turno. E ele calcula que não conseguiria fazê-lo se recebesse o veto da família Bolsonaro. Foi por isso que passou a trabalhar ativamente por uma anistia para o ex-presidente.

O problema é que, se chegar ao segundo turno, ele precisará, para triunfar no que promete ser um pleito apertado, do apoio de eleitores moderados, que muito corretamente ficam horrorizados com a perspectiva de votar em alguém que passa a mão na cabeça de golpistas. Sem saída fácil, Tarcísio parece ter optado por lidar com a questão em modo ordinal: tratar primeiro dos problemas que vêm antes. E o primeiro turno vem antes do segundo.

Tarcísio deve imaginar que, se driblar a linha dura bolsonarista agora, terá tempo para depois reverter danos de imagem. Se a anistia sair, ele até evitaria o problema futuro de, em plena campanha, ter de renovar sua promessa de indulto a Bolsonaro, com o que atrairia para si com toda força a rejeição ao capitão reformado.

Há, contudo, uma, digamos, transcendentalidade que Tarcísio e centenas de parlamentares do centrão parecem não considerar. Não dá para servir ao mesmo tempo às forças da institucionalidade e da anti-institucionalidade. Se a democracia sofre um ataque como o que sofreu e todo mundo finge que não aconteceu nada, é questão de tempo até que venha o próximo ataque.

A anistia a Bolsonaro e à cúpula do golpe seria uma espécie de suicídio institucional, que políticos que prosperam na democracia deveriam rejeitar axiomaticamente.

 

 

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