sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Direita troca agenda pelo #FreeBolsonaro. Por Vera Magalhães

O Globo

Campanha pela anistia tira de Tarcísio a aura de político moderado, seu principal ativo junto a amplo espectro de setores econômicos

A direita e a extrema direita resolveram abdicar da defesa de qualquer agenda para o país em nome de uma campanha em tempo integral pela liberdade de Jair Bolsonaro. Governadores, deputados e senadores trocaram a cobrança por ajuste fiscal e corte de gastos ou a defesa do liberalismo econômico por conchavos na calada da noite por uma anistia que não é desejo da maioria do eleitorado.

Isso certamente terá um preço, ainda mais no momento em que o governo Lula encaixa o discurso de defesa da soberania e dos interesses do povo brasileiro, por mais justiça social e tributária, com a promessa — aliás, atrasada justamente pelas negociações pró-anistia — de menos impostos para quem ganha menos.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, caiu direitinho na arapuca armada para ele por Bolsonaro e pelo filho Eduardo. Montou acampamento em Brasília para ser o porta-voz da família junto ao comando da Câmara. Isso tira dele a aura de político moderado, seu principal ativo junto a amplo espectro de setores econômicos.

A agenda pelas madrugadas da capital federal torna pouco crível o discurso que ele vinha entoando até agora, segundo o qual não pretende ser candidato a presidente. Também tira força do contraponto que vinha buscando fazer entre sua gestão e a de Lula. Afinal, se sua prioridade é fazer reuniões sobre os interesses exclusivos de Bolsonaro em plena quarta-feira, onde ficam as muitas e complexas demandas do estado mais rico do país?

Pior: se a anistia geral não passar, seja porque Davi Alcolumbre conseguirá barrá-la ou porque o Supremo Tribunal Federal a derrubará, Tarcísio ficará associado a uma campanha que, além de ter sido contrária aos interesses da maioria da população e afrontosa ao Poder Judiciário, foi malsucedida. Desgaste demais a troco de absolutamente nada.

Enquanto grande parte dos simpatizantes de uma candidatura de direita espera por saídas para o tarifaço, imposto justamente por obra e graça da família Bolsonaro, em vez de empreender esforços nesse sentido, a bancada e os governadores-candidatos gastam tempo em palanques de manifestações quase semanais em prol de um perdão indefensável diante dos gravíssimos ataques à democracia revelados nos processos do 8 de Janeiro e da trama golpista.

Arthur Lira, relator do projeto de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, está mais dedicado a segurar seus indicados na máquina federal enquanto a federação União-PP faz um desembarque fake do governo e a comandar a tentativa de salve geral para a turma de Bolsonaro.

Hugo Motta, seu sucessor e eterno pupilo, não consegue fazer a pauta da Câmara avançar, pois semana atrás de semana surgem da incubadora do consórcio entre Centrão e PL um ou vários projetos voltados unicamente a livrar a pele dos políticos.

Enquanto a direita patina nesse lodaçal bolsonarista, o governo inunda a TV com a nova campanha publicitária em tom ufanista e nacionalista, cheia de menções nada veladas ao tarifaço, martelando as realizações de Lula voltadas aos mais pobres.

Estava difícil o governo se recuperar do misto de cansaço com a imagem de Lula e falta de ideias e projetos novos. Também não havia sinais de que entenderia a necessidade de cortar gastos de forma consistente. Com isso, se desenhava uma eleição com o presidente em maus lençóis.

Foi quando a operação #FreeBolsonaro atropelou qualquer agenda da direita e deu ao petista a maior chance nos últimos dois anos de retomar o diálogo com o centro (que votou nele meio a contragosto justamente pelos extremismos de Bolsonaro).

Tem mais: os “batalhadores”, aqueles que demonstravam aversão ao governo e simpatia pela narrativa do empreendedorismo, também têm tudo para torcer o nariz quando ficar claro que o obstáculo a que paguem menos imposto não é o PT, mas quem até outro dia dizia estar do seu lado.

 

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