O Globo
Campanha pela anistia tira de Tarcísio a aura
de político moderado, seu principal ativo junto a amplo espectro de setores
econômicos
A direita e a extrema direita resolveram
abdicar da defesa de qualquer agenda para o país em nome de uma campanha em
tempo integral pela liberdade de Jair Bolsonaro. Governadores, deputados e
senadores trocaram a cobrança por ajuste fiscal e corte de gastos ou a defesa
do liberalismo econômico por conchavos na calada da noite por uma anistia que
não é desejo da maioria do eleitorado.
Isso certamente terá um preço, ainda mais no
momento em que o governo Lula encaixa o discurso de defesa da soberania e dos
interesses do povo brasileiro, por mais justiça social e tributária, com a
promessa — aliás, atrasada justamente pelas negociações pró-anistia — de menos
impostos para quem ganha menos.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, caiu direitinho na arapuca armada para ele por Bolsonaro e pelo filho Eduardo. Montou acampamento em Brasília para ser o porta-voz da família junto ao comando da Câmara. Isso tira dele a aura de político moderado, seu principal ativo junto a amplo espectro de setores econômicos.
A agenda pelas madrugadas da capital federal
torna pouco crível o discurso que ele vinha entoando até agora, segundo o qual
não pretende ser candidato a presidente. Também tira força do contraponto que
vinha buscando fazer entre sua gestão e a de Lula. Afinal, se sua prioridade é
fazer reuniões sobre os interesses exclusivos de Bolsonaro em plena
quarta-feira, onde ficam as muitas e complexas demandas do estado mais rico do
país?
Pior: se a anistia
geral não passar, seja porque Davi Alcolumbre conseguirá barrá-la ou
porque o Supremo Tribunal Federal a derrubará, Tarcísio ficará associado a uma
campanha que, além de ter sido contrária aos interesses da maioria da população
e afrontosa ao Poder Judiciário, foi malsucedida. Desgaste demais a troco de
absolutamente nada.
Enquanto grande parte dos simpatizantes de
uma candidatura de direita espera por saídas para o tarifaço, imposto
justamente por obra e graça da família Bolsonaro, em vez de empreender esforços
nesse sentido, a bancada e os governadores-candidatos gastam tempo em palanques
de manifestações quase semanais em prol de um perdão indefensável diante dos
gravíssimos ataques à democracia revelados nos processos do 8 de Janeiro e da
trama golpista.
Arthur Lira, relator do projeto de isenção do
Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, está mais dedicado a segurar
seus indicados na máquina federal enquanto a federação União-PP faz um
desembarque fake do governo e a comandar a tentativa de salve geral para a
turma de Bolsonaro.
Hugo Motta, seu sucessor e eterno pupilo, não
consegue fazer a pauta da Câmara avançar, pois semana atrás de semana surgem da
incubadora do consórcio entre Centrão e PL um ou vários projetos voltados
unicamente a livrar a pele dos políticos.
Enquanto a direita patina nesse lodaçal
bolsonarista, o governo inunda a TV com a nova campanha publicitária em tom
ufanista e nacionalista, cheia de menções nada veladas ao tarifaço, martelando
as realizações de Lula voltadas aos mais pobres.
Estava difícil o governo se recuperar do
misto de cansaço com a imagem de Lula e falta de ideias e projetos novos.
Também não havia sinais de que entenderia a necessidade de cortar gastos de
forma consistente. Com isso, se desenhava uma eleição com o presidente em maus
lençóis.
Foi quando a operação #FreeBolsonaro atropelou
qualquer agenda da direita e deu ao petista a maior chance nos últimos dois
anos de retomar o diálogo com o centro (que votou nele meio a contragosto
justamente pelos extremismos de Bolsonaro).
Tem mais: os “batalhadores”, aqueles que
demonstravam aversão ao governo e simpatia pela narrativa do empreendedorismo,
também têm tudo para torcer o nariz quando ficar claro que o obstáculo a que
paguem menos imposto não é o PT, mas quem até outro dia dizia estar do seu
lado.
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