sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Em atenção aos fichas-sujas. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Parlamentares aproveitaram a distração com o golpe para golpear o coração da Lei da Ficha Limpa

Foi só o noticiário se voltar para o julgamento da trama golpista que o Congresso mostrou que não é exagero qualificar determinados episódios ocorridos ali como frutos da atuação de vivaldinos.

Enquanto as atenções estavam concentradas no relato do ministro Alexandre de Moraes, a exposição da peça acusatória da Procuradoria-Geral da República e as manifestações das defesas dos réus no Supremo Tribunal Federal, ali ao lado, no edifício das leis, era disparado um tirambaço na Lei da Ficha Limpa.

Os congressistas aproveitaram o momento também para turbinar o tema da anistia a fim de criar um fato para dividir espaço com o julgamento. No mesmo dia, tornaram urgente projeto que lhes permite intervir na autonomia do Banco Central.

Antes disso, já haviam se valido de leitura marota sobre decisão do STF para aprovar o aumento do número de deputados e, dias depois, tentado interditar a abertura de ações contra deputados e senadores com a chamada PEC da Blindagem.

Não conseguiram porque se enrolaram nas próprias pernas e, divididos, não puderam enfrentar a péssima repercussão. Mas voltarão à carga. Assim como voltaram no caso da Ficha Limpa.

O afrouxamento que atinge o cerne da regra, pois reduz ao mínimo a inelegibilidade dos fichas-sujas, estava há tempos aprovado na Câmara, aguardando a oportunidade de passar pelo Senado. Em fevereiro deste ano houve uma tentativa, seguida de recuo por reação da opinião pública.

Rejeição do mesmo público que, em 2010, conseguiu por meio de 1,6 milhão de assinaturas e muita pressão que o Congresso aprovasse por unanimidade a interdição prolongada de candidaturas de políticos em dívida com a Justiça. O esperto presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), viu na distração nacional a chance de aprovar a redução da pena para uma eleição, se tanto. Na palavra dele, tratou-se de "modernizar" a lei.

Na única interpretação possível, pintou-se a regra com as tintas do atraso, jogando no lixo uma demanda popular.

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