Folha de S. Paulo
Polêmica surgida em julgamento de nazistas
ecoa até hoje nas guerras culturais
"East-West Street", de Philippe
Sands, me foi recomendado por uma amiga querida. Comprei, mas o deixei na pilha
de livros a ler, que cresce em ritmo mais assustador que o preço
da cenoura. A guerra na Ucrânia me fez voltar à pilha e enfrentar a obra.
Não me arrependi.
Sands é especialista em direito
internacional. Anos atrás, foi convidado a dar uma palestra na Universidade de
Lviv, na Ucrânia. Aceitou, por razões profissionais e pessoais. Lviv, que já se
chamou Lwów (nome polonês), L’vov (russo) e Lemberg (alemão), é onde seu avô
materno, Leon Buchholz, nascera.
O livro é a história dessa viagem e das investigações que se seguiram. Pesquisando sobre a cidade, Sands encontrou outras coincidências. Na região de Lviv, que "mudou de país" oito vezes entre 1914 e 1944, também nasceu e estudou Hersch Lauterpacht. E ali estudou, mas não nasceu, Rafael Lemkin.
Lauterpacht e Lemkin eram advogados. Não
eram amigos nem inimigos. Provavelmente nunca se encontraram, embora
conhecessem os escritos um do outro. Estavam do mesmo lado, já que eram judeus,
que perderam a maior parte da família no Holocausto, e participaram dos
esforços para responsabilizar os nazistas, no Tribunal
de Nuremberg.
Mas foi ali que eles "se enfrentaram". Lemkin criou o conceito de
genocídio, no qual queria enquadrar os nazistas. Lauterpacht não gostava nem um
pouco desse tipo penal, que via como pouco prático (é difícil provar a intenção
de exterminar um grupo) e politicamente perigoso. Desenvolveu o conceito de
crimes contra a humanidade (que trata de indivíduos, sem lidar com a ideia de
grupo). O problema ecoa até hoje nas guerras culturais, aparecendo nas divisões
entre identitaristas e universalistas.
Sands costura maravilhosamente bem as
biografias desses e de outros personagens, incluindo a do nazista Hans Frank,
com a revelação de segredos de família e reflexões sobre filosofia do direito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário