EDITORIAIS
Janela para meta climática ambiciosa está
se fechando
O Globo
Olhando para o ano de 2100, temos a opção
de ver a situação piorar pouco (1,5 °C), muito (entre 1,5 °C e 2 °C) ou demais
(acima de 2 °C). O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas das Nações Unidas (IPCC), publicado na semana passada, estima que
ainda dá para atingir o objetivo mais ambicioso, mas não há tempo a perder. Na
ausência de uma queda drástica e rápida, perderemos já no final desta década a
chance de chegar a 2100 com elevação média de 1,5 °C na temperatura, diz o
estudo feito por 278 cientistas de 195 países.
Atingir essa meta exigiria que o mundo
concordasse em cortar 43% dos poluentes até 2030 e em zerar as emissões de CO2
em 2050. Usinas elétricas movidas a carvão ou de gás deveriam fechar ou adotar
a captura e o estoque de carbono. Deixar para zerar as emissões nos primeiros
anos da década de 2070 significará concordar com uma alta média na temperatura
global de 2 °C em 2100, o equivalente a descumprir o Acordo de Paris.
O relatório do IPCC reconhece que avanços vêm sendo feitos. O custo das tecnologias de fontes limpas de energia diminui ano a ano. Desde 2010, o preço de painéis solares e baterias para carros elétricos caiu mais de 80%. Turbinas usadas para produzir energia eólica também baratearam. Mas o ritmo de adesão às novas tecnologias ainda tem sido insuficiente.
Entre 2011 e 2020, governos e empresas
investiram a cada dois anos uma média de US$ 632 bilhões em energia limpa.
Estima-se que seria necessário no mínimo triplicar esse valor para garantir uma
elevação de temperatura de 2°C. Limitar o aquecimento a 1,5 °C exigiria
aumentar o patamar atual de investimento em 590%. O estudo do IPCC também
ressalta a necessidade de remover o dióxido de carbono da atmosfera, com o
plantio de árvores e a adoção de tecnologias de captura. Por isso mesmo é
preocupante que o Brasil continue a quebrar recordes de desmatamento (neste
ano, registrou o pior primeiro trimestre da série histórica).
O debate sobre aquecimento global
geralmente leva governos, setor privado e indivíduos a fugir de suas
responsabilidades. Muitos países divulgam metas agressivas, outros nem metas
ambiciosas têm (o Brasil, demonstrando estar alheio à realidade do planeta,
tornou oficial sua “pedalada climática”, alterando a base sobre a qual calcula
a promessa de redução de emissões). Muitas empresas não passam do greenwashing
(outras nem adotam políticas cosméticas). Muitas pessoas continuam com um
estilo de vida do século XX (os mais abastados não investem em energia solar e
continuam a andar de avião como se fosse movido por eletricidade de fonte renovável).
Mantida essa situação, o destino inexorável
será o caos climático. Para reduzir o ritmo de aquecimento do planeta, todas as
esferas da vida terão de passar por transformações. A mudança de atitude tem de
acontecer logo.
Futuro da Europa está em jogo na disputa de
Macron pela reeleição
O Globo
As eleições presidenciais francesas
marcadas para hoje prometem emoção, sobretudo se o resultado confirmar para
daqui a duas semanas o segundo turno entre o presidente Emmanuel Macron e
Marine Le Pen, a líder do partido nacionalista de extrema direita Reunião
Nacional. A vitória de Macron representaria a continuidade dos avanços que ele
tem implementado. Se os eleitores decidirem colocar Marine no Palácio do Eliseu
pelos próximos cinco anos, as consequências serão dramáticas não apenas para a
França, mas para a Europa e para todo o planeta. Por ora, as pesquisas dão
Macron na frente, mas a distância entre os dois, em torno de cinco pontos
percentuais, tem caído.
O histórico de Macron é positivo interna e
externamente. Quando assumiu, em 2017, ninguém achava viável a meta de baixar o
desemprego para 7% (a taxa estava nos dois dígitos desde 2014). Com uma reforma
trabalhista, o índice caiu aos atuais 7,4%. Na pandemia, Macron arriscou e
acertou. Um terço dos franceses não acreditava que vacinas eram seguras. Ao
implantar os passaportes vacinais, Macron garantiu imunização de 78,24% da
população, nível superior ao da Alemanha. Com isso, a retomada da economia
francesa foi mais rápida.
No front externo, Macron vem falando há
anos sobre a necessidade de a União Europeia (UE) aumentar os gastos militares
e a coesão entre suas Forças Armadas. Em 2017, defendeu a “autonomia
estratégica” da Europa. A invasão da Ucrânia lhe deu razão. Antes de os tanques
russos entrarem em marcha, Macron foi a Moscou encontrar Vladimir Putin para
tentar uma saída diplomática. O esforço foi em vão, mas mostrou quem era o
líder europeu de maior estatura naquele momento em que o continente se via
órfão da liderança de décadas da alemã Angela Merkel.
Se reeleito, Macron promete mais mudanças.
Numa França com expectativa de vida de 82 anos, quer aumentar a idade de
aposentadoria de 62 para 65 anos. Entre os países da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas Itália e Grécia gastam um
percentual maior do PIB com Previdência. Embora justa, é uma medida obviamente
impopular. Marine, numa atitude populista, fala em manter o limite atual e até
em reduzi-lo a 60 anos para quem começou a trabalhar antes dos 20. Ela tem sido
habilidosa ao concentrar sua campanha na inflação e ao reforçar a percepção
popular de que Macron é elitista e arrogante.
O populismo na Previdência seria um dos menores males de um eventual governo Marine. São conhecidas sua visão eurocética, sua postura contra imigrantes (em especial muçulmanos), seu revisionismo do papel francês na Segunda Guerra e suas ligações com Putin. Sua ascensão certamente encorajaria a extrema direita noutros países. A França, a Europa e o mundo ficariam melhores com a vitória de Macron.
De roubos e robôs
Folha de S. Paulo
Além da tragédia na educação, MEC concentra
escândalos no governo Bolsonaro
É falácia flagrante a propaganda de que
Jair Bolsonaro (PL) acabou com a roubalheira no governo, e o Ministério da
Educação está aí para dar indícios seguidos disso. Computadores, pastores,
ônibus, robótica —não faltam escândalos a sugerir que a corrupção passa longe
da erradicação prometida.
Nunca se esclareceu, a começar, quem
encomendou a licitação de 2019, primeiro ano de Bolsonaro, para a compra de
computadores no valor de R$ 3 bilhões. Em boa hora abortada, vez que a uma
única escola de 255 alunos seriam alocados 30 mil equipamentos.
No foco de suspeita estava o Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE), vinculado ao MEC. Sob o comando do
centrão, o fundo volta à berlinda com a aquisição de centenas
de kits de robótica para localidades alagoanas por R$ 26 milhões. O odor de
negociata a emanar da transação é forte.
Antes de mais nada, o preço, tudo indica
superfaturado. Os melhores similares no mercado não chegam a R$ 10 mil; o FNDE
paga R$ 14 mil por unidade, conforme reportagem publicada pela Folha.
Em seguida vem o privilégio implícito a
Alagoas. De R$ 39 milhões do fundo destinados em 2021 à rubrica equipamentos e
mobiliário (na qual se enquadram os kits), R$ 31 milhões (79%) terminaram
carreados ao estado nordestino.
Não há de ser coincidência desmotivada que
Alagoas seja também origem do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), prócer
do centrão que mercadeja as chamadas emendas do relator ao Orçamento. Não
bastasse, a empresa contemplada, Megalic, pertence ao pai do vereador de Maceió
João Catunda, aliado de Lira.
Este jornal visitou algumas escolas e
constatou a precariedade usual da educação pública: paredes descascadas,
banheiros sem água, salas de aula insuficientes para todas as séries —além de
prédios inacabados por força de verbas do FNDE que não chegam. Faltam até
computadores, sem os quais kits de robótica ficarão ociosos.
Apenas dois dias antes da provável fraude
vir à tona o Tribunal de Contas da União havia suspendido licitação bilionária
do MEC para adquirir 3.850 ônibus com aparente sobrepreço, caso revelado pelo
jornal O Estado de S. Paulo. Dez dias antes, cumpre recordar, o
ministro Milton Ribeiro perdera o cargo por condicionar verbas à intermediação
de pastores.
Em mais uma inverdade, o presidente alega
ter identificado e suspendido falcatruas iminentes, quando em realidade as
evitadas só o foram após apuração da imprensa. Fato incontestável: em seu
governo o MEC capturado por ideólogos se tornou também antro de negócios
nebulosos, todos patrocinando a tragédia educacional.
Suprema insignificância
Folha de S. Paulo
Dinheiro público é desperdiçado com casos
de furtos que chegam às altas cortes
Condenação a quatro meses de reclusão pelo
furto de um pedaço de bacon e um creme facial em um supermercado de Joinville
(SC); prisão de um morador de rua pela tentativa de furto de dois sacos de lixo
em Ibaté (SP); detenção de desempregada de 19 anos que furtou duas peças de
queijo no valor de cerca de R$ 40 em Minas Gerais.
Esses são alguns dos milhares de casos de
delitos não violentos envolvendo comida e itens de necessidade, como produtos
de higiene pessoal, que chegaram às mais altas cortes do Judiciário brasileiro,
o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça.
No
STF, foram de 3.100 processos do gênero desde 2010; no STJ, desde
2008, tramitaram 2.255.
Trata-se de litígios em que há a aplicação
do chamado princípio de insignificância, ou de bagatela. Em razão da lesividade
da conduta ser mínima e não haver dano efetivo ou potencial ao patrimônio da
vítima, casos como esses deveriam ter sido solucionados na primeira instância
ou nem sequer ter chegado a atrair a atenção da lei penal.
Em vez disso, o elevado número de casos nas
duas altas cortes revela que autoridades policiais, judiciais e do Ministério
Público das instâncias inferiores continuam a desperdiçar dinheiro do
contribuinte —imagina-se que valores muito superiores ao do objeto do crime—
para processar e condenar pessoas por bagatelas.
Não são exemplos apenas de punitivismo
judicial. Nesses episódios, os juízes deixam de aplicar as diretrizes
jurisprudenciais. Entre os critérios objetivos estabelecidos pelo STF e pelo
STJ estão, além da baixa ofensividade e do pequeno dano, a ausência de
periculosidade social da conduta e o reduzidíssimo grau de reprovabilidade.
Dados de habeas corpus concedidos durante a
pandemia mostram que mesmo o STF tem resistido a pressões para soltar presos
acusados de crimes não violentos, aqui considerados não somente os furtos insignificantes.
No STJ, também há casos problemáticos.
Em outubro de 2021, a ministra Rosa Weber,
do Supremo, reverteu deliberação do STJ que negou habeas corpus a um homem que
havia furtado arroz no valor de R$ 61,35.
Acrescente-se que, dado o agravamento do desemprego e da pobreza nos últimos anos, é plausível que tenha havido aumento considerável dos crimes famélicos. É situação em que a compaixão e a racionalidade indicam uma mesma conduta aos tribunais.
Como a Federação protege o País
O Estado de S. Paulo
Sem a atuação de governadores e prefeitos, os efeitos da pandemia seriam muito mais drásticos. A Federação impediu que o País ficasse à mercê de Bolsonaro
Desde o primeiro semestre de 2020, o
presidente Jair Bolsonaro responsabiliza governadores e prefeitos pelas
consequências sociais e econômicas da pandemia. No dia 2 de abril, ao ser
questionado em Brasília por uma pessoa desempregada, o presidente voltou a usar
a tática. “Quem tirou teu emprego não fui eu. Eu não fechei nada, nenhum
botequim. Quem fechou foi o governador”, disse.
A desculpa bolsonarista revela, em primeiro
lugar, um profundo desconhecimento sobre o que é a Federação. A existência dos
três níveis federativos – União, Estados e municípios – não autoriza o governo
federal a não fazer nada. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF),
assegurando, no início da pandemia, o poder de governadores e prefeitos para
editar medidas de proteção sanitária, reconheceu a competência comum das três
esferas federativas a respeito da saúde pública, tal como prevista no art. 23
da Constituição.
Em nenhum momento, o Supremo disse que o
governo federal podia ficar alheio à pandemia. A decisão do STF apenas preservou
as atribuições constitucionais de cada esfera federativa, lembrando que o poder
estatal não está concentrado no governo federal e que, portanto, o Palácio do
Planalto não podia impor seu negacionismo às administrações estaduais e
municipais.
Ao contrário do que o presidente e seus
fanáticos seguidores querem fazer parecer, foi a atuação dos outros entes
federativos – dos Estados e municípios –, com pleno respaldo na Constituição,
que permitiu que o País enfrentasse as dramáticas circunstâncias sanitárias,
sociais e econômicas dos últimos dois anos. Nunca é demais lembrar que, se
dependesse de Jair Bolsonaro, que sempre minimizou a gravidade da covid – era
apenas uma “gripezinha”, usada pela oposição para desestabilizar seu governo –,
não haveria vacina nem orientação para uso de máscaras. Ou seja, caso a única
esfera de poder público fosse aquela regida por Bolsonaro, o número de mortes
teria sido muito maior e não existiria agora a menor possibilidade de retomada
da economia ou de qualquer outra atividade.
Esse quadro mostra que a realidade
federativa não é, como às vezes equivocadamente se pensa, um elemento
complicador da atuação estatal. Ao distribuir o poder em três níveis, a
Federação tem um profundo caráter democrático, aproximando o cidadão dos órgãos
decisórios. Também possibilita maior eficiência do poder público. Com a
existência de Estados e municípios, a atuação estatal pode respeitar as
especificidades de cada realidade local e atender às suas concretas
necessidades.
Na desculpa de Bolsonaro, observa-se ainda
uma confusão sobre o funcionamento da sociedade e da própria economia. Não há
atividade econômica possível se uma doença mortal, transmissível por vírus,
contamina massivamente a população e, enquanto isso, o poder público
simplesmente cruza os braços.
Não é por acaso que a maior oposição a Jair
Bolsonaro durante a pandemia não veio do PT ou de algum político de esquerda, e
sim do governo do Estado de São Paulo. Com um trabalho constante para reduzir
os danos da covid – de forma muito especial, os esforços para disponibilizar, o
mais rápido possível, a vacina para a população –, a administração estadual
paulista mostrou, com fatos, a possibilidade de o poder público enfrentar, de
forma responsável e efetiva, a pandemia. São Paulo mostrou que havia outros
caminhos além das omissões e confusões do governo federal.
Tem-se, assim, o exato oposto do que diz
Bolsonaro. Não fosse a Federação, fornecendo os meios para que a população não
ficasse inteiramente à mercê do Palácio do Planalto durante a pandemia, a
situação seria hoje muito mais grave.
Com seu desgoverno e seu negacionismo, Jair
Bolsonaro evidencia, por contraste, a importância da descentralização do poder.
A União não manda sozinha. Há outros entes federativos, com suas respectivas
competências – e isso é uma proteção para o País. Afinal, a democracia é um
regime de poderes limitados.
Ao luto, a covid juntou mais pobreza
O Estado de S. Paulo
Estudo mostra que grande parte das vítimas no País era de pessoas em idade de trabalhar, razão pela qual as famílias perderam uma renda anual de R$ 16,5 bilhões
A expressiva queda do número de brasileiros
mortos por dia em consequência da covid-19 alimenta uma sensação de alívio e
tende a estimular a percepção de que as coisas voltam ao normal. Mas o fato de
que diariamente centenas de brasileiros ainda morrem por causa da pandemia
mostra um quadro muito longe da normalidade. E o fato de que a covid-19 já
provocou a morte de mais de 650 mil pessoas no País não pode nos deixar
esquecer da imensidade da dor de familiares e amigos das vítimas.
A essa dor, soma-se a perda material que
muitas famílias tiveram e que terá implicações por muitos anos. Boa parte das
pessoas mortas pela covid-19 estava em idade de trabalhar e respondia por
parcela expressiva da renda familiar. Em um ano, a renda que deixou de ser
obtida por causa da morte de um ou mais membros causada pela covid-19 é de R$
16,5 bilhões, como
mostrou reportagem do Estadão (31/3). É
dinheiro que faltou para o sustento dessas famílias e para impulsionar a
economia. A perda terá consequências duradouras. Quando, para essas famílias, a
normalidade estará de volta, mesmo que a pandemia seja contida?
Graças à vacinação e às medidas de proteção
adotadas pela grande maioria da população, o número de mortes pela covid-19
teve redução notável. Em abril do ano passado houve registros de mais de 4 mil
mortes por dia; agora, a média móvel de vidas perdidas por dia está abaixo de
300. Apesar da redução, o número é muito alto e está longe de representar uma
situação normal. A pandemia ainda mata – e muito.
O impacto dessas mortes na renda foi medido
pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) com
base em dados do IBGE sobre rendimento médio mensal por sexo e nível de
instrução, combinados com o número de pessoas com 20 anos de idade ou mais
mortas pela covid-19 entre março de 2020, quando a pandemia chegou ao Brasil, e
março deste ano. Segundo o estudo, a massa de rendimentos médios mensais que
deixou de ser paga na faixa de 20 a 69 anos de idade alcançou R$ 754,3 milhões.
Na faixa acima dos 70 anos, a perda mensal foi de R$ 617 milhões e em um ano,
de R$ 7,4 bilhões. A soma das perdas nas duas faixas etárias é de R$ 16,5
bilhões.
O estudo também estima quanto essas vítimas
da covid-19 poderiam acrescentar à renda familiar durante o período ativo caso
não tivessem sua vida interrompida pela pandemia. Considerando idade média ao
morrer, expectativa média de vida e rendimento médio obtido na época da morte,
a conclusão é que as pessoas com idade entre 20 e 69 anos mortas pela covid
teriam capacidade para acrescentar até R$ 286 bilhões à renda familiar se não
tivessem perecido em razão da doença.
A perda de renda que a morte dessas pessoas
causou é o efeito direto mais visível da pandemia sobre a situação material de
suas famílias. Mas há outro, observado pelo coordenador do Núcleo de Contas
Nacionais do Ibre/FGV, Claudio Considera. Além de sua capacidade de trabalho,
essas pessoas transmitiam conhecimentos para as gerações seguintes. “Quantas
pessoas deixaram de fazer seus trabalhos e deixaram de transmitir suas
experiências?”, pergunta Considera.
Quanto à situação socioeconômica das
vítimas da pandemia, há outro aspecto cruel. Em São Paulo, as famílias mais
vulneráveis, moradoras de regiões com menos serviços urbanos, e os negros estão
entre as principais vítimas da pandemia, de acordo com levantamento do
Instituto Pólis, que estuda o impacto das políticas públicas. Há uma
sobreposição de vulnerabilidades em determinadas áreas da cidade de São Paulo,
diz a coordenadora-geral do Instituto, Danielle Klintowitz. Nessas áreas,
juntam-se as piores condições de renda, as piores condições de moradia (maior
número de pessoas por domicílio) e a maior concentração de negros.
A persistência de um número ainda alto de
mortes por covid é consequência do atraso no início da vacinação e de seu
boicote por bom tempo pelo presidente Jair Bolsonaro, que defendia o uso de
medicamentos comprovadamente ineficazes para combater a doença.
Guedes, especialista em promessas
O Estado de S. Paulo
Ministro promete que, num segundo mandato
de Bolsonaro, fará tudo o que prometeu, e não entregou, no primeiro como se,
após mais de três anos no cargo em que fez muito pouco ou quase nada do que
prometera, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tivesse desistido de continuar
pouco fazendo e decidido empurrar tudo para o ano que vem. Em pronunciamentos
recentes, Guedes passou a dizer que as mudanças de que o País necessita, e que
não andaram no atual governo, serão feitas no novo mandato presidencial. Até
lá, em vez da reforma tributária, temos a concessão de benefícios permitidos
por ganhos de arrecadação, em grande parte decorrentes da inflação – além de
palavras e novas promessas.
Reforma do Estado para reduzir seu peso
sobre a sociedade, reforma do sistema de imposto para modernizá-lo e torná-lo
menos disfuncional, reforma administrativa para assegurar maior eficiência do
serviço público, tudo isso ficou no discurso.
Da anunciada transferência de ativos da
União para o setor privado, que poderia render até R$ 1 trilhão para o Tesouro
Nacional em um ano, o governo só conseguiu vender uma estatal. A privatização
dos Correios, antes uma prioridade absoluta, foi para a gaveta.
A carga tributária do ano passado – de
33,9% do PIB, a maior em pelo menos 12 anos – parece ser o símbolo irônico de
um governo que prometia reduzir o tamanho do Estado. A reforma tributária não passou
de propostas de pequenos remendos e até da recriação da perniciosa CPMF, nem
assim avançou.
Para poder dizer que está reduzindo
impostos mesmo sem a reforma tributária – pela qual nunca se empenhou
verdadeiramente –, o ministro da Economia tem anunciado cortes de alguns
tributos, como o IPI e o Imposto de Renda. Já falou, muito tardiamente, em
corrigir a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, agora promete reduzir o
Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, além de dar isenção desse tributo para estrangeiros
que investirem no mercado de capitais brasileiro. Como a reforma tributária,
algumas dessas mudanças, segundo Guedes, devem ficar para o ano que vem.
A iniciativa mais promissora de mudança do
sistema de tributos, a PEC 110, agradava a parte do segmento empresarial, mas
enfrentava forte resistência do setor de serviços. O adiamento da votação da
proposta na Comissão de Constituição e Justiça do Senado é sinal de dificuldade
para sua aprovação final.
Segue-se, assim, no caso dos tributos, o
caminho que a chamada reforma administrativa trilhou. O relator do projeto na
Câmara, Arthur Maia (União Brasil-BA), disse não ver possibilidades de o texto
ser aprovado pelo plenário antes da eleição. Por mexer em direitos dos
servidores, é um projeto que não será aprovado sem empenho do Executivo. Ficará
para o ano que vem.
Pode ser que avancem a privatização da
Eletrobras, se obtiver a tempo a aprovação do Tribunal de Contas da União, e
algumas outras mudanças. O balanço final do governo, mesmo assim, será pobre.
Guedes parece conformado.
“Com Bolsonaro reeleito e o Congresso mais
reformista, espera-se que as reformas acelerem”, disse o ministro há dias.
Talvez ainda haja quem acredite nele.
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