Blog do Noblat / Metrópoles
Há momentos que o PT e o candidato Lula
parecem falar para espelhos dentro de bolhas isoladas
Difícil, mas possível, explicar porque o
eleitor poderá reeleger um presidente responsável por parte dos 660.000 mortos
pelo covid, que ameaça dar golpe militar, elogia tortura, tem um governo com
corrupção nos Ministérios da Saúde e da Educação, promove a destruição de
nossas florestas, envergonha o Brasil no exterior, não controla a inflação, tem
sido rodeado de milicianos… É possível, e a culpa não está no eleitor, ele
apenas tem de escolher em qual votar no segundo turno, ou não votar em qualquer
dos dois.
Apesar do lamentável balanço de seu desempenho,
Bolsonaro tem dois aliados: o PT ainda hesita em falar para fora dos seus
apoiadores tradicionais e os “nem-nem” cujas acusações depredam a imagem do
Lula e do PT.
Sem Lula, Bolsonaro não será derrotado, mas sozinho ele não vence a eleição, precisa que os democratas não-petistas subam no seu palanque, para uma vitória no primeiro turno ou para apoiá-lo no segundo. Mas os discursos antipetistas e antilula há meses e os que serão feitos ao longo do primeiro turno tendem a inviabilizar apoio ao Lula. Os discursos “nem-nem” se transformarão em votos nulos, elegendo Bolsonaro.
Para dificultar a situação, os “nem-nens”
são empurrados para longe do Lula e do PT, não apenas por preconceitos (ou
conceitos) vindos do passado, mas também por falas do ex-presidente que às
vezes esquece que é candidato em uma eleição difícil. O Lula assusta eleitores
não petistas quando fala em revogar reformas, no lugar de dizer como pode
aperfeiçoar a reforma trabalhista, a reforma do ensino médio e a PEC do Teto de
Gastos. No lugar do horror a privatização, precisa dizer como fará o Estado
servir ao Povo. Assusta também e serve à propaganda de Bolsonaro, quando se
assume porta-voz de bandeiras específicas de grupos sindicais, feministas, no
lugar de ser porta-voz dos direitos gerais, sem se assumir de um grupo em
choque com outros.
Há momentos que o PT e o candidato Lula
parecem falar para espelhos dentro de bolhas isoladas, sem levar em conta as
mudanças nas últimas décadas: na geopolítica, nas tecnologias, nas percepções
dos limites ecológicos ao crescimento, na mudança da pirâmide demográfica, no
esgotamento do Estado, na irreversível abertura da economia e da sociedade ao
mundo global. E também na importância da educação de base como o vetor do
progresso. O PT e Lula precisam entender que o mundo mudou desde meados dos
anos 80, quando o PT foi fundado, com o Muro de Berlim em pé, antes da
inteligência artificial, da microinformática e da internet. Precisam perceber
também que, na política, não há mais bolhas isoladas: a fala de agrado a um
grupo, entre paredes fechadas, se espalha para todas as demais bolhas, gerando
sorrisos de alegria entre os que estão em frente e ranger de dentes nos que
estão ao lado. Diferente de 2002 e 2006, o discurso do Lula em cada grupo não espera
para ser divulgado, intermediado por jornalistas: agora ele aparece, simultanea
e universalmente.
Se compararmos os dois governos e
respectivas personalidades, parece ilógico e impossível Bolsonaro ter mais
votos do que Lula. Mas a impossibilidade fica lógica se somarmos os votos do
atual presidente aos votos nulos indizidos pelo antipetismo dos “nem-nem” e
pelas falas de Lula e PT para dentro de suas bolhas setoriais, corporativas,
identitárias, ideológicas.
Não adianta colocar Alckmin na frente do espelho,
é preciso romper a bolha e falar para o Brasil e para o futuro, sem nostalgias
nem sectarismos. O PT e Lula precisam ler o alerta do Senador Randolfe, neste
mesmo jornal Metrópoles, ao dizer que Lula precisa ser plural, como aliás ele
tende a ser pessoalmente. E deu provas durante seus dois governos. Caso
contrário, pode perder a eleição, inexplicavelmente, para Bolsonaro. Precisam
entender que esta derrota será do Braisl, não apenas do Lula e do PT, portanto,
a vitória deve ser de todo o Brasil e não apenas dele e do PT. Até porque
dificilmente vencerão e certamente não governarão dentro da bolha e falando
para o espelho.
*Cristovam Buarque foi senador, governador e
ministro
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