O Estado de S. Paulo
Entre os aspectos a analisar no pique da
inflação de março está o que os economistas chamam de conflito distributivo.
É o megajogo de empurra que toma corpo na
economia quando empresas e pessoas físicas tentam se compensar da inflação por
meio de reajustes de preços para cima e adiamento de novas compras.
Quase ninguém esperava em março uma
inflação tão alta, de 1,62% – a maior no mês de março desde 1994. Em 12 meses
foi para 11,3%. Bastou a divulgação para o mercado revisar e elevar as
projeções do IPCA para este ano e o seguinte.
Nesse conflito distributivo sempre alguns podem mais e outros menos. Em geral, quem mais perde são os assalariados e os que vivem de bico.
Qualquer um nota esse fenômeno defensivo
diante da falta de justificativas para os reajustes. É o caso da manicure ou do
encanador que passam a cobrar bem mais pelos seus préstimos “porque a gasolina
subiu 10%”. E não adianta argumentar que, nesses e em outros serviços, é baixo
o impacto do aumento dos combustíveis.
Do ponto de vista técnico, esse processo
defensivo fica mais claro quando se leva em conta que o índice de difusão do
custo de vida vem aumentando. Desde o fim de 2021, a alta alcança cerca de 70%
dos itens que compõem a cesta de consumo. Em fevereiro foi para 75% e, em
março, para 76%.
Nessa fase da inflação, o Banco Central,
cuja função mais importante é defender a moeda contra a erosão inflacionária,
faz o que pode, mas pode relativamente pouco. Não consegue derrubar a inflação
produzida por disparada de custos (caso da alta dos combustíveis e dos
alimentos), mas pode atuar sobre o conflito distributivo. Quando puxa pelos
juros, ou seja, quando retira moeda da economia, encarece o crédito e dificulta
a demanda por mercadorias e serviços. Se o poder aquisitivo caiu pela inflação,
as vendas de carros caem, como está acontecendo. As montadoras acusam que, em
março, o encalhe de veículos novos em seus pátios alcançava 125,5 mil unidades.
Se a manicure puxa seus preços, o cliente pode espaçar o tempo entre uma visita
e outra.
O que poderia conter mais a inflação seria
a baixa persistente dos preços internacionais do petróleo casada com a baixa,
também persistente, das cotações da moeda estrangeira. Mas isso depende de mais
coisas.
Como juros mais altos internamente trazem
mais dólares e ajudam a derrubar o câmbio, também por essa razão se pode
esperar agora uma estocada ainda maior dos juros básicos (Selic), hoje em
11,75% ao ano. O Banco Central prometeu que os levaria a 12,75%. Mas pode ir
além, talvez para 13,75% ou para 14,0% ao ano.
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