O Globo / Folha de S. Paulo
Toda vez que a política brasileira é
envenenada pela satanização desse assunto, uma coisa é certa: alguém chegou
perto de um Curupira e está sem rumo
O Curupira é um garoto de cabelos vermelhos
com os pés voltados para trás. Vive no mato, e quem se aproxima dele perde a
noção de rumo. Há um Brasil enfeitiçado pelo Curupira, e ele se mostrou com as
reações a uma fala de Lula sobre o aborto.
O ex-presidente disse o seguinte:
“Aqui no Brasil não faz (aborto) porque é
proibido, quando, na verdade, deveria ser transformado numa questão de saúde
pública, e todo mundo ter direito e não ter vergonha. Eu não quero ter um
filho, eu vou cuidar de não ter meu filho, vou discutir com meu parceiro. O que
não dá é a lei exigir que ela precisa cuidar”.
Lula já se manifestou dezenas de vezes
pessoalmente contra o aborto. Sua fala foi noutra direção, a do reconhecimento
de que é um direito da mulher decidir interromper uma gravidez. Toda vez que a
política brasileira é envenenada pela satanização desse assunto, uma coisa é
certa: alguém chegou perto de um Curupira e está sem rumo.
O direito constitucional de as mulheres decidirem interromper a gravidez foi reconhecido pela Corte Suprema dos Estados Unidos em 1973. A decisão foi explicada no voto do juiz Harry Blackmun (republicano) e até hoje divide o país. Nações de maioria cristã como Itália, França, Argentina, Chile, Uruguai, Portugal e Espanha deram esse direito às mulheres; muita gente continua contra, mas os países não se dividiram. O que se discute é o direito. Só aborta quem quer, respeitando algumas limitações.
Em 1990, o jurista americano Laurence Tribe
publicou um livro definitivo, cujo título dizia tudo: “Abortion, the clash of
absolutes“ (“Aborto, o choque de absolutos”). Para ele, o nó da questão estava
no choque de duas ideias, “o direito de um feto à vida e o direito de a mulher
decidir o seu próprio destino”. Tribe mostrou que qualquer outra discussão é
secundária e nenhum lado pode provar que tem razão. Esse é o debate civilizado.
No Brasil, o Curupira envenena-o.
Oito anos depois da decisão da Corte
americana o Brasil viu no filme “Pixote” o aborto de Marília Pêra com uma
agulha de tricô. Hoje, o aborto se tornou uma questão de saúde pública pelos
casos parecidos com os de “Pixote” e pelo progresso da medicina. Em 1973, o
mesmo ano da decisão da Corte americana, surgiram pílulas abortíferas que hoje
são vendidas nos camelódromos de cidades brasileiras. Estima-se que as
internações anuais de mulheres por causa de complicações decorrentes do uso
dessas drogas passam da casa dos 250 mil.
É disso que se trata, pois o fármaco
abortífero é usado como anticoncepcional de última instância. Às vezes, ele causa
infertilidade, infecções, sangramentos e, em alguns casos, mata.
Nunca será demais repetir o ensinamento de
Mário Henrique Simonsen: o problema mais difícil do mundo, bem enunciado, um
dia será resolvido. O problema mais fácil do mundo, mal enunciado, jamais será
resolvido.
Curupira é amigo de Arthur Lira
O repórter Paulo Saldaña esteve em sete
cidades do interior de Alagoas. Sem querer, percorreu uma trilha aberta pelo
Curupira, o garoto da mata que tem os pés voltados para trás. Saldaña visitou
escolas que receberam kits de robótica, mandados pelo benevolente Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE. Custaram R$ 26 milhões. No
percurso, passou por obras inacabadas de duas creches.
Para Canapi, cidade que ganhou fama no
século passado por ser domínio dos Malta, família da então mulher do presidente
Fernando Collor de Melo, seguiram 330 kits. Lá, uma das escolas não tinha água
encanada, e metade das 35 unidades do município não tem internet. Nos tempos de
Collor às vezes faltava água, e ela ia em carros-pipa. A piscina de Joãozinho
Malta bebia 20 carros-pipa.
O kit de robótica contém um carrinho com
luzes e sensores que medem a temperatura do ambiente. Na escola João Lemos
Ribeiro, na zona rural de Maravilha, onde não há internet, o calor é tamanho
que provoca a suspensão das aulas.
Curupira tem os pés virados para trás.
Seguindo-se seu rastro se perde tempo indo em direção ao atraso. Os kits de
robótica vão para cidades que têm creches inacabadas e escolas sem água
encanada, mas não fazem mal a ninguém. Não é bem assim.
Cada kit foi comprado pelo FNDE por R$ 14
mil. A prefeitura de São Paulo comprou 1.634 em 2017 e pagou R$ 2,2 mil por
cada um da marca Dual. A de Leme (SP) pagará R$ 4,6 mil. Os kits da Lego,
considerados os melhores, saem por menos de R$ 10 mil. Os equipamentos mandados
às prefeituras alagoanas foram vendidos pela empresa Megalic, que não os
fabrica, mas é de Alagoas.
A Megalic tem como sócio Edmundo Catunda,
pai de João Catunda, vereador em Maceió. Cinco repórteres da Agência de
Jornalismo Investigativo Pública mostraram com textos e fotos as ligações do
deputado Arthur Lira com a família Catunda. Num post, João Catunda se orgulhou
por destravar, com a ajuda de Lira, “obras e projetos de ensino” junto ao FNDE.
Não mencionou a empresa do pai, mas deixa para lá. Noutra postagem, de
novembro, foi claro: “Três coisas que vocês devem saber sobre a vinda do FNDE a
Alagoas. É uma coisa feita pelo Ministério da Educação a pedido do Arthur Lira
e João Catunda.”
Fica assim registrado o reconhecimento a
Arthur Lira e a João Catunda pela chegada do FNDE a Alagoas com seus kits de
robótica.
Vale lembrar também da maledicência dos
romanos contra o rei dos hunos:
“Por onde Atila passa, a grama não volta a
crescer”.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e viu que quatro
caciques de União Brasil, MDB, Cidadania e PSDB se reuniram para anunciar que
até 18 de maio apresentarão um candidato de consenso para a terceira via.
O que o cretino não entende é que o PSDB
esteja nessa geringonça. Pela sua lembrança, os tucanos fizeram uma prévia, e
ela foi vencida por João Doria.
É verdade que ele tem ambição de sete
dígitos e nas pesquisas ainda não conseguiu o segundo. Mesmo assim, o
grão-tucanato poderia explicar por que seu candidato não fica de pé.
Qual PT?
O comissariado petista começou a desconfiar
que a vitória no primeiro turno foi um sonho afogado pelas águas de março.
Resta saber qual PT pretende ganhar a
Presidência no segundo turno.
Até hoje, o comissariado não procurou
entender por que, em 2018, 57,8 milhões de brasileiros elegeram Jair Bolsonaro
com dez milhões de votos de diferença sobre seu candidato.
Má ideia
O ministro Kassio Nunes Marques teve uma má
ideia ao encrencar com sua colega Cármen Lúcia.
Ela aprende, mas não esquece.
A caverna do FNDE
Depois dos dez mil laptops de Itabirito em
2019, dos kits escolares em 2020, das bíblias dos pastores das sombras, do leilão
dos ônibus escolares, dos carros de R$ 250 mil e R$ 300 mil para dois de seus
diretores e dos seus negócios em Alagoas, resta imaginar qual será a próxima
novidade vinda do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
Quem acertar ganha uma visita à caverna de Ali Babá e seus 40 amigos.
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