O Globo
Na reta final da eleição de 2010, José
Serra apelou ao fantasma do aborto para tentar roubar votos de Dilma Rousseff.
Em desvantagem nas pesquisas, o tucano insinuou que a adversária liberaria a
interrupção da gravidez. “Ela é a favor de matar as criancinhas”, acusou sua
mulher, em caminhada na Baixada Fluminense.
A baixaria foi levada ao horário eleitoral.
Serra se apresentou como um político que “sempre condenou o aborto e defendeu a
vida”. Para sensibilizar o eleitorado religioso, sua propaganda exibiu imagens
de gestantes vestidas de branco. O tucano fez pose de coroinha e prometeu
governar com “princípios cristãos”.
Passados 12 anos, o tema volta a ser usado
como arma eleitoral. De olho no voto evangélico, Jair Bolsonaro acusa Lula de
estimular o aborto. “Para ele, abortar uma criança e extrair um dente é a mesma
coisa”, atacou, na quinta-feira.
O ex-presidente tem tropeçado na língua. Há poucos dias, sugeriu que sindicalistas fossem até a casa de deputados para “incomodar a tranquilidade” deles. Uma ideia inconsequente em tempos de radicalização política.
No caso do aborto, Lula é vítima de
distorção eleitoreira. O petista não banalizou a interrupção da gravidez.
Limitou-se a dizer que a prática deveria ser tratada como uma questão de saúde
pública. “Mulheres pobres morrem tentando fazer aborto, porque o aborto é
proibido, é ilegal”, argumentou.
Atacado pelo bolsonarismo, o ex-presidente tentou
se explicar. “A única coisa que deixei de falar é que eu sou contra o aborto.
Tenho cinco filhos, oito netos e uma bisneta”, justificou-se, dois dias depois.
Ele repetiu o argumento da saúde pública, mas passou a ideia de que recuou para
não perder votos.
A mistura de fé e política impede um debate
honesto sobre o tema. Enquanto países vizinhos descriminalizam o aborto, o
Brasil se nega a mexer no Código Penal de 1940, que pune com cadeia a mulher
que interrompe a gravidez. A lei só autoriza a prática em caso de estupro,
risco de morte ou feto anencéfalo.
A proibição nunca impediu a prática. Seu
único efeito é aumentar o sofrimento e o risco à saúde da gestante. Em 2019, o
SUS registrou mais de 500 internações diárias por complicações decorrentes de abortos
clandestinos.
Além de rebaixar o debate eleitoral, a
pregação antiaborto costuma carregar fortes tintas de hipocrisia. Em 2010, a
Folha de S.Paulo noticiou que a mulher de Serra já havia relatado um caso em
primeira pessoa. O tucano se irritou com a reportagem, mas não desmentiu seu
conteúdo. Depois do episódio, o tema sumiu discretamente da propaganda de TV.
Bolsonaro também parece ter mudado de
opinião com fins eleitorais. Em ao menos duas entrevistas antigas, ele afirmou
que a decisão sobre o aborto deveria ser da mulher. Seu novo discurso é tão
honesto quanto certos pastores que o apoiam.
A escolta de Freixo
O governo do Rio cortou a remuneração de
três policiais civis que integram a escolta de Marcelo Freixo. A poucos meses
da eleição, os agentes foram transferidos à revelia. Na mudança, perderam
gratificações de R$ 1.500 mensais.
No fim de 2021, o Estado já havia ameaçado
retirar parte da escolta de Freixo. O deputado tem proteção policial desde a
CPI das Milícias. Em outubro, vai enfrentar o governador Cláudio Castro,
apoiado por alvos notórios da investigação.
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