O Globo
Está na hora de o presidente deixar de lado
seu mundo ideal dos anos 1970
A semana que passou foi de seguidas más
notícias para o meio ambiente. A estrutura do Ministério do
Meio Ambiente foi desmontada (e o governo não se moveu para
preservá-la), uma decisão técnica do Ibama contrária à exploração de petróleo
na Bacia da Foz do Rio Amazonas foi
criticada por Lula,
e o governo decidiu que implementará mesmo uma política de subsídios para o
carro “popular”. Por trás dos três episódios, o mesmo velho modelo de
desenvolvimento industrial dos anos 1970, que vê a preservação ambiental como
óbice para a prosperidade econômica.
A visão de mundo de Lula parece amparada em sua experiência como trabalhador industrial. O ideal que Lula deixa transparecer nos discursos é que o Brasil se transforme numa democracia social em que o trabalhador médio tenha casa própria e um carro popular — mais ou menos como ele tinha quando era um jovem operário na Grande São Paulo dos anos 1970.
Muita coisa mudou no mundo, porém, desde
que Lula deixou de ser operário. Descobrimos que as emissões de gases de efeito
estufa estão aquecendo o planeta e que, se não as reduzirmos, a vida na Terra
será muito difícil. Lula, que começou as negociações do Acordo de Paris, sabe
bem disso, mas não parece ter atualizado seus ideais sociais para torná-los
compatíveis com o aquecimento global.
O subsídio à indústria automobilística para
produzir carros “populares” não faz nenhum sentido do ponto de vista
urbanístico e ambiental, mas também faz pouco sentido do ponto de vista
econômico.
No Rio de Janeiro e em São Paulo, o
trabalhador gasta em média mais de sete horas por semana se deslocando de casa
para o trabalho. As políticas municipais urbanas se esforçam para reduzir o
trânsito, retirando carros particulares das vias e deslocando os usuários para
meios de transporte coletivo como ônibus, trens ou metrôs. Em São Paulo, maior
cidade do país, todo dia de semana um rodízio de veículos tira de circulação
20% da frota, desde 1997. Faz sentido as políticas municipais incentivarem o
transporte coletivo e a política federal incentivar a compra de mais carros? É
a antipolítica pública.
Coisa semelhante acontece com o meio
ambiente. Transportes respondem hoje por cerca de 10% das emissões de carbono
no país. As duas principais medidas para reduzir as emissões no setor são
ampliar o uso de transporte público e eletrificar a frota. É verdade que o
carro “popular” que o governo quer subsidiar rodará apenas com etanol, menos
poluente que gasolina. Mas a redução das emissões pelo uso exclusivo do etanol
pode ser compensada pela ampliação da frota e pelo desestímulo ao transporte
público, a depender do incentivo.
Por fim, o carro “popular” de Lula, que
deverá custar por volta de R$ 60 mil, não será propriamente popular. Setenta
por cento da nossa força de trabalho ganha dois salários mínimos mensais ou
menos. O subsídio seguramente será aproveitado apenas pela parte de cima da
nossa pirâmide social, tendo efeitos regressivos — do ponto de vista
distributivo, não ajudará o pobre.
Uma política que subsidia o consumo dos
mais ricos, que não ajuda claramente a reduzir as emissões de CO2 e que é
prejudicial à vida nas cidades serve então para quê? Está na hora de o
presidente deixar de lado seu mundo ideal dos anos 1970 e olhar as cidades
brasileiras de 2023, onde os trabalhadores ganham menos de R$ 3 mil, o
deslocamento de casa para o trabalho pode tomar duas horas diárias ou mais, e o
aquecimento global ameaça inundar as cidades costeiras. Precisamos de menos
subsídio para carros e de mais investimento em ônibus e metrôs.
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