Folha de S. Paulo
Avanços tecnológicos exigem que
recalibremos nossas crenças
A mentira precede
a linguagem humana. Basta olhar para fenômenos biológicos como o mimetismo e a
camuflagem para concluir que o engodo é parte indissociável da natureza. E,
embora o logro nos assombre desde sempre, nossos cérebros operam como se as
informações que obtemos em nossas interações com outros humanos fossem
verdadeiras. Os psicólogos chamam essa tendência de viés de verdade.
São duas as razões principais pelas quais o viés de verdade se estabeleceu. Nossos semelhantes de fato nos municiam com mais declarações verdadeiras do que falsas (ou a linguagem seria inútil e nem existiria), e duvidar de tudo, à maneira de Descartes, teria um custo cognitivo proibitivo. Lidamos com o problema das inverdades assumindo os discursos alheios como em princípio corretos, mas nos reservando o direito de desconfiar quando há elementos para isso.
Os sinais amarelos vêm em vários tamanhos e
formatos. Pessoas que já mentiram para nós se tornam automaticamente suspeitas.
As mal faladas, idem (a fofoca tem valor adaptativo). Se a história contada é
muito mirabolante, os circuitos da dúvida também são acionados. E por aí vai. É
tudo uma questão de calibragem entre o viés de verdade e as razões legítimas de
desconfiança.
Avanços
tecnológicos tornam necessária a recalibragem dos parâmetros.
Até aqui, imagens despertavam menos desconfiança do que palavras, porque
falsificá-las era relativamente difícil. Não mais. Com os chamados "deepfakes",
não podemos mais assumir fotografias e vídeos como mais críveis que discursos.
O mesmo vale para vozes.
Até as apostas exigem ajustes. Dada a multiplicação
dos sites e dos eventos apostáveis, tornou-se prudente desconfiar de
tudo o que envolva a agência humana. Se você é do tipo que insiste numa
fezinha, prefira loterias numéricas auditadas a condutas que dependam da ação
de um só ou de poucos indivíduos. São os tempos modernos em que vivemos.
Um comentário:
Verdade-Verdadeira.
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