O Globo
O pacote automotivo anunciado pela metade e às pressas pelo governo Lula na quinta-feira criou uma incerteza fiscal no momento errado. Coube ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ontem, enfatizar em entrevista à GloboNews que o programa é temporário e terá duração de “poucos meses”. Ainda assim, a medida é inoportuna. As falas de Roberto Campos Neto esta semana e o dado positivo do IPCA-15 de abril foram vistos pelo mercado financeiro como a abertura de uma enorme fresta para o início do corte de juros na reunião do Copom de agosto. Isso se refletiu na curva de juros, ou seja, na compra e venda de papéis pelos investidores nas mesas de negociação dos bancos. O mercado passou a “precificar” em mais de 50% a chance de o BC iniciar a redução da Selic daqui a três meses. Tudo que a autoridade monetária não precisava era de uma conta em aberto de gastos para incentivar o setor automotivo.
Os economistas Felipe Salto, da Warren
Rena, e Gabriel de Barros, da Ryo Asset, especialistas em contas públicas, foram
taxativos quando questionados sobre o impacto fiscal do programa de incentivo
aos carros. Por ora, é impossível fazer os cálculos, porque ninguém sabe os
detalhes da medida, como os percentuais de queda de cada tributo, os prazos de
duração e tipos de veículos que serão contemplados. Haddad, por sua vez, quando
questionado se custaria R$ 8 bilhões, disse que não seria “um quarto desse
valor”. Em economia, o nome disso é incerteza, uma das palavras que os
empresários e investidores menos gostam de ouvir.
O programa é equivocado pelo impacto
ambiental de se estimular a compra de veículos que consomem combustíveis
fósseis, quando o mundo tenta reduzir as emissões de gases de efeito estufa, e
o governo poderia utilizar os mesmos recursos para estimular o transporte
público nas grandes cidades. Além disso, ainda que os automóveis tenham redução
de 11% nos preços, como prometeu o vice-presidente Geraldo Alckmin, nem de
longe eles se tornarão “populares”, já que o veículo mais barato ficaria acima
de R$ 50 mil, valor impensável para caber no bolso das famílias de baixa renda
ou até mesmo de renda média.
Haddad disse que a melhor política para a
venda de carros é a redução dos juros. Ele está certo, o que torna o programa
ainda mais sem sentido por parte do governo federal. A próxima reunião do Copom
será nos dias 20 e 21 de junho, ou seja, em menos de 30 dias. O melhor cenário
para o país é o Banco Central, nesse encontro, manter a Selic, mas indicar o
início de queda da Selic em agosto. É de se espantar que logo a pasta do
vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin elabore projetos para criar ruídos
na economia.
Volta à normalidade
O gráfico foi extraído do site do Fed de
Nova York e mostra que as cadeias de suprimento globais já estão normalizadas,
após a disrupção provocada pela pandemia. Isso deve ajudar a reduzir a inflação
de bens de consumo. Essa melhora já tem feito vários bancos revisarem para
baixo as projeções de inflação no mundo e também no Brasil. Por aqui, quem está
na ponta mais otimista do mercado é o banco UBS BB, que revisou para 5% a
estimativa para o IPCA deste ano e manteve em 3,5% a do ano que vem. Para se
ter uma ideia, o Focus prevê números bem mais altos, de 5,8% e 4,13%, nos dois
anos.
Dois riscos a menos
O economista-chefe do UBS BB, Alexandre de Ázara, diz que, além da melhora das cadeias de suprimento, o Brasil tirou da frente dois grandes riscos para a inflação que estavam incomodando o mercado. Primeiro, o governo Lula parou de falar em subir a meta de inflação. Segundo, a aprovação do arcabouço fiscal eliminou o risco de descontrole da dívida pública. “Acredito que outras casas também vão começar a reduzir as projeções de inflação do Brasil nas próximas semanas ”, afirmou. Ainda assim, ele aposta em queda da Taxa Selic somente na reunião de setembro.
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