Folha de S. Paulo
Ação pode ser ponto de inflexão narrativo na
retaliação do Estado judeu contra o terror do Hamas
Em 11 de abril de 1996, o governo trabalhista
de Israel
iniciou a Operação Vinhas da Ira, que visava desarmar o Hizbullah no
sul do Líbano.
Houve os usuais bombardeios, e a comunidade internacional acompanhava o
desenrolar dos fatos apreensiva, mas sem grande mobilização.
Sete dias depois, a artilharia
israelense acertou em
cheio uma base da Unifil, a missão da ONU que faz figuração no
sul do Líbano desde 1978, matando 106 refugiados da vila de Qana que buscavam
abrigo ali. O roteiro da guerra mudou.
A partir dali, correspondentes internacionais correram para o Líbano, e governos do Ocidente passaram a se movimentar para evitar a escalada do morticínio. Após mais nove dias, a pressão sobre Israel levou a mais um precário cessar-fogo na região.
As circunstâncias da guerra atual entre Tel
Aviv e o grupo terrorista Hamas são
completamente diferentes, a começar porque foi o brutal
ataque do governantes da Faixa de Gaza a
civis israelenses que disparou a crise.
Politicamente, contudo, o mortífero
ataque ao hospital Al Ahli, o maior de Gaza, eleva a pressão
sobre o governo de Binyamin Netanyahu acerca da proporcionalidade de sua
retaliação.
Pior ainda fica a situação do presidente
americano Joe Biden, que empenhou todo o peso militar dos EUA na defesa de
Israel ante a barbárie, para evitar
uma escalada regional, e marcou para esta quarta (18) uma
viagem ao Estado judeu seguida de uma visita a líderes árabes na Jordânia.
Por evidente, é preciso esperar as
confirmações sobre as circunstâncias da tragédia, que o Hamas diz ter matado ao
menos 500 pessoas. Israel imediatamente culpou uma barragem errática de
foguetes da Jihad Islâmica, o que pode ou não ser verdade, mas as imagens
sugerem um ataque vindo mais do alto.
De uma forma ou de outra, o episódio era
tristemente previsível: os 22 hospitais da capital de Gaza não cumpriram a
ordem israelense de evacuação para o sul do território, por motivos óbvios de
impossibilidade humana.
A Organização Mundial da Saúde condenou
fortemente Israel, que por sua vez afirma não sem motivo que o Hamas usa
os moradores de
Gaza como escudos humanos, infiltrando suas lideranças em locais
insuspeitos.
O Al Ahli havia divulgado que 35 mil pessoas
tinham procurado refúgio no prédio, o que si o tornaria insalubre para o
funcionamento como unidade médica. Pela quarta Convenção de Genebra (1949) e
pelo estatuto do Tribunal Penal Internacional, atacar hospitais é crime de
guerra, assim como deslocar populações.
Mas é são imputações dificílimas de serem
tipificadas, como sabem os promotores que percorrem a Ucrânia atrás de provas contra
as forças invasoras de Vladimir Putin.
No primeiro caso, a primeira resposta
israelense vai no sentido de jogar a culpa no inimigo. Uma alternativa no meio
caminho, não improvável, é que o lançamento de foguetes próximo ao hospital
existiu e um avião sobre a área retaliou imediatamente —errando o alvo. No
segundo, a ideia de
preservar os civis do pior por um corredor humanitário. Mas
isso fica para as apurações.
Politicamente, o impacto é alto de qualquer
forma. Israel goza, pela primeira vez em muitos anos de seus embates com os
palestinos, de um grau alto de simpatia em países antes refratários às suas
políticas, como na Europa. Nos EUA, pelo relacionamento histórico e a
importância da comunidade judaica, as visões sempre foram mais pró-Tel Aviv.
Os respingos do debate sobre a barbaridade
perpetrada pelo Hamas chegaram até
à polarização brasileira, grosso modo opondo uma esquerda mais
pró-Palestina ante
uma direita favorável a Israel.
O pêndulo da morte pode, com o ataque, se
mover no sentido da condenação da retaliação. Ele já vinha se mexendo, como
notou o jornal israelense Haaretz ao analisar as reações na imprensa francesa
sobre a crise, devido às imagens de civis sendo forçados a deixar suas casas e
sob intenso bombardeio.
Por ora, é insondável qual o impacto disso na
formulação da antecipada invasão terrestre de Gaza, um evento que será
sangrento por definição. E aí entra Biden, que
chegaria como um soldado disposto a defender seus aliados, já
que a briga deles é o microcosmo da disputa maior do Irã pela dominação
regional —essencialmente, uma empreitada antiamericana.
O próprio presidente já havia exortado
Netanyahu ao comedimento, e descartou
apoiar uma ocupação de Gaza. Resta saber se, ante a justa
comoção nacional israelense, ele irá pressionar pessoalmente o
primeiro-ministro a tirar o pé do acelerador.
A explosão do Al Ahli dificulta ainda mais
seu trabalho, mas o verdadeiro desafio será no encontro marcado com líderes do
Egito, Jordânia e Autoridade Nacional Palestina em Amã. Ali os dedos serão
acusadores.
Para o Hamas, que com seu ataque parece ter
feito a opção pelo caos para tentar regionalizar o conflito, a tragédia é um
prato cheio do ponto de vista de propaganda contra os adversários. As já duras
escaramuças entre Hizbullah e Israel tendem a aumentar, além de episódios
múltiplos de violência isolada, da Cisjordânia a Chicago.
Ato contínuo ao ataque ao hospital, multidões
foram para a capital palestina, Ramallah. As próximas horas, e dias, serão
centrais para definir a magnitude da inflexão que o Al Ahli promoverá na
guerra.
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