O Globo
Haveria possivelmente menor diferença nas
taxas de desemprego caso houvesse maior fluxo migratório interno, com os
indivíduos conseguindo mudar e se integrar facilmente à região da nova moradia
Confrontos sociais explícitos não são a marca
de nossa sociedade. No entanto, pecamos no quesito coesão social. Pouco sabemos
sobre a cultura e os costumes das diferentes partes do país. E o
desconhecimento alimenta o preconceito. Já o abismo social é um capítulo à
parte.
Vale recordar a História. O Brasil só conseguiu se firmar como nação — no sentido de contar com um grau de identidade nacional que permitisse a existência e a estabilidade do poder estatal — na década de 1930, e sob mão forte de uma ditadura. No Império e na Primeira República, houve vários movimentos regionais separatistas e de contestação do poder central, reprimidos com violência. Nesta jovem nação, a coesão social ainda está em construção.
A reduzida coesão talvez ajude a explicar a
pouca integração entre os estados por meio de fluxos migratórios, em busca de
trabalho, apesar das grandes disparidades nas taxas de desemprego entre os
estados. Superado o ciclo de urbanização e de maior fluxo até os anos 1970,
ocorreu nas últimas décadas um encolhimento da migração interna
proporcionalmente à população.
Vamos aos números. A taxa de desocupação no
Brasil ficou em 8,0% em junho, sendo 11,3% no Nordeste e 4,7% no Sul, para
citar os dois extremos. Há diferenças maiores entre os estados, mesmo quando
vizinhos. Por exemplo, na Bahia o desemprego está em 13,4% e em Minas Gerais,
5,8%.
Apenas 22% dos estados apresentam taxa de
desemprego próxima da média (1 ponto percentual de margem, para mais e para
menos), sendo a diferença entre as taxas máxima (Pernambuco, 14,2%) e mínima
(Rondônia, 2,4%) significativos 11,8 p.p..
Nos Estados Unidos, a dispersão é bem menor.
A maioria dos estados (60%) apresenta taxas que oscilam em torno da média de
3,8% (agosto). A diferença entre extremos (Maryland, 1,7%, e Nevada, 5,4%) é
modesta, de 3,7 p.p..
Padrão relativamente similar é encontrado na
Zona do Euro. As taxas de desemprego da maioria dos países (68%) oscilam em
torno da média, de 6,4% (agosto). A diferença entre a taxa máxima (Espanha,
11,6%) e a mínima (Malta, 2,5%) é de 9,1 p.p..
A disparidade do desemprego regional no
Brasil pode decorrer de muitos fatores. Como já discutido neste espaço, o dinamismo
da agropecuária tem importante papel, bem como as diferenças de capital humano
— seria necessária uma maior investigação sobre gestões que conseguiram
desenvolver melhor os talentos regionais. No entanto, haveria possivelmente
menor diferença nas taxas de desemprego caso houvesse maior fluxo migratório
interno, com os indivíduos conseguindo mudar e se integrar facilmente à região
da nova moradia.
Cabem políticas públicas no nível federal
para isso, reduzindo fricções no mercado de trabalho e investindo na formação
de mão de obra. Considerando o peso das políticas sociais no Orçamento federal,
valeria um aprimoramento nessa direção — será que o desenho do Bolsa Família
afeta a decisão de migrar? Haveria ganhos de bem-estar à população, pois
“distribuir” os desempregados significa também reduzir a taxa de desemprego
média, pois em alguns estados há falta de mão de obra. A livre circulação de
pessoas leva à melhor alocação do trabalho. De quebra, poderia fortalecer a
identidade nacional, o sentimento de pertencimento.
Laços econômicos mais profundos tendem a
reforçar a solidariedade e a coesão social. Entre nações, são antídoto para
conflitos armados. Essa foi a lição que a Europa aprendeu da Primeira Guerra
Mundial, quando a reação revanchista alimentou ressentimentos e o extremismo, e
foi munição para uma nova guerra, ainda mais ampla e violenta. A reação após a
Segunda Guerra Mundial foi muito diferente, com a busca da integração
econômica, o que culminou na formação da União Europeia.
Outro exemplo da importância dos laços
econômicos é o fato de EUA e China, apesar da relação conflituosa, evitarem um
cenário de guerra. A dependência econômica mútua, individual e de seus
parceiros relevantes, tem peso.
O triste conflito no Oriente Médio merece
reflexão. Assim como na formação de outras nações, o passado importa. O estado
permanente de confronto alimenta os radicais, como aponta Fernando Abrucio, e
esmorece os moderados. Há esperança de paz sem se construir laços econômicos
sólidos entre palestinos e israelenses, com liberdade para empreender e com
movimento livre de pessoas?
Um comentário:
Pois é.
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