segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Anistia e a defesa da ‘pacificação’. Por Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

Se houvesse necessidade de pacificação, o País estaria desde 2023 em um caos social

A aprovação de uma anistia aos acusados de tentativa de golpe de Estado, em qualquer de suas versões (incluindo ou não Jair Bolsonaro, limitando-se ou não aos vândalos de 8 de Janeiro), não vai pacificar o País. Para compreender o porquê, é preciso decifrar o que os bolsonaristas querem dizer com “pacificação”.

A tarefa é inglória. Na maioria das vezes, quando recorrem ao argumento da pacificação, os defensores da anistia aos golpistas não se aprofundam no conceito. Qual é a paz ou normalidade que eles querem ver restabelecida? Fora das redes sociais, não há conflitos políticos atravancando a vida das pessoas ou impedindo o funcionamento do Estado. Se houvesse necessidade de pacificação, o País estaria vivendo, desde 8 de Janeiro de 2023, um contexto de caos social, com violência política generalizada e instabilidade institucional. Não é o que acontece.

Os defensores da anistia – e o próprio Bolsonaro – frequentemente tentam explicar “pacificação” com metáforas simples como “virar a página”, “zerar o jogo” ou “passar a régua”. As expressões procuram passar a ideia de que havia um conflito político insolúvel entre campos antagônicos e tudo o que foi feito em nome dessa luta no período entre a eleição de Lula e o 8 de Janeiro precisa ser perdoado e esquecido, para dar chance aos envolvidos de começar do zero.

A falha desse argumento é que ele aplica a lógica da conciliação, em que dois lados opostos têm algo a ganhar com um perdão mútuo, a uma realidade de benefício unilateral. Apenas eventuais condenados por tentativa de golpe tirariam vantagem de uma anistia. Para o grupo político que venceu as eleições de 2022 e para os independentes que querem afastar riscos à ordem democrática, o melhor resultado é a punição aos golpistas.

A palavra “pacificação” na boca dos defensores da anistia ganha, portanto, a conotação de “antipolarização”. Tentam, assim, apelar ao cansaço da população com os embates entre os extremos políticos nos últimos anos, como se eles próprios não tivessem se beneficiado disso. De forma semelhante, procuram apresentar a anistia como um remédio contra o desequilíbrio entre os Poderes, omitindo que são em grande parte pais do problema.

Perdoar quem atentou contra a democracia não reduziria em nada a polarização ou a alegada desarmonia institucional no País. Apenas premiaria aqueles que as promovem.

 

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