O Globo
China recebe antigos aliados dos EUA, mas
Brasil faria melhor se diversificasse e ampliasse seu leque de alianças
O presidente Donald Trump escreveu
em sua rede social: Parece que perdemos a Índia e a Rússia para a
China mais profunda e sombria. Que tenham um longo e próspero futuro juntos. A
rede tem o pretensioso nome de Truth Social, mas pode ser tudo, menos a expressão
da verdade, muito menos da coerência. Trump já havia escrito ali, na semana
passada:
— Dou-me muito bem com Xi [o presidente chinês, Xi Jinping].
Um dia depois, registrou:
— Xi e Putin conspiram contra os Estados Unidos.
Entre uma “verdade” e outra, a poderosa força militar chinesa foi exibida em Pequim, no maior desfile de sua história, tendo o presidente russo como principal convidado de honra. Foi no ambiente dessa demonstração bélica que Xi apresentou sua “verdade”. Disse que o mundo está hoje entre a paz e a guerra, entre a prosperidade e a estagnação — sendo a China, claro, a guardiã da paz e a promotora do desenvolvimento econômico. Não precisou dizer que, nessa versão, os Estados Unidos representam o contrário.
Não foi esse o único movimento de expressão
global aplicado por Xi na semana passada. Um dia antes do desfile, ele recebeu
mais de 20 chefes de Estado numa reunião da Organização para a Cooperação
de Xangai,
grupo voltado para comércio e investimentos. Ali estava a presença inédita do
primeiro-ministro da Índia, Narendra
Modi — que posou para fotos em descontraídas conversas com Xi e Putin.
O significado geopolítico é enorme: havia anos que China e Índia tinham não
apenas desavenças diplomáticas, mas uma disputa de fronteiras no Himalaia, com
escaramuças militares.
De outro lado, sucessivos governos americanos
faziam movimentos de aproximação com a Índia, bem-sucedidos até há poucas
semanas. Para os Estados Unidos, a Índia era um contrapeso à influência chinesa
na Ásia. Trump detonou tudo isso e atirou Modi nos braços de Xi. Depois de
receber o primeiro-ministro indiano na Casa Branca, aplicou tarifas de
importação de 25% aos produtos da Índia. Ainda aumentou a tarifa para 50% — a
taxa mais alta — argumentando que a Índia importa petróleo russo. De fato,
importa, mas seguindo o teto de preço aplicado pela União Europeia e vendendo
derivados a vários países europeus.
A Índia não é pouca coisa — uma economia de
US$ 4 trilhões, em forte crescimento, e a maior democracia do mundo, embora
Modi recorra com frequência a métodos arbitrários. E é uma potência nuclear.
Não foi apenas esse o presente que Trump deu
a Xi. À mesma reunião da Organização para a Cooperação de Xangai compareceram
chefes de Estado de países que se inclinavam ao Ocidente, como Egito, Vietnã e Turquia. De novo,
por causa das tarifas. O Brasil também estava lá, representado pelo embaixador
Celso Amorim, assessor especial do presidente Lula.
Ele ressaltou a já forte relação econômica entre Brasil e China e confirmou o
início de um novo tipo de cooperação, na área militar.
A presença de Amorim confirmou o comentário
recente de Lula, segundo o qual o Brasil está tranquilo nesse ambiente do
tarifaço americano porque tem a China como principal parceiro comercial. Na
verdade, é mais que comercial. A China tem aqui pesados investimentos em
infraestrutura, assim como em toda a América Latina. Trata-se de uma política
construída cuidadosamente ao longo de anos. Hoje, entre os latino-americanos,
apenas três países têm os Estados Unidos como maior parceiro comercial: México, Colômbia e Equador — os
três sofrendo sanções tarifárias e outras ameaças.
Enquanto os Estados Unidos punem e ameaçam
antigos aliados, a China se oferece para recebê-los. O convite vale para o
Brasil, que, entretanto, faria melhor se diversificasse e ampliasse seu leque
de alianças econômicas e políticas. Daí a importância do inesperado avanço das
negociações para a conclusão rápida do acordo Mercosul-União Europeia. É uma
boa resposta ao trumpismo, sob todos os aspectos, e uma alternativa à órbita
chinesa. A União Europeia é uma potência econômica — um PIB de US$ 20 trilhões
— e uma potência democrática. Certamente, melhor companhia.
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