segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Entre a órbita chinesa e a europeia. Por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

China recebe antigos aliados dos EUA, mas Brasil faria melhor se diversificasse e ampliasse seu leque de alianças

O presidente Donald Trump escreveu em sua rede social: Parece que perdemos a Índia e a Rússia para a China mais profunda e sombria. Que tenham um longo e próspero futuro juntos. A rede tem o pretensioso nome de Truth Social, mas pode ser tudo, menos a expressão da verdade, muito menos da coerência. Trump já havia escrito ali, na semana passada:

— Dou-me muito bem com Xi [o presidente chinês, Xi Jinping].

Um dia depois, registrou:

— Xi e Putin conspiram contra os Estados Unidos.

Entre uma “verdade” e outra, a poderosa força militar chinesa foi exibida em Pequim, no maior desfile de sua história, tendo o presidente russo como principal convidado de honra. Foi no ambiente dessa demonstração bélica que Xi apresentou sua “verdade”. Disse que o mundo está hoje entre a paz e a guerra, entre a prosperidade e a estagnação — sendo a China, claro, a guardiã da paz e a promotora do desenvolvimento econômico. Não precisou dizer que, nessa versão, os Estados Unidos representam o contrário.

Não foi esse o único movimento de expressão global aplicado por Xi na semana passada. Um dia antes do desfile, ele recebeu mais de 20 chefes de Estado numa reunião da Organização para a Cooperação de Xangai, grupo voltado para comércio e investimentos. Ali estava a presença inédita do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi — que posou para fotos em descontraídas conversas com Xi e Putin. O significado geopolítico é enorme: havia anos que China e Índia tinham não apenas desavenças diplomáticas, mas uma disputa de fronteiras no Himalaia, com escaramuças militares.

De outro lado, sucessivos governos americanos faziam movimentos de aproximação com a Índia, bem-sucedidos até há poucas semanas. Para os Estados Unidos, a Índia era um contrapeso à influência chinesa na Ásia. Trump detonou tudo isso e atirou Modi nos braços de Xi. Depois de receber o primeiro-ministro indiano na Casa Branca, aplicou tarifas de importação de 25% aos produtos da Índia. Ainda aumentou a tarifa para 50% — a taxa mais alta — argumentando que a Índia importa petróleo russo. De fato, importa, mas seguindo o teto de preço aplicado pela União Europeia e vendendo derivados a vários países europeus.

A Índia não é pouca coisa — uma economia de US$ 4 trilhões, em forte crescimento, e a maior democracia do mundo, embora Modi recorra com frequência a métodos arbitrários. E é uma potência nuclear.

Não foi apenas esse o presente que Trump deu a Xi. À mesma reunião da Organização para a Cooperação de Xangai compareceram chefes de Estado de países que se inclinavam ao Ocidente, como EgitoVietnã e Turquia. De novo, por causa das tarifas. O Brasil também estava lá, representado pelo embaixador Celso Amorim, assessor especial do presidente Lula. Ele ressaltou a já forte relação econômica entre Brasil e China e confirmou o início de um novo tipo de cooperação, na área militar.

A presença de Amorim confirmou o comentário recente de Lula, segundo o qual o Brasil está tranquilo nesse ambiente do tarifaço americano porque tem a China como principal parceiro comercial. Na verdade, é mais que comercial. A China tem aqui pesados investimentos em infraestrutura, assim como em toda a América Latina. Trata-se de uma política construída cuidadosamente ao longo de anos. Hoje, entre os latino-americanos, apenas três países têm os Estados Unidos como maior parceiro comercial: MéxicoColômbia e Equador — os três sofrendo sanções tarifárias e outras ameaças.

Enquanto os Estados Unidos punem e ameaçam antigos aliados, a China se oferece para recebê-los. O convite vale para o Brasil, que, entretanto, faria melhor se diversificasse e ampliasse seu leque de alianças econômicas e políticas. Daí a importância do inesperado avanço das negociações para a conclusão rápida do acordo Mercosul-União Europeia. É uma boa resposta ao trumpismo, sob todos os aspectos, e uma alternativa à órbita chinesa. A União Europeia é uma potência econômica — um PIB de US$ 20 trilhões — e uma potência democrática. Certamente, melhor companhia.


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