Valor Econômico
No caso do Banco Master, BC foi pressionado em duas frentes para aprovar uma operação que, na essência, deveria observar apenas parâmetros técnicos
O Banco Central está sem dinheiro e
funcionários para fiscalizar um sistema financeiro que, nos últimos anos, ficou
muito maior e mais complexo - e virou presa fácil do crime organizado. Para
evitar um colapso, baixou na sexta-feira uma série de restrições nas operações
das fintechs.
Foi uma solução emergencial para uma situação de guerra, como colocar grades em torno do sistema financeiro. Todos ficam mais protegidos, mas a atuação de parte das fintechs, que injetaram competição e inovação no mercado, ficou limitada. Clientes enfrentarão transtornos para movimentar o seu próprio dinheiro.
Alguns colocam a culpa na agenda liberal do
ex-presidente do Banco Central Roberto Campos Neto, que em 2020 relaxou os
requisitos para os participantes do Pix. Mas essa não é uma discussão
ideológica. O atual presidente do BC, Gabriel Galípolo, indicado para o cargo
pelo presidente Lula, tem reconhecido publicamente que, sem essas facilidades,
o sistema financeiro não teria tido todo esse progresso.
A aposta de ambos era que a Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) da autonomia administrativa e financeira do Banco
Central fosse aprovada, garantindo recursos e quadro de funcionários adequado
para fazer o trabalho de supervisão.
Isso não ocorreu. Em agosto, a PEC estava
prestes a ser pautada na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, mas o
assunto foi bloqueado pelos setores mais ideológicos do governo. O argumento é
que o PT sempre teve uma bandeira histórica contra a autonomia do Banco Central
e, portanto, deveria se manter coerente.
Ironicamente, com essa posição, o governo
brasileiro se alinha à visão de mundo do presidente americano Donald Trump, que
vem fazendo ataques ao Fed. Fica claro que não se trata de posições de direita
ou de esquerda, mas sim de populismo econômico.
O que os acontecimentos dos últimos dias
mostraram é que, além dos populistas, um Banco Central independente - o que a
literatura econômica mostra que não ocorre sem autonomia orçamentária e financeira
- é essencial para defender o dinheiro de todos nós contra ataques de
criminosos e de grupos de interesse.
No caso do Banco Master, o Banco Central foi
pressionado em duas frentes para aprovar uma operação que, na essência, deveria
observar apenas parâmetros técnicos. Uma delas foi o pedido de urgência num
projeto patrocinado pelo Centrão, que visava conferir poderes ao Congresso para
remover membros da diretoria colegiada sem que existisse uma justificativa
sólida.
Outra frente foram os ataques pessoais ao
diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do BC, Renato Gomes,
que foi o responsável por apresentar o parecer que, ao final, rejeitou a
operação de compra de uma parcela do Banco Master pelo estatal Banco de
Brasília (BRB).
O fato de o Master ter chegado à situação em
que chegou, segundo ex-diretores do BC ouvidos pelo Valor, já é um sinal da
fragilidade do sistema de supervisão. Foram vários os alertas do Fundo
Garantidor de Crédito (FGC) e de banqueiros sobre as posições arriscadas que o
Master estava assumindo. No mundo atual, a fiscalização deve ser feita com uso
intensivo de tecnologia e exige equipes maiores e bem treinadas.
A situação fica mais dramática quando o
sistema financeiro está sendo atacado por integrantes do crime organizado, como
o PCC. Além de verbas, o Banco Central precisa de poderes e garantias.
Após o primeiro ataque hacker, que transferiu
mais de R$ 1 bilhão das contas mantidas por instituições financeiras junto ao
BC, a autoridade monetária já suspendeu mais de uma dezena de participantes do
sistema de pagamento. Há fortes indícios de que algumas eram controladas por
laranjas do crime organizado. Pode-se esperar novas levas de empresas suspensas
na esteira da megaoperação que expôs a lavagem de dinheiro do esquema criminoso
dos combustíveis.
Mas há um detalhe importante: a proteção
legal dos diretores e funcionários do BC para tomar as decisões necessárias é
precária. Eles estão sujeitos a processos em seus CPFs, tanto quando fazem o
trabalho de combate à lavagem de dinheiro quanto no saneamento do sistema
financeiro.
Os poderes conferidos ao Banco Central estão
obsoletos. A autoridade monetária supervisiona bancos e outras instituições
financeiras, mas não os fundos de investimento, que estão na alçada da Comissão
de Valores Mobiliários (CVM).
Sem vigiar os fundos, o BC não consegue
supervisionar os bancos. Uma boa parte dos recursos do Master estava em fundos
de investimento que, por sua vez, investiam em outros fundos, com mais de um
cotista. Banqueiros centrais têm alertado sobre como os fundos absorveram uma
parte relevante do dinheiro em circulação e estão sujeitos a crises que, sem a
atuação dos BCs, podem levar ao colapso das economias.
Pela megaoperação policial no setor de
combustíveis, tomou-se conhecimento de que alguns fundos de investimento
estavam sendo usados para esconder o patrimônio do crime organizado.
Sem dinheiro e poder para exercer o seu
papel, o Banco Central vê se diante da difícil escolha de abrir mão da
competição e eficiência para preservar a segurança.
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