quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Julgamento de Bolsonaro reforça polarização e desafia Tarcísio, por Igor Gielow

Folha de S. Paulo

Discurso político de Moraes e negação do bolsonarismo cumprem roteiro previsível

Para um país cuja República foi sacramentada em uma quartelada, deixa de ser vulgar empregar o termo histórico para o julgamento de Jair Bolsonaro (PL) e seu séquito militar.

Isso dito, a apreciação do caso do núcleo da trama golpista de 2022 apontada pela PGR (Procuradoria-Geral da República), aberto nesta terça (2), cumpre um roteiro de previsibilidade que apenas reitera a polarização vigente no país.

Ela se demonstra de formas diversas. Primeiro, na negação do juízo abraçada pelo bolsonarismo mais raiz, da família do ex-mandatário a Silas Malafaia.

A ausência física do patriarca no Supremo que o julga sugere um fato consumado acerca de seu futuro político mais imediato. O contraste com sua primeira ida à corte, em março, quando buscou vender uma imagem desafiadora, e com seu titubeante depoimento em junho, ficou agora completo.

A briga pelo espólio, já visível pela agitação sem fim do deputado Eduardo e sua campanha contra o Brasil nos Estados Unidos, só irá piorar. Em público, o que sobra é dizer, como fez o senador Flávio, que tudo não passa de uma farsa. Isso ignora a realidade, e aqui não se fala do mérito jurídico e eventuais penalidades, do golpismo evidente desenhado na denúncia da PGR.

Tanto faz: para os bolsonaristas, o ex-presidente é um perseguido, ponto final. O inverso é verdadeiro para o governismo petista e não só, e aqui Alexandre de Moraes arriscou-se talvez de forma desnecessária ao pontuar politicamente seu discurso de abertura na sessão.

Primeiro, ele voltou a prejulgar o caso em que seria vítima presumida, dizendo considerar que houve uma tentativa de golpe. Segundo, trouxe a campanha dos Bolsonaros em parceria com Donald Trump para dentro da corte, asseverando independência e firmeza sobre as quais nem seus adversários impingem dúvidas.

Celebra essa realidade o presidente Lula (PT), cioso guardião da polarização. Se os ataques de Trump recrudescerem devido à provável condenação de Bolsonaro, ele terá ganho uma extensão bem-vinda da presença do rival no imaginário da disputa política —mesmo inelegível e preso.

Claro, o prolongamento da crise tende a desgastar o petista junto a atores econômicos, mas a experiência pregressa sugere que ele irá ignorá-los no discurso.

Restará saber como se comportará a classe média flutuante na banda conservadora do espectro político. Em 2018, ela ajudou a eleger Bolsonaro e, quatro anos depois, deu pontos vitais à vitória de Lula.

Com os campos delimitados, pena o herdeiro presumido da direita em 2026, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). Após hesitar, ele está em modo de solidariedade total a Bolsonaro, dizendo até que "não posso falar que confio na Justiça". Prometeu um indulto que não dura um recurso ao Supremo, caso vire presidente.

Em apoio ao ex-chefe e patrono de sua existência política, Tarcísio foi a Brasília e se diz empenhado na costura de uma anistia que, como se sabe, é muito improvável. Isso o credenciará para ser ungido por Bolsonaro, a depender dos humores familiares do clã, ou ao menos deixará a acusação de traição mais difícil.

O problema é o quão disposto a esticar a corda com os togados está o governador, e o palanque do 7 de Setembro no domingo será o próximo teste prático do seu delicado malabarismo.

 

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