Valor Econômico
Episódio capaz de desencadear decisões ou movimentações há tempos esperadas
Espécie em risco de extinção, um experiente
político mais dedicado às articulações de bastidores do que às redes sociais
costuma alertar que há de se estar sempre atento para os chamados “momentos de
virada”. Em outras palavras, um episódio capaz de desencadear decisões ou
movimentações há tempos esperadas, mas que não saíam do lugar e matavam todos
de ansiedade ou tédio. Pode-se arriscar que o início do julgamento do núcleo
crucial da trama golpista é um desses momentos.
O périplo pela capital federal feito pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), é um exemplo.
Aliados de Tarcísio e integrantes do Centrão
que estão na base aliada do governo federal vinham percebendo uma mudança em
seu comportamento há algumas semanas. Sempre reticente quando se falava da
eleição presidencial, Tarcísio sempre fez questão de pontuar que era candidato
à reeleição. “Sua conduta é de governador”, pontuava um interlocutor,
acrescentando que a agenda pública comprovava seu compromisso em tentar
permanecer no Palácio dos Bandeirantes por mais quatro anos. Muitos eventos
pelo Estado, poucas conversas em Brasília.
Mais recentemente, contudo, ainda segundo os
relatos de seus interlocutores, ele passou a dar corda às conversas sobre uma
eventual candidatura ao Palácio do Planalto. Nas palavras de um aliado, sua
cabeça ainda permanecia a de um candidato a governador, mas era visível a
crescente pressão ao seu redor. E ele passara a não cortar seus interlocutores.
Nessa terça-feira (2), porém, no dia do
início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e demais réus do núcleo
crucial, Tarcísio desembarcou em Brasília. Se antes uma articulação em favor da
anistia aos envolvidos na tentativa de golpe era um tema que seria ressuscitado
apenas depois de uma eventual vitória em outubro do ano que vem, agora o tema
foi rapidamente recolocado no horizonte. Avaliava-se que seria preciso um
entendimento com o STF, algo que parece ter ficado no passado.
União Brasil e PP, que aguardavam
ansiosamente um sinal mais claro de que Tarcísio estaria disposto a liderar um
projeto nacional da oposição, não perderam tempo. Após uma rápida reunião,
deram um ultimato para que seus filiados com mandato deixem o governo Lula. A
decisão era dada como certa, mas vinha sendo postergada.
É bem verdade que ela preserva os indicados
por lideranças da federação, como o presidente do Congresso, senador Davi
Alcolumbre (União-AP), e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira
(PP-AL), a cargos estratégicos na Esplanada dos Ministérios e em bancos
públicos. Mas o Palácio do Planalto também não tem interesse em romper com o
chefe do Poder Legislativo e o relator do projeto que reforma o Imposto de
Renda (IR). Isso só geraria mais incertezas em relação à já debilitada solidez
da base de sustentação do Executivo no Parlamento.
Do ponto de vista do governo, o julgamento
também marca um ponto de virada na estratégia de comunicação do Palácio do
Planalto. Sai de cena o slogan “União e Reconstrução”, chega a campanha com a
qual o Executivo tentará passar à população a mensagem de que realizações da
atual gestão sofrem ameaça externa. A expectativa é que este seja o mote do Dia
da Independência, data que em um passado recente provocou a inelegibilidade de
Bolsonaro devido ao uso eleitoreiro do evento. A Justiça Eleitoral pode ser
provocada a olhar com atenção o desfile.
Espera-se, também, que o julgamento
represente um momento de virada para os militares.
Neste caso, algumas mensagens já foram dadas
pela cúpula do Exército há cerca de um mês, durante solenidade de passagem do
comando do Estado-Maior da Força do general Richard Fernandez Nunes para o
general Francisco Humberto Montenegro Junior.
O general Richard, que passou para a reserva
e vai trabalhar no Ministério da Defesa com o ministro José Múcio Monteiro, foi
junto com o comandante Tomás Ribeiro Paiva e o general Valério Stumpf alvo de
detratores dentro da própria Força por resistirem à tentativa de golpe. Em sua
despedida, fez uma defesa pública da hierarquia e disciplina. “Eles que venham.
Por aqui não passam”.
Depois de citar diversos oficiais presentes,
entre eles o general Valério Stumpf, o comandante do Exército destacou em seu
discurso durante a solenidade que os verdadeiros soldados sabem que o
reconhecimento e a popularidade são efêmeros, têm vidas modestas, dão ordens
diretas e assumem a responsabilidade pelo que decidem. “Seu farol é a lei e a
ética”, sublinhou.
Com a conclusão do julgamento, estará aberto
o caminho para que os militares eventualmente condenados também enfrentem os
processos em que podem ser considerados indignos para o oficialato. Esta será
uma etapa fundamental para que as Forças Armadas consigam afastar de forma
definitiva das instituições militares as pessoas físicas que cometeram os
crimes denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Dessa forma,
mudarão a página de vez. Ou, dito de outra maneira, poderão passar da melhor
forma possível por este tão aguardado “momento de virada”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário