quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Julgamento de Bolsonaro representa momento de virada crucial, por Fernando Exman

Valor Econômico

Episódio capaz de desencadear decisões ou movimentações há tempos esperadas

Espécie em risco de extinção, um experiente político mais dedicado às articulações de bastidores do que às redes sociais costuma alertar que há de se estar sempre atento para os chamados “momentos de virada”. Em outras palavras, um episódio capaz de desencadear decisões ou movimentações há tempos esperadas, mas que não saíam do lugar e matavam todos de ansiedade ou tédio. Pode-se arriscar que o início do julgamento do núcleo crucial da trama golpista é um desses momentos.

O périplo pela capital federal feito pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), é um exemplo.

Aliados de Tarcísio e integrantes do Centrão que estão na base aliada do governo federal vinham percebendo uma mudança em seu comportamento há algumas semanas. Sempre reticente quando se falava da eleição presidencial, Tarcísio sempre fez questão de pontuar que era candidato à reeleição. “Sua conduta é de governador”, pontuava um interlocutor, acrescentando que a agenda pública comprovava seu compromisso em tentar permanecer no Palácio dos Bandeirantes por mais quatro anos. Muitos eventos pelo Estado, poucas conversas em Brasília.

Mais recentemente, contudo, ainda segundo os relatos de seus interlocutores, ele passou a dar corda às conversas sobre uma eventual candidatura ao Palácio do Planalto. Nas palavras de um aliado, sua cabeça ainda permanecia a de um candidato a governador, mas era visível a crescente pressão ao seu redor. E ele passara a não cortar seus interlocutores.

Nessa terça-feira (2), porém, no dia do início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e demais réus do núcleo crucial, Tarcísio desembarcou em Brasília. Se antes uma articulação em favor da anistia aos envolvidos na tentativa de golpe era um tema que seria ressuscitado apenas depois de uma eventual vitória em outubro do ano que vem, agora o tema foi rapidamente recolocado no horizonte. Avaliava-se que seria preciso um entendimento com o STF, algo que parece ter ficado no passado.

União Brasil e PP, que aguardavam ansiosamente um sinal mais claro de que Tarcísio estaria disposto a liderar um projeto nacional da oposição, não perderam tempo. Após uma rápida reunião, deram um ultimato para que seus filiados com mandato deixem o governo Lula. A decisão era dada como certa, mas vinha sendo postergada.

É bem verdade que ela preserva os indicados por lideranças da federação, como o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União-AP), e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL), a cargos estratégicos na Esplanada dos Ministérios e em bancos públicos. Mas o Palácio do Planalto também não tem interesse em romper com o chefe do Poder Legislativo e o relator do projeto que reforma o Imposto de Renda (IR). Isso só geraria mais incertezas em relação à já debilitada solidez da base de sustentação do Executivo no Parlamento.

Do ponto de vista do governo, o julgamento também marca um ponto de virada na estratégia de comunicação do Palácio do Planalto. Sai de cena o slogan “União e Reconstrução”, chega a campanha com a qual o Executivo tentará passar à população a mensagem de que realizações da atual gestão sofrem ameaça externa. A expectativa é que este seja o mote do Dia da Independência, data que em um passado recente provocou a inelegibilidade de Bolsonaro devido ao uso eleitoreiro do evento. A Justiça Eleitoral pode ser provocada a olhar com atenção o desfile.

Espera-se, também, que o julgamento represente um momento de virada para os militares.

Neste caso, algumas mensagens já foram dadas pela cúpula do Exército há cerca de um mês, durante solenidade de passagem do comando do Estado-Maior da Força do general Richard Fernandez Nunes para o general Francisco Humberto Montenegro Junior.

O general Richard, que passou para a reserva e vai trabalhar no Ministério da Defesa com o ministro José Múcio Monteiro, foi junto com o comandante Tomás Ribeiro Paiva e o general Valério Stumpf alvo de detratores dentro da própria Força por resistirem à tentativa de golpe. Em sua despedida, fez uma defesa pública da hierarquia e disciplina. “Eles que venham. Por aqui não passam”.

Depois de citar diversos oficiais presentes, entre eles o general Valério Stumpf, o comandante do Exército destacou em seu discurso durante a solenidade que os verdadeiros soldados sabem que o reconhecimento e a popularidade são efêmeros, têm vidas modestas, dão ordens diretas e assumem a responsabilidade pelo que decidem. “Seu farol é a lei e a ética”, sublinhou.

Com a conclusão do julgamento, estará aberto o caminho para que os militares eventualmente condenados também enfrentem os processos em que podem ser considerados indignos para o oficialato. Esta será uma etapa fundamental para que as Forças Armadas consigam afastar de forma definitiva das instituições militares as pessoas físicas que cometeram os crimes denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Dessa forma, mudarão a página de vez. Ou, dito de outra maneira, poderão passar da melhor forma possível por este tão aguardado “momento de virada”.

 

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