quarta-feira, 3 de setembro de 2025

‘Efeito Felca’ contra crime organizado, por Lu Aiko Otta

Valor Econômico

A ver até onde o empurrão das megaoperações da semana passada levará a pauta legislativa

“De quantos votos você precisa?”, perguntou o rapaz educado e bem-vestido, a um parlamentar candidato à reeleição.

O moço havia marcado a reunião por intermédio de um amigo do congressista. Até sua chegada ao encontro, a equipe do candidato não sabia que se tratava do líder local de uma facção criminosa. Quando soube, era tarde para evitar a conversa.

“Como você vai conseguir os votos? Vai ameaçar as pessoas?”, quis saber o parlamentar. O rapaz sorriu e disse que não precisava ameaçar ninguém. Explicou que tinha uma relação com a comunidade construída à base de pequenos favores: um botijão de gás, um remédio, um emprego, ajuda para religar a energia cortada. Dificilmente as pessoas deixariam de atender um pedido de voto seu.

“E o que quer em troca dos votos?”, perguntou o congressista.

Nada em específico, informou o rapaz. Quando precisasse, entraria em contato para tratar de um ou outro assunto.

O candidato explicou-lhe então que não poderia fazer tal compromisso. Era 2022.

Nas eleições, o parlamentar obteve os votos de sua base eleitoral mais fiel, que lhe dera seguidos mandatos. Mas não conseguiu o suficiente para retornar à sede do Legislativo federal. Depois de divulgados os resultados das urnas, recebeu uma mensagem do rapaz: “Viu?”.

A história é chocante, mas não surpreende quem transita pelo coração da capital federal. Lá, não é segredo que o crime organizado tem defensores no Legislativo.

Esse era o motivo apontado, à boca miúda, para explicar por que pautas como a da tipificação do devedor contumaz de tributos não avançavam.

As megaoperações deflagradas na quinta-feira passada, que expuseram a atuação do crime organizado no setor de combustíveis e o uso de fintechs para lavar o dinheiro, colocaram pressão sobre o Congresso.

O Senado aprovou ontem, por 71 votos favoráveis e nenhum contra, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 125, relatado por Efraim Filho (União-PB).

A matéria aguardava desde fevereiro para ser incluída na pauta de votação do plenário. Recebeu das megaoperações “o empurrão que faltava”, comentou o senador na segunda-feira, quando apresentou seu relatório.

Devedor contumaz é, na linguagem direta do secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, um “bandido”. Aquele que abre uma empresa para legalizar dinheiro do crime. Que não paga impostos - pelo contrário, a sonegação tributária faz parte de seu modelo de negócios.

Com a nova classificação, a Receita terá meios de, mais rapidamente, impedir que essas empresas funcionem. Elas poderão ter a inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) cancelada.

Além disso, o projeto acaba com uma regra pela qual o pagamento da dívida tributária encerra o processo. Com a mudança, a contumácia na sonegação pode ter consequências na esfera criminal.

Por isso, o Fisco ganhou apoio do setor empresarial formal. Empresas que operam na legalidade sofrem concorrência desleal intensa do crime organizado.

O projeto também regulamenta os programas de conformidade da Receita Federal, que premia os contribuintes com bom histórico. Batizado de Código de Defesa do Contribuinte, o texto ainda traz normas de relacionamento entre as administrações tributárias e os pagadores de impostos.

O relatório de Efraim recepcionou trechos de outras duas propostas semelhantes que tramitam no Congresso. O PLP 164, relatado pelo senador Veneziano Vital do Rego (MDB-PB) e o Projeto de Lei (PL) 15/2024, apresentado pelo governo e relatado na Câmara dos Deputados por Danilo Forte (União-CE).

Forte representa um Estado que, no início deste ano, viu as operações de seu principal porto, o de Pecém, prejudicadas pela ação do crime organizado, que interrompeu os serviços de internet naquela região.

Também do Ceará, o deputado Mauro Benevides (PDT) protocolou na sexta-feira passada um projeto de lei que, nas suas palavras, “elimina” a lavagem de dinheiro no Brasil. “Em qualquer aplicação, será obrigatória a identificação individual de cada aplicador”, explicou. As operações da semana passada mostraram movimentação de grandes volumes por meio de contas em nome das próprias instituições.

Por se tratar de uma lei complementar, as regras constantes do PLP 125 poderão ser aplicadas pelos entes subnacionais. Efraim comentou em plenário que a inserção do crime organizado na política é uma realidade, e que seria difícil para câmaras estaduais e municipais aprovarem regras tão duras de enfrentamento.

O PLP 125 ainda precisa ser analisado pela Câmara dos Deputados.

Os mais otimistas acreditam que a pauta vai passar rapidamente. Consideram que as operações produziram no PLP 125 um “efeito Felca”, referência ao influenciador cujas denúncias levaram à rápida aprovação de regras que protegem crianças na internet e responsabilizam plataformas.

A ver até onde o empurrão das megaoperações da semana passada levará a pauta legislativa de combate ao crime organizado.

 

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