quarta-feira, 3 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Conta da incúria fiscal já chega para Lula

O Globo

Desaceleração da economia resulta da política de curto prazo, baseada no gasto público e no crédito fácil

Começa a chegar a conta do populismo econômico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É o que mostra a desaceleração do crescimento exposta nos últimos números do Produto Interno Bruto (PIB). Alavancar a expansão econômica com incentivos ao consumo e aumento desenfreado do gasto público é uma fórmula que já se mostrou equivocada no passado. Infelizmente o PT insiste em cometer os mesmos erros. Invariavelmente ela resulta em pressão inflacionária, e o Banco Central (BC) precisa aumentar os juros para tentar conter a alta dos preços. Quando isso acontece, não demora para a economia frear. São evidentes as limitações dessa política de voo curto. O esgotamento do modelo de crescimento era questão de tempo. Faltando pouco mais de um ano para a eleição presidencial de 2026, o cenário econômico se desenha mais desafiador para Lula que o imaginado.

O PIB cresceu 0,4% entre abril e junho, desaceleração forte ante o 1,3% registrado nos primeiros três meses do ano. O impulso da agropecuária perdeu fôlego e, para completar, os investimentos e o consumo sentiram o efeito dos juros altos. Depois de seis altas consecutivas, o investimento recuou 2,2%. O crescimento do consumo das famílias caiu à metade, para 0,5%. Tudo somado, a demanda doméstica (que também inclui consumo do governo) caiu 0,2% no segundo trimestre. Entre janeiro e março, crescera 1,2%.

Pródigo em gastança, o governo Lula deverá provocar, ao longo dos quatro anos de mandato, aumento de 10 pontos percentuais na dívida pública, que alcançará 82% do PIB no ano que vem, muito acima da média dos países emergentes. Regras fiscais frouxas e o emprego de artimanhas contábeis, como a retirada de despesas do cálculo das metas de ajuste, aumentam o buraco das contas públicas. Ao continuar estimulando a economia de todas as formas, o governo contribui para inflar as expectativas de inflação. Não havia alternativa para o BC a não ser o aperto monetário. De setembro do ano passado a junho, a taxa básica de juros, a Selic, sofreu sete aumentos consecutivos, de 10,5% para 15%. Quando os analistas passaram a acreditar na desaceleração do PIB, as previsões de alta de preços passaram a sugerir queda. Os dados do terceiro trimestre comprovam o acerto desse movimento.

O sucesso da política monetária não apaga os erros do governo, maior responsável por juros reais próximos de 10%. Julho registrou o maior índice de inadimplência das famílias brasileiras com renda de até três salários mínimos em mais de dois anos. Quatro em dez estão com dívidas em atraso, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Essas famílias são as mais afetadas pelo aumento do custo das dívidas. Também perdem com os ciclos de alta e baixa da economia provocados pela política centrada no curto prazo. Enquanto o governo não abandonar a crença de que gasto é vida, o crescimento sustentado do PIB continuará escapando dos brasileiros. É difícil, porém, acreditar que Lula resista à tentação de dobrar a aposta na gastança para aumentar suas chances na campanha à reeleição.

Quanto mais transparência nas emendas parlamentares, melhor

O Globo

Dino faz bem em insistir nos critérios de controle que impôs. Não há como transigir com gasto público

Termina nesta semana o prazo concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino para que o Tribunal de Contas da União (TCU) apresente os planos de trabalho relativos a emendas parlamentares individuais de 2020 a 2024, somando R$ 694,7 milhões. Tais emendas, enviadas diretamente ao caixa dos entes federativos beneficiados, sem justificativa nem controle, ficaram conhecidas como “emendas Pix”. Dino ainda determinou que a Polícia Federal (PF) instaurasse inquérito para investigar suspeitas de desvio. Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) revelou que, no ano passado, “emendas Pix” foram usadas para financiar festas, micaretas e corridas de automóveis. Elas também podem ter irrigado esquemas de corrupção e o caixa dois de campanhas eleitorais.

É certo que houve avanço na transparência dessas emendas, como determinado em decisões anteriores do Supremo. Das 8.263 sem registro de plano em fevereiro, restam apenas 964. Mesmo assim, os parlamentares continuam resistindo a cumprir as exigências de transparência e rastreabilidade impostas por Dino — o mínimo para que se tenha algum controle sobre a distribuição dos recursos. Levantamento do GLOBO constatou que, de 525 pedidos de transferência bloqueados — somando R$ 306 milhões —, mais da metade (358) foi protocolada por PL, União Brasil, PP, Republicanos, PSD e MDB. Entre os beneficiários de emendas retidas está até o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) — R$ 396 milhões travados, para uma obra no município paraibano de Boa Ventura. Políticos costumam reclamar das novas exigências de mais informações sobre o uso dos recursos feitas por Dino. Mas, quanto mais informações sobre o destino do dinheiro público, melhor. Não pode haver exceções.

Até dezembro de 2022, quando o Supremo decretou que as emendas do relator eram inconstitucionais, a remessa crescente de recursos do Tesouro para bases eleitorais tinha pouca ou nenhuma transparência. Ao mesmo tempo, o montante distribuído explodia. Em 2010, as emendas equivaleram a aproximadamente R$ 7,9 bilhões. Neste ano somam R$ 50,4 bilhões, e há previsão de R$ 40,8 bilhões no ano que vem. Não há país onde parlamentares controlem quase 25% dos gastos não obrigatórios. Nos Estados Unidos, as emendas parlamentares representam 0,25% do Orçamento total. No Brasil, quase o quádruplo disso, ou 0,95%. Pelo menos, diante da pressão, o Congresso aprovou medidas saneadoras, entre elas a regra segundo a qual as emendas não poderão crescer mais que as despesas discricionárias.

Mas isso ainda é pouco. São conhecidas as distorções provocadas pela distribuição desses recursos segundo critérios paroquiais, em vez de políticas públicas embasadas tecnicamente. O pior de tudo, porém, é a falta de transparência. Trata-se de requisito básico quando está em jogo o gasto público. Por isso Dino faz bem em insistir nos critérios de controle que impôs. Não há como transigir.

 Renda em alta restringe desaquecimento da economia

Valor Econômico

Uma redução mais intensa do ritmo de crescimento da economia é aguardada para o segundo semestre, mas isso não está assegurado

A economia brasileira está crescendo a uma menor velocidade, mas ainda exibe bom vigor. O PIB avançou 0,4% no segundo trimestre do ano ante o trimestre anterior, 2,2% ante o mesmo período de 2024, 3,2% quando se comparam quatro trimestres com os anteriores e 2,5% no ano. Uma redução mais intensa desse ritmo é aguardada para o segundo semestre, mas isso não está assegurado. Para obter uma queda consistente da inflação e conduzi-la à meta de 3%, juros reais de quase 10%, os maiores desde 2006, precisariam induzir a uma expansão de 2%. Não conseguiram até agora.

O crescimento reduziu-se a menos da metade do 1,3% do primeiro trimestre, mas o resultado foi um pouco superior a 0,3% da mediana das estimativas de 80 bancos e consultorias feitas ao Valor. O desempenho da agricultura foi mais vigoroso que o esperado e, em vez de queda de 1,7%, ela foi de 0,1%. Nos dois trimestres, cresceu 10,1% e só passará a pesar negativamente nos cálculos a partir da segunda metade do ano. O consumo das famílias, com evolução de 0,5%, e o de serviços, com 0,6%, também superaram as expectativas.

A demanda doméstica, que engloba o consumo das famílias, do governo e os investimentos, menos os estoques, foi negativa em 0,2%, estimou Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para a América Latina do Goldman Sachs. O setor externo, porém, contribuiu positivamente com 0,7 ponto percentual para o resultado, o que não tem sido usual, devido à redução das importações acima do esperado, de 2,9% na comparação com o trimestre anterior. É possível que o setor externo volte a retirar energia do PIB nos trimestres seguintes, se a economia esfriar e diminuir o ímpeto das compras externas. Mas é possível também que, com o tarifaço do presidente Donald Trump e a perda esperada de dinamismo da economia americana, as exportações brasileiras não tenham boa performance.

Os serviços, setor que tem puxado a inflação para cima ou a impedido de cair rapidamente, continua em expansão. Cresceu em relação ao primeiro trimestre (0,4%) e exibe avanço de 2% tanto na comparação anual quanto no desempenho do semestre. Há lenta desaceleração quando se considera o período de quatro trimestres, de 3,3% no início do ano para 2,9% agora. Ainda assim, quando se consideram todos os períodos de comparação utilizados, de cada cinco segmentos que ultrapassam a média do PIB, três deles são de serviços. Nos quatro trimestres encerrados em junho, as atividades de informação e comunicação foram as de maior expansão (6,8%), acompanhadas por outros setores de serviços (4%) e atividades financeiras.

Outras atividades de serviços são um termômetro importante. Além de ter o maior peso no setor (17,5%), seu dinamismo depende diretamente do comportamento dos salários. Tanto os serviços, quando o PIB é visto como produção, como o consumo das famílias, quando visto como demanda, mantêm avanço ainda robusto por vários motivos. O mais importante deles é o mercado de trabalho aquecido, com a mais baixa taxa de desemprego da série histórica. A massa salarial tem crescimento real de 3% em um ano, e os salários, um pouco menos que isso. Programas e benefícios sociais não tiveram arrefecimento, e a correção do salário mínimo pela evolução do PIB de dois anos antes tem propiciado reajustes superiores a 7% no governo Lula.

Enquanto o mercado de trabalho só deve perder força aos poucos, o crédito, que também nutre o consumo, começou a se retrair mais recentemente. No entanto, isso não foi captado no PIB do segundo trimestre, assim como a possível desaceleração das exportações com a barreira tarifária erigida por Trump no mercado americano. Esses fatores poderão ter peso agora, ao lado de outros, expansionistas. O governo, diferentemente de 2024, quando pagou precatórios no primeiro semestre, deixou este ano para fazê-lo em julho, quitando R$ 63,3 bilhões. Parte desses recursos se transformará em consumo ao longo do ano.

A mediana das estimativas de bancos e consultorias para o PIB do ano é de 2,2%. O resultado do segundo trimestre sugere que ele pode ser maior. Se a economia não crescer nos dois trimestres restantes, o PIB de 2025 será de 2,4%, taxa nada desprezível diante de juros básicos de 15%. Ao decidir mantê-los por um período prolongado de tempo, o Banco Central estimou que a economia só estará crescendo abaixo de seu potencial em 2026 — para o segundo trimestre, calculou um hiato positivo de 0,5%.

A dificuldade de uma taxa de juros enorme para derrubar a inflação decorre da política fiscal expansionista, que pode se intensificar quanto mais se aproximam as eleições. De janeiro de 2023 até julho de 2025, o resultado primário acumulado do governo Lula foi um déficit de R$ 361,4 bilhões, 3% do PIB, um potente estímulo às atividades. O PIB do segundo trimestre mostrou que os juros surtem o efeito pretendido, mas para que ele seja pleno, e se possível rápido, para evitar danos fortes, precisa do auxílio da contenção dos gastos públicos. O estímulo fiscal é menor no ano até agora, e o governo fará um bom serviço se não tentar impedir que a economia cresça menos e que a inflação caia.

Desaceleração do PIB é necessária neste momento

Folha de S. Paulo

Perda de ritmo eleva chance de BC reduzir juros de 15%, que tornam urgente contenção de gastos de Lula

Encargos financeiros da União subiram de R$ 500 bilhões para R$ 840 bilhões ao ano. Tal diferença pagaria dois anos do Bolsa Família

Surpresa não foi a atividade econômica brasileira ter perdido ritmo no segundo trimestre deste ano, conforme divulgou o IBGE nesta terça-feira (2). Surpreendentes de fato foram sucessivos resultados positivos a partir de 2021, depois de superado o pior momento da pandemia de Covid-19.

Nesse período recente, o desempenho da produção e da renda superou as expectativas de analistas e o padrão de semiestagnação dos três anos anteriores à crise sanitária, que sucederam a recessão brutal de 2014-16 produzida por Dilma Rousseff (PT).

Não é que tenha havido algum milagre. É razoável supor que reformas como a trabalhista e novas regras para investimentos em infraestrutura, além de avanços tecnológicos, tenham contribuído para a melhora, embora ainda faltem estudos conclusivos a esse respeito. Mais claro, porém, é que a economia tem sido forçada além de sua capacidade.

Assim indica a persistência da inflação, que voltou a subir em 2024 e forçou o Banco Central a elevar seus juros de já excessivos 10,5%, há um ano, para os atuais e cavalares 15% anuais.

A aceleração dos preços, por usa vez, é decorrência previsível da ampliação de gastos públicos promovida no final do governo Jair Bolsonaro (PL) e radicalizada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) antes mesmo de sua posse.

A tarefa dos juros, em português claro, é dificultar o consumo e o investimento, de modo que a queda da demanda tire o fôlego de uma inflação que está acima dos 5% em 12 meses, ante uma meta de 3%. A política monetária seria menos sufocante se tivesse a ajuda da política fiscal —mas Lula não quer ouvir falar em controle da despesa.

Em tal cenário, não se pode considerar mau resultado a alta de 0,4% do Produto Interno Bruto no segundo trimestre, bem abaixo do 1,3% do primeiro. O desaquecimento, que não sugere uma guinada traumática, é necessário e, pela lógica, deve continuar por algum tempo.

Assim, aumentam as chances de o BC iniciar mais rapidamente o corte dos juros, que hoje impõem peso descomunal sobre a dívida pública. Na atual gestão, os encargos financeiros do governo federal subiram de R$ 500 bilhões para R$ 840 bilhões ao ano. A diferença é suficiente para pagar dois anos do Bolsa Família.

O país incorreu, mais uma vez, no erro de usar o gasto público como um atalho para o crescimento econômico —que deve estar baseado em um bom ambiente para investimentos, criação de empregos e avanço da produtividade. A próxima administração herdará uma conta pesada.

Quanto mais se insistir na receita, piores serão os ajustes inevitáveis que estão por vir. As regras fiscais terão de ser revistas para conter uma dívida pública que caminha para 80% do PIB, e é melhor fazê-lo com inflação sob controle. A urgência de cortar gastos e elevar juros ao mesmo tempo gerou salto do desemprego e da pobreza dez anos atrás.

Erro de cálculo político ainda pesa sobre Macron

Folha de S. Paulo

Francês pode perder mais um premiê e ter de convocar pleito, acirrando crise capaz de afetar economia

Bayrou, primeiro-ministro, se vê acuado pela mesma razão que levou à queda do antecessor: a austeridade do projeto de Orçamento de 2026

Quando reconheceu o erro de ter antecipado as eleições parlamentares para junho de 2024, o presidente da FrançaEmmanuel Macron, acrescentou uma nota de humildade a seus atributos. Mas, sem antídotos para a crise política instalada desde então, tal equívoco ainda fragiliza seu governo, agora exposto ao risco de novo pleito para a Assembleia Nacional.

O centrista François Bayrou, empossado em dezembro como premiê, será submetido a mais uma moção de confiança do Parlamento na segunda (8). Será difícil angariar apoios à direita e à esquerda para evitar a perda do cargo, que ocupa há apenas nove meses. Se superar as expectativas, prosseguirá debilitado.

Clamores por novas eleições já emergem do Reunião Nacional, partido de extrema direita que vem crescendo nos últimos anos. Greves e manifestações convocadas pela esquerda para os próximos dias podem afastar seus líderes de um conciliação e alimentar as pressões por outro pleito.

Macron, de todo modo, está exposto à nomeação de um novo premiê —a terceira em apenas 14 meses. A composição da Assembleia Nacional desde junho, com blocos de centro, direita e esquerda não majoritários e pouco afeitos ao diálogo, não garante longevidade a quem ocupar o posto.

Ademais, Bayrou se vê acuado pela mesma razão que levou à queda do seu antecessor, Michel Barnier, cujo mandato durou só três meses: o apoio ao projeto de Orçamento de 2026, que se baseia em maior austeridade.

Por oportunismo político ou por convicção de setores cegos à corrosão da economia francesa devido ao aprofundamento do desequilíbrio fiscal, o projeto sofre oposição à esquerda e à direita. Mas a dívida pública do país está em 114% do PIB, e o déficit orçamentário previsto para 2025, de 5,4% do PIB, mantém-se distante da meta europeia de 3%.

Bayrou teve o mérito de obter a aprovação parlamentar do Orçamento para 2025, com € 50 bilhões em redução de despesas e elevação da arrecadação. Seu projeto para para o ano que vem envolve um ajuste fiscal de € 44 bilhões, como meio de derrubar o déficit a 4,6%, a partir de medidas potencialmente impopulares.

Macron apostara, em junho de 2024, na expansão das cadeiras de centro e do diálogo do legislativo com seu governo. Fracassou em seu objetivo e agora está diante de três possibilidades. Manter Bayrou ou substituí-lo são as menos ruins. Já novas eleições embutem os riscos do fortalecimento de bases extremistas e da desestabilização de uma das maiores economias do mundo.

As escolhas de Tarcísio

O Estado de S. Paulo

Ao dizer que não confia na Justiça, que ora julga Bolsonaro, Tarcísio esquece sua obrigação, como governador e eventual postulante à Presidência, de preservar as instituições democráticas

“Infelizmente, hoje eu não posso falar que confio na Justiça, por tudo o que a gente tem visto”, declarou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em entrevista ao jornal Diário do Grande ABC a propósito do julgamento de seu padrinho político, o ex-presidente Jair Bolsonaro. É altamente problemático que a principal autoridade do Executivo paulista, com pretensões de presidir a República, expresse desconfiança sobre o Poder Judiciário.

Muito ainda pode ser e certamente será dito sobre a qualidade do julgamento de Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, e é evidente que o governador de São Paulo, como qualquer cidadão, tem o direito de criticar as decisões daquela Corte. Mas, ao contrário dos cidadãos comuns, o sr. Tarcísio de Freitas não pode, de maneira leviana, manifestar desconfiança sobre o Judiciário, sugerindo que ali se tomam decisões políticas. Um chefe de Executivo como o governador paulista deve saber que é seu dever preservar a imagem das instituições democráticas, mesmo que se sinta contrariado. Uma democracia em que reina a desconfiança sobre as instituições está a meio caminho de sua ruína.

Portanto, se ao sr. Tarcísio de Freitas interessa que a democracia seja fortalecida – e não há nenhuma razão para duvidar disso –, então ele deveria se empenhar ao máximo para que o Supremo seja visto como essencial na sustentação do Estado Democrático de Direito, e não como uma Corte que persegue seu padrinho político em razão de interesses políticos inconfessáveis, como o governador parece sugerir.

Deslegitimar o Supremo é algo próprio dos liberticidas bolsonaristas, mas jamais deveria sair da boca de um chefe de governo com responsabilidade diante do Brasil e da Constituição. Compreende-se a necessidade de Tarcísio de conquistar o eleitorado de Bolsonaro, mas, se o preço desse apoio é a desmoralização da democracia, o governador deveria se recusar a pagá-lo.

Infelizmente, contudo, o sr. Tarcísio de Freitas não só investe na tese da desconfiança a respeito do Supremo, como prometeu que, se chegar à Presidência, seu “primeiro ato” será indultar Bolsonaro. Ou seja, o governador considera que não há nada mais importante e urgente no País do que livrar o padrinho da cadeia, a despeito de todas as evidências de que o ex-presidente tramou contra a democracia.

Não é de hoje que o governador paulista tenta caracterizar o perdão a Bolsonaro como resultado de um acordo político com vista a “pacificar” o País. Na entrevista, disse que uma eventual anistia é “prerrogativa do Congresso” para construir uma “solução política”. Ora, em primeiro lugar, não há nada a ser “pacificado” no Brasil. O que há são os inconformados com a democracia, que há tempos tentam criar as condições para uma conflagração que lhes dê a oportunidade de consumar o tão desejado golpe.

Essa turma, que ora conta com a simpatia do governador de São Paulo, fez e faz campanha sistemática para desmoralizar o sistema de votação, atiçou caminhoneiros para fechar estradas e prejudicar a economia do País após a derrota de Bolsonaro em 2022 e invadiu as sedes dos Três Poderes para forçar um confronto que, em seus delírios, resultaria na tão desejada intervenção militar que destituiria o presidente Lula da Silva. Agora, pediu a uma potência estrangeira, os EUA, que castigasse o Brasil e os ministros do Supremo para impedir que Bolsonaro seja preso. A estes não pode ser reservada nenhuma condescendência. A impunidade para os golpistas, defendida pelo sr. Tarcísio, essa sim, teria o condão de conflagrar o País. Só a condenação exemplar de quem atentou contra a democracia fará o Brasil superar esta tenebrosa etapa de sua história. Não pode haver acomodação, sob qualquer pretexto – ingênuo ou cínico.

O governador Tarcísio, bem como os demais postulantes conservadores à Presidência, precisam urgentemente se descolar de Bolsonaro, caso queiram ser vistos como genuínos democratas. É preciso restabelecer os limites morais do que é permitido fazer para ganhar uma eleição. Parte do eleitorado pode ter se deixado seduzir pelo espalhafato dos golpistas e dos oportunistas craques em redes sociais, mas o Brasil só avançará de fato quando elegermos um presidente que tenha princípios e não abra mão deles em troca de um punhado de votos.

Mais um Orçamento ficcional

O Estado de S. Paulo

Com receitas superestimadas e uma expectativa de despesas muito otimista, governo apresenta Orçamento com previsão de superávit, mas que permite um déficit de até R$ 23,3 bi já de saída

O governo Lula da Silva enviou na semana passada ao Congresso sua proposta de Orçamento para o ano que vem, ato que representa mais um cumprimento formal de suas obrigações constitucionais do que um plano de voo consistente sobre receitas e despesas. Já faz algum tempo que a peça orçamentária mais parece ficção que realidade, e desta vez não foi diferente. Há, como sempre, muito otimismo com a possibilidade de obter recursos extraordinários e certa modéstia ao estimar os gastos da União, sobretudo num ano eleitoral, a ponto de a peça prever um superávit primário de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), equivalente a um saldo positivo de R$ 34,5 bilhões.

Na prática, no entanto, o Orçamento, já de saída, permite um déficit de R$ 23,3 bilhões, pois o governo poderá descontar R$ 57,8 bilhões em despesas que não serão contabilizadas nas regras fiscais, como uma parte dos precatórios, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

A situação piora quando se considera que, para chegar a esse número, o governo contará com receitas incertas de quase R$ 146 bilhões. Nessa rubrica estão a arrecadação prevista com leilões de petróleo (R$ 31 bilhões), dividendos pagos por empresas estatais à União (R$ 54 bilhões), acordos de renegociação de dívidas de contribuintes (R$ 20 bilhões) e um corte de 10% em benefícios fiscais – medida que precisará do aval do Congresso para entrar em vigor. Não é preciso ser pessimista para colocar em xeque ao menos uma parte dessas ações.

O Executivo, até agora, não conseguiu nem aprovar uma medida provisória enviada em junho ao Congresso, com a qual prevê arrecadar R$ 20,87 bilhões. A proposta eleva a tributação sobre bets, acaba com a isenção de debêntures incentivadas de infraestrutura, Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e do Agronegócio (LCAs), aumenta a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de fintechs e reduz as compensações tributárias.

Os benefícios fiscais concedidos pela União estão estimados em R$ 612 bilhões, mas obter apoio do Legislativo para reduzi-los de maneira linear e ampliar a arrecadação não será fácil. Alguns dos itens que lideram os gastos tributários estão fora do alcance da proposta, caso da Zona Franca de Manaus e do Simples Nacional.

Mas, para o governo, o projeto protocolado na sexta-feira passada pelo líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), de certa forma já cumpriu seu principal objetivo. Embora não haja acordo para aprová-lo e haja outra proposta em negociação no Congresso, sua mera existência já permitiu ao Executivo incluir R$ 19,8 bilhões no Orçamento.

Quanto às despesas, basta dizer que o salário mínimo, piso para o pagamento de aposentadorias, pensões, abono salarial, seguro-desemprego e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), alguns dos principais gastos obrigatórios da União, deve aumentar 7,44%, de R$ 1.518 para R$ 1.631.

É improvável que deputados e senadores se deem por satisfeitos com a dotação de R$ 40,8 bilhões em emendas parlamentares e de R$ 1 bilhão para o Fundo Eleitoral. A título de comparação, a peça orçamentária deste ano reservou R$ 50,4 bilhões para emendas, bem mais que os R$ 38,9 bilhões que o governo havia previsto.

Esse valor diz respeito apenas a emendas individuais e de bancada estadual, mas não inclui as emendas de comissão, que substituíram as antigas emendas de relator e o chamado “orçamento secreto” e que devem chegar a R$ 12,1 bilhões. Da mesma forma, o Fundo Eleitoral de 2024, para o qual o governo havia previsto R$ 939,3 milhões, acabou ficando com R$ 4,9 bilhões – e isso apenas para as eleições municipais.

Em resumo, trata-se de uma proposta que reforça a incapacidade do arcabouço fiscal em limitar o avanço das despesas, reequilibrar o Orçamento, conter a trajetória da dívida pública, reduzir a inflação e criar condições para a redução dos juros no País. Também foi assim com o antigo teto de gastos, com a diferença de que a finada âncora fiscal vigorou por seis anos, e a expectativa é de que o arcabouço dure apenas quatro.

É preciso proteger o Pix

O Estado de S. Paulo

Ataques hackers podem corroer a credibilidade do sistema. Urge tomar providências

A Sinqia, uma das principais empresas de infraestrutura bancária do País, confirmou ter sofrido um ataque hacker no ambiente em que opera transações Pix, agora temporariamente desconectado do Banco Central (BC). De acordo com o portal NeoFeed, o primeiro a revelar a informação, os valores desviados podem chegar a R$ 1 bilhão. Inicialmente, o ataque teria permitido o roubo de algo como R$ 400 milhões de contas do HSBC, desviados para laranjas. O banco afirmou que nenhuma conta de cliente ou fundos foram impactados. Além do HSBC, a fintech Artta também confirmou ter sofrido um ciberataque, mas, tal qual o banco, garantiu que as contas dos clientes não foram acessadas.

Somente o avanço das investigações, ainda em curso, permitirá saber tanto o real montante desviado como quantas instituições financeiras foram atingidas, mas, como a Sinqia está conectada a muitas empresas, acredita-se no mercado financeiro que os hackers não focariam apenas no HSBC e na Artta.

Trata-se do segundo episódio, em dois meses, que envolve desvios estimados em cerca de R$ 1 bilhão cada de empresas conectadas ao sistema Pix do BC.

No caso anterior, criminosos com login de acesso à fornecedora de infraestrutura bancária C&M Software transferiram recursos de clientes da empresa para contas de criptoativos, o que dificulta o rastreio do dinheiro. Nesse aspecto, o ataque à C&M difere do da Sinqia, mas de um modo geral a estratégia dos criminosos é semelhante. Como os grandes bancos têm segurança robusta e conseguem se conectar diretamente com o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) – o regulador do BC para as transações brasileiras –, os bandidos miram em empresas intermediárias que prestam serviços tecnológicos para instituições financeiras de menor porte.

No caso da C&M, a polícia prendeu um funcionário da empresa que teria vendido login e senha dos sistemas da C&M para bandidos. Mais do que a identificação e a punição dos criminosos por trás desses ataques, contudo, é preciso aprimorar a regulação de modo que esses eventos não se repitam.

Extremamente popular no Brasil e invejado até por grandes empresas globais de serviços financeiros, o Pix caiu no gosto popular porque facilita a vida de pessoas e de empresas. Mas inovações digitais também têm apelo entre os criminosos, já que eles não precisam trocar tiros com a polícia e enfrentar segurança pesada para roubar montantes consideráveis.

Não é só no Brasil que instituições criminosas se valem de oportunidades no mundo digital para operar ilícitos. Mas seria uma pena que o Pix, uma das maiores inovações já criadas por brasileiros, fosse vítima de seu próprio sucesso.

O sistema de pagamentos que mudou a cara das transações bancárias no Brasil precisa ser preservado, o que passa por constante renovação e aprimoramento da regulação dos entes financeiros que dele fazem parte.

Especialistas defendem critérios mais rígidos para a contratação de provedores terceirizados conectados ao sistema Pix, bem como a aderência a padrões internacionais de cibersegurança. Da parte do BC, esperam-se regras mais rígidas, e das empresas, reforço das ações de segurança.

Lamentáveis, os ataques à C&M e à Sinqia também são uma oportunidade para que o Pix seja cada vez mais seguro.

Bons ventos da economia pedem maior justiça social

Correio Braziliense

O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu no Brasil pelo 16º trimestre consecutivo.É hora de o Brasil discutir de maneira séria uma revisão do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF)

Pelo 16º trimestre consecutivo, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu no Brasil, mostrou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O dado referente ao período abril-junho é de alta de 0,4%, a partir de uma movimentação de R$ 3,2 trilhões. Trata-se do maior nível da série histórica, iniciada em 1996. Também supera ligeiramente a estimativa do mercado financeiro, que projetava crescimento de 0,3% — apesar de o resultado ser bem inferior ao trimestre anterior, fechado com expansão de 1,3%. 

Na prática, desde o segundo trimestre de 2021, não há recuo na variação trimestral do PIB no Brasil. À época, o país ainda vivia o impacto da pandemia da covid-19. Certo é que os bons ventos da economia abrem precedente para maturação sobre a discussão acerca da distribuição de riquezas, em prol da diminuição da desigualdade social. Se a economia expande, o Estado tende a ter mais mecanismos para promover justiça financeira para os mais pobres.

O foco do país, nesta semana, é o julgamento da cúpula acusada de tentar um golpe contra a democracia, protagonizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O julgamento, evidentemente, pausa a capital federal, mas o Poder Legislativo precisa priorizar pautas de interesse da sociedade em vez de tentar pressionar os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) — seja pela absolvição ou pela condenação dos réus. 

Diante dos bons ventos da economia, é hora de o Brasil discutir de maneira séria uma revisão do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). A proposta do governo no Projeto de Lei 1.087/2025 é de fixar a alíquota em 10% para os super-ricos — o que diminui desigualdades, mas ainda de maneira tímida em relação à diferença entre os patrimônios dessa camada para o restante da população. A elevação da alíquota para 10% ajuda, mas não alavanca a redução de impostos para os mais pobres na proporção desejada.

Se o texto não é perfeito, ele ainda promove alguma mudança na ponta. O foco número 1 do país deve ser a promoção da justiça tributária. Não há disputa política agora, ou em 2026, que justifique a falta de avanço na tramitação do projeto enviado pelo governo — ainda que as diferenças ideológicas no Congresso sejam profundas. 

Desde abril deste ano, a matéria está pronta para ir ao plenário da Câmara dos Deputados. A expectativa fica agora para o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), que precisa encarar a questão com a seriedade necessária. Sob críticas da população, sobretudo diante do enorme espaço ocupado pelas emendas parlamentares no orçamento público e do cada vez maior fundo partidário para financiamento de campanhas, o Congresso tem nas mãos a oportunidade de melhorar sua imagem com a sociedade. 

A elite brasileira deu vários exemplos de resistência à diminuição da desigualdade, inclusive a partir do inevitável lobby nos corredores de Brasília, mas não há justificativa honesta para não equilibrar, ainda que apenas um pouco, a balança do Imposto de Renda. A mudança precisa vir agora, mesmo diante do momento político conturbado do Brasil.

Júri absolve sete réus da Chacina do Curió

O Povo (CE)

"Os policiais militares tinham o dever legal e podiam agir para evitar a tragédia, mas nada fizeram", afirma o Ministério Público ao justificar recurso ao Tribunal de Justiça

A absolvição de sete réus durante o quarto julgamento do crime que ficou conhecido como Chacina do Curió, bairro na região da Grande Messejana, levou o Ministério Público do Ceará (MPCE) a recorrer da decisão da 1ª Vara do Júri da Comarca de Fortaleza. Em quatro das cinco etapas do julgamento do crime, desde 2023, foram absolvidos 21 PMs e seis acabaram condenados.

"O resultado deste júri não era o esperado pelo Ministério Público e, por isso, interpomos recurso para ser julgado pelo Tribunal de Justiça", afirmou o procurador-geral de Justiça, Haley Carvalho. Ele acrescentou que, em todas as fases, houve recursos e os processos ainda serão apreciados pelo Tribunal da Justiça do Ceará (TJCE).

O julgamento é resultado do crime cometido entre a noite do dia 11 e madrugada do dia 12 de novembro de 2015, quando pelo menos 12 viaturas da Polícia Militar e dezenas de PMs invadiram o bairro em uma expedição punitiva, que atingiu moradores indistintamente. Durante a ação criminosa, foram assassinadas 11 pessoas, a maioria jovens. Nove vítimas tinham entre 15 anos e 22 anos; os outros dois tinham 40 anos e 41 anos.

A ação, completamente ilegal e conduzida à revelia do comando da PM, deu-se como vingança pelo fato de um policial ter sido assassinado no bairro. Porém, o crime, praticado por um assaltante, nada tinha a ver com as pessoas assassinadas, algumas arrancadas de dentro de casa e executadas à vista de familiares.

O julgamento foi acompanhado por integrantes do Movimento Mães do Curió, formado após a chacina, para pedir justiça para filhos e netos mortos na ação da PM. Suderli Lima, mãe de uma das vítimas, com 17 anos à época do crime, disse que elas não têm "sentimento de vingança" contra a PM, mas demonstram descontentamento com algumas absolvições.

Segundo o Ministério Público, os réus absolvidos compõem o "núcleo da omissão" da Chacina do Curió. Conforme a denúncia do MPCE, "os policiais militares tinham o dever legal e podiam agir para evitar a tragédia, mas nada fizeram", havendo provas suficientes para a condenação.

Em vista da gravidade do caso, considerada a maior chacina na história de Fortaleza, age corretamente o Ministério Público ao recorrer ao Tribunal de Justiça, pois é necessário que o processo seja analisado com a maior acuidade possível.

É fato que não se pode condenar um eventual inocente, mas também não pode ficar sem punição aqueles que participaram ou concorreram para o cometimento de crime hediondo, que ceifou a vida de pessoas que não sabiam ao menos o motivo pelo qual estavam sendo perseguidas e mortas.

 

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