Conta da incúria fiscal já chega para Lula
O Globo
Desaceleração da economia resulta da política
de curto prazo, baseada no gasto público e no crédito fácil
Começa a chegar a conta do populismo econômico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É o que mostra a desaceleração do crescimento exposta nos últimos números do Produto Interno Bruto (PIB). Alavancar a expansão econômica com incentivos ao consumo e aumento desenfreado do gasto público é uma fórmula que já se mostrou equivocada no passado. Infelizmente o PT insiste em cometer os mesmos erros. Invariavelmente ela resulta em pressão inflacionária, e o Banco Central (BC) precisa aumentar os juros para tentar conter a alta dos preços. Quando isso acontece, não demora para a economia frear. São evidentes as limitações dessa política de voo curto. O esgotamento do modelo de crescimento era questão de tempo. Faltando pouco mais de um ano para a eleição presidencial de 2026, o cenário econômico se desenha mais desafiador para Lula que o imaginado.
O PIB cresceu 0,4% entre abril e junho, desaceleração forte ante o 1,3% registrado nos primeiros três meses do ano. O impulso da agropecuária perdeu fôlego e, para completar, os investimentos e o consumo sentiram o efeito dos juros altos. Depois de seis altas consecutivas, o investimento recuou 2,2%. O crescimento do consumo das famílias caiu à metade, para 0,5%. Tudo somado, a demanda doméstica (que também inclui consumo do governo) caiu 0,2% no segundo trimestre. Entre janeiro e março, crescera 1,2%.
Pródigo em gastança, o governo Lula deverá
provocar, ao longo dos quatro anos de mandato, aumento de 10 pontos percentuais
na dívida pública, que alcançará 82% do PIB no ano que vem, muito acima da
média dos países emergentes. Regras fiscais frouxas e o emprego de artimanhas
contábeis, como a retirada de despesas do cálculo das metas de ajuste, aumentam
o buraco das contas públicas. Ao continuar estimulando a economia de todas as
formas, o governo contribui para inflar as expectativas de inflação. Não havia
alternativa para o BC a não ser o aperto monetário. De setembro do ano passado
a junho, a taxa básica de juros, a Selic, sofreu sete aumentos consecutivos, de
10,5% para 15%. Quando os analistas passaram a acreditar na desaceleração do
PIB, as previsões de alta de preços passaram a sugerir queda. Os dados do
terceiro trimestre comprovam o acerto desse movimento.
O sucesso da política monetária não apaga os
erros do governo, maior responsável por juros reais próximos de 10%. Julho
registrou o maior índice de inadimplência das famílias brasileiras com renda de
até três salários mínimos em mais de dois anos. Quatro em dez estão com dívidas
em atraso, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo. Essas famílias são as mais afetadas pelo aumento do custo das dívidas.
Também perdem com os ciclos de alta e baixa da economia provocados pela
política centrada no curto prazo. Enquanto o governo não abandonar a crença de
que gasto é vida, o crescimento sustentado do PIB continuará escapando dos
brasileiros. É difícil, porém, acreditar que Lula resista à tentação de dobrar
a aposta na gastança para aumentar suas chances na campanha à reeleição.
Quanto mais transparência nas emendas
parlamentares, melhor
O Globo
Dino faz bem em insistir nos critérios de
controle que impôs. Não há como transigir com gasto público
Termina nesta semana o prazo concedido pelo
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino para que o Tribunal de
Contas da União (TCU) apresente os planos de trabalho relativos a emendas
parlamentares individuais de 2020 a 2024, somando R$ 694,7 milhões. Tais
emendas, enviadas diretamente ao caixa dos entes federativos beneficiados, sem
justificativa nem controle, ficaram conhecidas como “emendas Pix”. Dino ainda
determinou que a Polícia Federal (PF) instaurasse inquérito para investigar
suspeitas de desvio. Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU)
revelou que, no ano passado, “emendas Pix” foram usadas para financiar festas,
micaretas e corridas de automóveis. Elas também podem ter irrigado esquemas de
corrupção e o caixa dois de campanhas eleitorais.
É certo que houve avanço na transparência
dessas emendas, como determinado em decisões anteriores do Supremo. Das 8.263
sem registro de plano em fevereiro, restam apenas 964. Mesmo assim, os
parlamentares continuam resistindo a cumprir as exigências de transparência e
rastreabilidade impostas por Dino — o mínimo para que se tenha algum controle
sobre a distribuição dos recursos. Levantamento do GLOBO constatou que, de 525
pedidos de transferência bloqueados — somando R$ 306 milhões —, mais da metade
(358) foi protocolada por PL, União Brasil, PP, Republicanos, PSD e MDB. Entre
os beneficiários de emendas retidas está até o presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB) — R$ 396 milhões travados, para uma obra no município
paraibano de Boa Ventura. Políticos costumam reclamar das novas exigências de
mais informações sobre o uso dos recursos feitas por Dino. Mas, quanto mais
informações sobre o destino do dinheiro público, melhor. Não pode haver
exceções.
Até dezembro de 2022, quando o Supremo
decretou que as emendas do relator eram inconstitucionais, a remessa crescente
de recursos do Tesouro para bases eleitorais tinha pouca ou nenhuma
transparência. Ao mesmo tempo, o montante distribuído explodia. Em 2010, as
emendas equivaleram a aproximadamente R$ 7,9 bilhões. Neste ano somam R$ 50,4
bilhões, e há previsão de R$ 40,8 bilhões no ano que vem. Não há país onde
parlamentares controlem quase 25% dos gastos não obrigatórios. Nos Estados
Unidos, as emendas parlamentares representam 0,25% do Orçamento total. No
Brasil, quase o quádruplo disso, ou 0,95%. Pelo menos, diante da pressão, o
Congresso aprovou medidas saneadoras, entre elas a regra segundo a qual as
emendas não poderão crescer mais que as despesas discricionárias.
Mas isso ainda é pouco. São conhecidas as distorções provocadas pela distribuição desses recursos segundo critérios paroquiais, em vez de políticas públicas embasadas tecnicamente. O pior de tudo, porém, é a falta de transparência. Trata-se de requisito básico quando está em jogo o gasto público. Por isso Dino faz bem em insistir nos critérios de controle que impôs. Não há como transigir.
Valor Econômico
Uma redução mais intensa do ritmo de
crescimento da economia é aguardada para o segundo semestre, mas isso não está
assegurado
A economia brasileira está crescendo a uma
menor velocidade, mas ainda exibe bom vigor. O PIB avançou 0,4% no segundo
trimestre do ano ante o trimestre anterior, 2,2% ante o mesmo período de 2024,
3,2% quando se comparam quatro trimestres com os anteriores e 2,5% no ano. Uma
redução mais intensa desse ritmo é aguardada para o segundo semestre, mas isso
não está assegurado. Para obter uma queda consistente da inflação e conduzi-la
à meta de 3%, juros reais de quase 10%, os maiores desde 2006, precisariam
induzir a uma expansão de 2%. Não conseguiram até agora.
O crescimento reduziu-se a menos da metade do
1,3% do primeiro trimestre, mas o resultado foi um pouco superior a 0,3% da
mediana das estimativas de 80 bancos e consultorias feitas ao Valor. O
desempenho da agricultura foi mais vigoroso que o esperado e, em vez de queda
de 1,7%, ela foi de 0,1%. Nos dois trimestres, cresceu 10,1% e só passará a
pesar negativamente nos cálculos a partir da segunda metade do ano. O consumo
das famílias, com evolução de 0,5%, e o de serviços, com 0,6%, também superaram
as expectativas.
A demanda doméstica, que engloba o consumo
das famílias, do governo e os investimentos, menos os estoques, foi negativa em
0,2%, estimou Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para a América
Latina do Goldman Sachs. O setor externo, porém, contribuiu positivamente com
0,7 ponto percentual para o resultado, o que não tem sido usual, devido à
redução das importações acima do esperado, de 2,9% na comparação com o
trimestre anterior. É possível que o setor externo volte a retirar energia do
PIB nos trimestres seguintes, se a economia esfriar e diminuir o ímpeto das
compras externas. Mas é possível também que, com o tarifaço do presidente
Donald Trump e a perda esperada de dinamismo da economia americana, as
exportações brasileiras não tenham boa performance.
Os serviços, setor que tem puxado a inflação
para cima ou a impedido de cair rapidamente, continua em expansão. Cresceu em
relação ao primeiro trimestre (0,4%) e exibe avanço de 2% tanto na comparação
anual quanto no desempenho do semestre. Há lenta desaceleração quando se
considera o período de quatro trimestres, de 3,3% no início do ano para 2,9%
agora. Ainda assim, quando se consideram todos os períodos de comparação
utilizados, de cada cinco segmentos que ultrapassam a média do PIB, três deles
são de serviços. Nos quatro trimestres encerrados em junho, as atividades de
informação e comunicação foram as de maior expansão (6,8%), acompanhadas por
outros setores de serviços (4%) e atividades financeiras.
Outras atividades de serviços são um
termômetro importante. Além de ter o maior peso no setor (17,5%), seu dinamismo
depende diretamente do comportamento dos salários. Tanto os serviços, quando o
PIB é visto como produção, como o consumo das famílias, quando visto como
demanda, mantêm avanço ainda robusto por vários motivos. O mais importante
deles é o mercado de trabalho aquecido, com a mais baixa taxa de desemprego da
série histórica. A massa salarial tem crescimento real de 3% em um ano, e os
salários, um pouco menos que isso. Programas e benefícios sociais não tiveram
arrefecimento, e a correção do salário mínimo pela evolução do PIB de dois anos
antes tem propiciado reajustes superiores a 7% no governo Lula.
Enquanto o mercado de trabalho só deve perder
força aos poucos, o crédito, que também nutre o consumo, começou a se retrair
mais recentemente. No entanto, isso não foi captado no PIB do segundo
trimestre, assim como a possível desaceleração das exportações com a barreira
tarifária erigida por Trump no mercado americano. Esses fatores poderão ter
peso agora, ao lado de outros, expansionistas. O governo, diferentemente de
2024, quando pagou precatórios no primeiro semestre, deixou este ano para
fazê-lo em julho, quitando R$ 63,3 bilhões. Parte desses recursos se
transformará em consumo ao longo do ano.
A mediana das estimativas de bancos e
consultorias para o PIB do ano é de 2,2%. O resultado do segundo trimestre
sugere que ele pode ser maior. Se a economia não crescer nos dois trimestres
restantes, o PIB de 2025 será de 2,4%, taxa nada desprezível diante de juros
básicos de 15%. Ao decidir mantê-los por um período prolongado de tempo, o Banco
Central estimou que a economia só estará crescendo abaixo de seu potencial em
2026 — para o segundo trimestre, calculou um hiato positivo de 0,5%.
A dificuldade de uma taxa de juros enorme para derrubar a inflação decorre da política fiscal expansionista, que pode se intensificar quanto mais se aproximam as eleições. De janeiro de 2023 até julho de 2025, o resultado primário acumulado do governo Lula foi um déficit de R$ 361,4 bilhões, 3% do PIB, um potente estímulo às atividades. O PIB do segundo trimestre mostrou que os juros surtem o efeito pretendido, mas para que ele seja pleno, e se possível rápido, para evitar danos fortes, precisa do auxílio da contenção dos gastos públicos. O estímulo fiscal é menor no ano até agora, e o governo fará um bom serviço se não tentar impedir que a economia cresça menos e que a inflação caia.
Desaceleração do PIB é necessária neste
momento
Folha de S. Paulo
Perda de ritmo eleva chance de BC reduzir
juros de 15%, que tornam urgente contenção de gastos de Lula
Encargos financeiros da União subiram de R$ 500 bilhões para R$ 840 bilhões ao ano. Tal diferença pagaria dois anos do Bolsa Família
Surpresa não foi a atividade
econômica brasileira ter perdido ritmo no segundo trimestre
deste ano, conforme divulgou o IBGE nesta
terça-feira (2). Surpreendentes de fato foram sucessivos resultados positivos a
partir de 2021, depois de superado o pior momento da pandemia de Covid-19.
Nesse período recente, o desempenho da
produção e da renda superou
as expectativas de analistas e o padrão de semiestagnação dos três anos
anteriores à crise sanitária, que sucederam a recessão brutal de 2014-16 produzida
por Dilma
Rousseff (PT).
Não é que tenha havido algum milagre. É
razoável supor que reformas como a trabalhista e novas regras para
investimentos em infraestrutura, além de avanços tecnológicos, tenham
contribuído para a melhora, embora ainda faltem estudos conclusivos a esse
respeito. Mais claro, porém, é que a economia tem
sido forçada além de sua capacidade.
Assim indica a persistência da inflação,
que voltou a subir em 2024 e forçou o Banco Central a
elevar seus juros de
já excessivos 10,5%, há um ano, para os
atuais e cavalares 15% anuais.
A aceleração dos preços, por usa vez, é
decorrência previsível da ampliação de gastos públicos promovida no final do
governo Jair
Bolsonaro (PL) e radicalizada por
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) antes mesmo de sua posse.
A tarefa dos juros, em português claro, é
dificultar o consumo e o investimento, de modo que a queda da demanda tire o
fôlego de uma inflação que está acima dos 5% em 12 meses, ante uma meta de 3%.
A política monetária seria menos sufocante se tivesse a ajuda da política
fiscal —mas Lula não quer ouvir falar em controle da despesa.
Em tal cenário, não se pode considerar mau
resultado a alta de 0,4% do Produto Interno Bruto no segundo trimestre, bem
abaixo do 1,3% do primeiro. O desaquecimento, que não sugere uma guinada
traumática, é necessário e, pela lógica, deve continuar por algum tempo.
Assim, aumentam as chances de o BC iniciar
mais rapidamente o corte dos juros, que hoje impõem peso descomunal sobre a
dívida pública. Na atual gestão, os encargos financeiros do governo federal
subiram de R$ 500 bilhões para R$ 840 bilhões ao ano. A diferença é suficiente
para pagar dois anos do Bolsa Família.
O país incorreu, mais uma vez, no erro de
usar o gasto público como um atalho para o crescimento econômico —que deve
estar baseado em um bom ambiente para investimentos, criação de empregos e
avanço da produtividade. A próxima
administração herdará uma conta pesada.
Quanto mais se insistir na receita, piores
serão os ajustes inevitáveis que estão por vir. As regras fiscais terão de ser
revistas para conter uma dívida pública que caminha para 80% do PIB, e é melhor
fazê-lo com inflação sob controle. A urgência de cortar gastos e elevar juros
ao mesmo tempo gerou salto do desemprego e da pobreza dez anos atrás.
Erro de cálculo político ainda pesa sobre
Macron
Folha de S. Paulo
Francês pode perder mais um premiê e ter de
convocar pleito, acirrando crise capaz de afetar economia
Bayrou, primeiro-ministro, se vê acuado pela
mesma razão que levou à queda do antecessor: a austeridade do projeto de
Orçamento de 2026
Quando reconheceu o erro de ter antecipado as
eleições parlamentares para junho de 2024, o presidente da França, Emmanuel
Macron, acrescentou uma nota de humildade a seus atributos. Mas, sem
antídotos para a crise política instalada desde então, tal equívoco ainda
fragiliza seu governo, agora exposto ao risco de novo pleito para a Assembleia
Nacional.
O centrista François Bayrou, empossado em
dezembro como premiê, será submetido a mais uma
moção de confiança do Parlamento na segunda (8). Será difícil
angariar apoios à direita e à esquerda para evitar a perda do cargo, que ocupa
há apenas nove meses. Se superar as expectativas, prosseguirá debilitado.
Clamores por novas eleições já emergem do
Reunião Nacional, partido de extrema direita que vem crescendo nos últimos
anos. Greves e manifestações convocadas pela esquerda para os próximos dias
podem afastar seus líderes de um conciliação e alimentar as pressões por outro
pleito.
Macron, de todo modo, está exposto à nomeação
de um novo premiê —a terceira em apenas 14 meses. A composição da Assembleia
Nacional desde junho, com blocos de centro, direita e esquerda não majoritários
e pouco afeitos ao diálogo, não garante longevidade a quem ocupar o posto.
Ademais, Bayrou se vê acuado pela mesma razão
que levou à queda do seu antecessor, Michel Barnier, cujo mandato durou só três
meses: o apoio ao projeto de Orçamento de 2026, que se baseia em maior
austeridade.
Por oportunismo político ou por convicção de
setores cegos à corrosão da economia francesa
devido ao aprofundamento do desequilíbrio fiscal, o projeto sofre oposição à
esquerda e à direita. Mas a dívida pública do país está em 114% do PIB, e o
déficit orçamentário previsto para 2025, de 5,4% do PIB, mantém-se distante da
meta europeia de 3%.
Bayrou teve o mérito de obter a aprovação
parlamentar do Orçamento para 2025, com € 50 bilhões em redução de despesas e
elevação da arrecadação. Seu projeto para para o ano que vem envolve um
ajuste fiscal de € 44 bilhões, como meio de derrubar o déficit a
4,6%, a partir de medidas potencialmente impopulares.
Macron apostara, em junho de 2024, na expansão das cadeiras de centro e do diálogo do legislativo com seu governo. Fracassou em seu objetivo e agora está diante de três possibilidades. Manter Bayrou ou substituí-lo são as menos ruins. Já novas eleições embutem os riscos do fortalecimento de bases extremistas e da desestabilização de uma das maiores economias do mundo.
As escolhas de Tarcísio
O Estado de S. Paulo
Ao dizer que não confia na Justiça, que ora
julga Bolsonaro, Tarcísio esquece sua obrigação, como governador e eventual
postulante à Presidência, de preservar as instituições democráticas
“Infelizmente, hoje eu não posso falar que
confio na Justiça, por tudo o que a gente tem visto”, declarou o governador de
São Paulo, Tarcísio de Freitas, em entrevista ao jornal Diário do Grande ABC a
propósito do julgamento de seu padrinho político, o ex-presidente Jair
Bolsonaro. É altamente problemático que a principal autoridade do Executivo
paulista, com pretensões de presidir a República, expresse desconfiança sobre o
Poder Judiciário.
Muito ainda pode ser e certamente será dito
sobre a qualidade do julgamento de Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, e é
evidente que o governador de São Paulo, como qualquer cidadão, tem o direito de
criticar as decisões daquela Corte. Mas, ao contrário dos cidadãos comuns, o
sr. Tarcísio de Freitas não pode, de maneira leviana, manifestar desconfiança
sobre o Judiciário, sugerindo que ali se tomam decisões políticas. Um chefe de
Executivo como o governador paulista deve saber que é seu dever preservar a
imagem das instituições democráticas, mesmo que se sinta contrariado. Uma
democracia em que reina a desconfiança sobre as instituições está a meio
caminho de sua ruína.
Portanto, se ao sr. Tarcísio de Freitas
interessa que a democracia seja fortalecida – e não há nenhuma razão para
duvidar disso –, então ele deveria se empenhar ao máximo para que o Supremo
seja visto como essencial na sustentação do Estado Democrático de Direito, e
não como uma Corte que persegue seu padrinho político em razão de interesses
políticos inconfessáveis, como o governador parece sugerir.
Deslegitimar o Supremo é algo próprio dos
liberticidas bolsonaristas, mas jamais deveria sair da boca de um chefe de
governo com responsabilidade diante do Brasil e da Constituição. Compreende-se
a necessidade de Tarcísio de conquistar o eleitorado de Bolsonaro, mas, se o
preço desse apoio é a desmoralização da democracia, o governador deveria se
recusar a pagá-lo.
Infelizmente, contudo, o sr. Tarcísio de
Freitas não só investe na tese da desconfiança a respeito do Supremo, como
prometeu que, se chegar à Presidência, seu “primeiro ato” será indultar
Bolsonaro. Ou seja, o governador considera que não há nada mais importante e
urgente no País do que livrar o padrinho da cadeia, a despeito de todas as
evidências de que o ex-presidente tramou contra a democracia.
Não é de hoje que o governador paulista tenta
caracterizar o perdão a Bolsonaro como resultado de um acordo político com
vista a “pacificar” o País. Na entrevista, disse que uma eventual anistia é
“prerrogativa do Congresso” para construir uma “solução política”. Ora, em
primeiro lugar, não há nada a ser “pacificado” no Brasil. O que há são os
inconformados com a democracia, que há tempos tentam criar as condições para
uma conflagração que lhes dê a oportunidade de consumar o tão desejado golpe.
Essa turma, que ora conta com a simpatia do
governador de São Paulo, fez e faz campanha sistemática para desmoralizar o
sistema de votação, atiçou caminhoneiros para fechar estradas e prejudicar a
economia do País após a derrota de Bolsonaro em 2022 e invadiu as sedes dos
Três Poderes para forçar um confronto que, em seus delírios, resultaria na tão
desejada intervenção militar que destituiria o presidente Lula da Silva. Agora,
pediu a uma potência estrangeira, os EUA, que castigasse o Brasil e os
ministros do Supremo para impedir que Bolsonaro seja preso. A estes não pode
ser reservada nenhuma condescendência. A impunidade para os golpistas,
defendida pelo sr. Tarcísio, essa sim, teria o condão de conflagrar o País. Só
a condenação exemplar de quem atentou contra a democracia fará o Brasil superar
esta tenebrosa etapa de sua história. Não pode haver acomodação, sob qualquer
pretexto – ingênuo ou cínico.
O governador Tarcísio, bem como os demais
postulantes conservadores à Presidência, precisam urgentemente se descolar de Bolsonaro,
caso queiram ser vistos como genuínos democratas. É preciso restabelecer os
limites morais do que é permitido fazer para ganhar uma eleição. Parte do
eleitorado pode ter se deixado seduzir pelo espalhafato dos golpistas e dos
oportunistas craques em redes sociais, mas o Brasil só avançará de fato quando
elegermos um presidente que tenha princípios e não abra mão deles em troca de
um punhado de votos.
Mais um Orçamento ficcional
O Estado de S. Paulo
Com receitas superestimadas e uma expectativa
de despesas muito otimista, governo apresenta Orçamento com previsão de
superávit, mas que permite um déficit de até R$ 23,3 bi já de saída
O governo Lula da Silva enviou na semana
passada ao Congresso sua proposta de Orçamento para o ano que vem, ato que
representa mais um cumprimento formal de suas obrigações constitucionais do que
um plano de voo consistente sobre receitas e despesas. Já faz algum tempo que a
peça orçamentária mais parece ficção que realidade, e desta vez não foi
diferente. Há, como sempre, muito otimismo com a possibilidade de obter
recursos extraordinários e certa modéstia ao estimar os gastos da União, sobretudo
num ano eleitoral, a ponto de a peça prever um superávit primário de 0,25% do
Produto Interno Bruto (PIB), equivalente a um saldo positivo de R$ 34,5
bilhões.
Na prática, no entanto, o Orçamento, já de
saída, permite um déficit de R$ 23,3 bilhões, pois o governo poderá descontar
R$ 57,8 bilhões em despesas que não serão contabilizadas nas regras fiscais,
como uma parte dos precatórios, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF).
A situação piora quando se considera que,
para chegar a esse número, o governo contará com receitas incertas de quase R$
146 bilhões. Nessa rubrica estão a arrecadação prevista com leilões de petróleo
(R$ 31 bilhões), dividendos pagos por empresas estatais à União (R$ 54
bilhões), acordos de renegociação de dívidas de contribuintes (R$ 20 bilhões) e
um corte de 10% em benefícios fiscais – medida que precisará do aval do
Congresso para entrar em vigor. Não é preciso ser pessimista para colocar em
xeque ao menos uma parte dessas ações.
O Executivo, até agora, não conseguiu nem
aprovar uma medida provisória enviada em junho ao Congresso, com a qual prevê
arrecadar R$ 20,87 bilhões. A proposta eleva a tributação sobre bets, acaba com
a isenção de debêntures incentivadas de infraestrutura, Letras de Crédito
Imobiliário (LCIs) e do Agronegócio (LCAs), aumenta a Contribuição Social sobre
o Lucro Líquido (CSLL) de fintechs e reduz as compensações tributárias.
Os benefícios fiscais concedidos pela União
estão estimados em R$ 612 bilhões, mas obter apoio do Legislativo para reduzi-los
de maneira linear e ampliar a arrecadação não será fácil. Alguns dos itens que
lideram os gastos tributários estão fora do alcance da proposta, caso da Zona
Franca de Manaus e do Simples Nacional.
Mas, para o governo, o projeto protocolado na
sexta-feira passada pelo líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), de
certa forma já cumpriu seu principal objetivo. Embora não haja acordo para
aprová-lo e haja outra proposta em negociação no Congresso, sua mera existência
já permitiu ao Executivo incluir R$ 19,8 bilhões no Orçamento.
Quanto às despesas, basta dizer que o salário
mínimo, piso para o pagamento de aposentadorias, pensões, abono salarial,
seguro-desemprego e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), alguns dos
principais gastos obrigatórios da União, deve aumentar 7,44%, de R$ 1.518 para
R$ 1.631.
É improvável que deputados e senadores se
deem por satisfeitos com a dotação de R$ 40,8 bilhões em emendas parlamentares
e de R$ 1 bilhão para o Fundo Eleitoral. A título de comparação, a peça orçamentária
deste ano reservou R$ 50,4 bilhões para emendas, bem mais que os R$ 38,9
bilhões que o governo havia previsto.
Esse valor diz respeito apenas a emendas
individuais e de bancada estadual, mas não inclui as emendas de comissão, que
substituíram as antigas emendas de relator e o chamado “orçamento secreto” e
que devem chegar a R$ 12,1 bilhões. Da mesma forma, o Fundo Eleitoral de 2024,
para o qual o governo havia previsto R$ 939,3 milhões, acabou ficando com R$
4,9 bilhões – e isso apenas para as eleições municipais.
Em resumo, trata-se de uma proposta que
reforça a incapacidade do arcabouço fiscal em limitar o avanço das despesas,
reequilibrar o Orçamento, conter a trajetória da dívida pública, reduzir a
inflação e criar condições para a redução dos juros no País. Também foi assim
com o antigo teto de gastos, com a diferença de que a finada âncora fiscal
vigorou por seis anos, e a expectativa é de que o arcabouço dure apenas quatro.
É preciso proteger o Pix
O Estado de S. Paulo
Ataques hackers podem corroer a credibilidade
do sistema. Urge tomar providências
A Sinqia, uma das principais empresas de
infraestrutura bancária do País, confirmou ter sofrido um ataque hacker no
ambiente em que opera transações Pix, agora temporariamente desconectado do
Banco Central (BC). De acordo com o portal NeoFeed, o primeiro a revelar a
informação, os valores desviados podem chegar a R$ 1 bilhão. Inicialmente, o
ataque teria permitido o roubo de algo como R$ 400 milhões de contas do HSBC,
desviados para laranjas. O banco afirmou que nenhuma conta de cliente ou fundos
foram impactados. Além do HSBC, a fintech Artta também confirmou ter sofrido um
ciberataque, mas, tal qual o banco, garantiu que as contas dos clientes não
foram acessadas.
Somente o avanço das investigações, ainda em
curso, permitirá saber tanto o real montante desviado como quantas instituições
financeiras foram atingidas, mas, como a Sinqia está conectada a muitas
empresas, acredita-se no mercado financeiro que os hackers não focariam apenas
no HSBC e na Artta.
Trata-se do segundo episódio, em dois meses,
que envolve desvios estimados em cerca de R$ 1 bilhão cada de empresas
conectadas ao sistema Pix do BC.
No caso anterior, criminosos com login de
acesso à fornecedora de infraestrutura bancária C&M Software transferiram
recursos de clientes da empresa para contas de criptoativos, o que dificulta o
rastreio do dinheiro. Nesse aspecto, o ataque à C&M difere do da Sinqia,
mas de um modo geral a estratégia dos criminosos é semelhante. Como os grandes
bancos têm segurança robusta e conseguem se conectar diretamente com o Sistema
de Pagamentos Brasileiro (SPB) – o regulador do BC para as transações
brasileiras –, os bandidos miram em empresas intermediárias que prestam
serviços tecnológicos para instituições financeiras de menor porte.
No caso da C&M, a polícia prendeu um
funcionário da empresa que teria vendido login e senha dos sistemas da C&M
para bandidos. Mais do que a identificação e a punição dos criminosos por trás
desses ataques, contudo, é preciso aprimorar a regulação de modo que esses
eventos não se repitam.
Extremamente popular no Brasil e invejado até
por grandes empresas globais de serviços financeiros, o Pix caiu no gosto
popular porque facilita a vida de pessoas e de empresas. Mas inovações digitais
também têm apelo entre os criminosos, já que eles não precisam trocar tiros com
a polícia e enfrentar segurança pesada para roubar montantes consideráveis.
Não é só no Brasil que instituições
criminosas se valem de oportunidades no mundo digital para operar ilícitos. Mas
seria uma pena que o Pix, uma das maiores inovações já criadas por brasileiros,
fosse vítima de seu próprio sucesso.
O sistema de pagamentos que mudou a cara das
transações bancárias no Brasil precisa ser preservado, o que passa por
constante renovação e aprimoramento da regulação dos entes financeiros que dele
fazem parte.
Especialistas defendem critérios mais rígidos
para a contratação de provedores terceirizados conectados ao sistema Pix, bem
como a aderência a padrões internacionais de cibersegurança. Da parte do BC,
esperam-se regras mais rígidas, e das empresas, reforço das ações de segurança.
Lamentáveis, os ataques à C&M e à Sinqia também são uma oportunidade para que o Pix seja cada vez mais seguro.
Bons ventos da economia pedem maior justiça
social
Correio Braziliense
O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu no
Brasil pelo 16º trimestre consecutivo.É hora de o Brasil discutir de maneira
séria uma revisão do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF)
Pelo 16º trimestre consecutivo, o Produto
Interno Bruto (PIB) cresceu no Brasil, mostrou ontem o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). O dado referente ao período abril-junho é de
alta de 0,4%, a partir de uma movimentação de R$ 3,2 trilhões. Trata-se do
maior nível da série histórica, iniciada em 1996. Também supera ligeiramente a
estimativa do mercado financeiro, que projetava crescimento de 0,3% — apesar de
o resultado ser bem inferior ao trimestre anterior, fechado com expansão de
1,3%.
Na prática, desde o segundo trimestre de
2021, não há recuo na variação trimestral do PIB no Brasil. À época, o país
ainda vivia o impacto da pandemia da covid-19. Certo é que os bons ventos da
economia abrem precedente para maturação sobre a discussão acerca da
distribuição de riquezas, em prol da diminuição da desigualdade social. Se a
economia expande, o Estado tende a ter mais mecanismos para promover justiça
financeira para os mais pobres.
O foco do país, nesta semana, é o julgamento
da cúpula acusada de tentar um golpe contra a democracia, protagonizado pelo
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O julgamento, evidentemente, pausa a capital
federal, mas o Poder Legislativo precisa priorizar pautas de interesse da
sociedade em vez de tentar pressionar os ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF) — seja pela absolvição ou pela condenação dos réus.
Diante dos bons ventos da economia, é hora de
o Brasil discutir de maneira séria uma revisão do Imposto de Renda da Pessoa
Física (IRPF). A proposta do governo no Projeto de Lei 1.087/2025 é de fixar a
alíquota em 10% para os super-ricos — o que diminui desigualdades, mas ainda de
maneira tímida em relação à diferença entre os patrimônios dessa camada para o
restante da população. A elevação da alíquota para 10% ajuda, mas não alavanca
a redução de impostos para os mais pobres na proporção desejada.
Se o texto não é perfeito, ele ainda promove
alguma mudança na ponta. O foco número 1 do país deve ser a promoção da justiça
tributária. Não há disputa política agora, ou em 2026, que justifique a falta
de avanço na tramitação do projeto enviado pelo governo — ainda que as
diferenças ideológicas no Congresso sejam profundas.
Desde abril deste ano, a matéria está pronta
para ir ao plenário da Câmara dos Deputados. A expectativa fica agora para o
presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), que precisa encarar a questão
com a seriedade necessária. Sob críticas da população, sobretudo diante do
enorme espaço ocupado pelas emendas parlamentares no orçamento público e do
cada vez maior fundo partidário para financiamento de campanhas, o Congresso
tem nas mãos a oportunidade de melhorar sua imagem com a sociedade.
A elite brasileira deu vários exemplos de resistência à diminuição da desigualdade, inclusive a partir do inevitável lobby nos corredores de Brasília, mas não há justificativa honesta para não equilibrar, ainda que apenas um pouco, a balança do Imposto de Renda. A mudança precisa vir agora, mesmo diante do momento político conturbado do Brasil.
Júri absolve sete réus da Chacina do Curió
O Povo (CE)
"Os policiais militares tinham o dever
legal e podiam agir para evitar a tragédia, mas nada fizeram", afirma o
Ministério Público ao justificar recurso ao Tribunal de Justiça
A absolvição de sete réus durante o quarto
julgamento do crime que ficou conhecido como Chacina do Curió, bairro na região
da Grande Messejana, levou o Ministério Público do Ceará (MPCE) a recorrer da
decisão da 1ª Vara do Júri da Comarca de Fortaleza. Em quatro das cinco etapas
do julgamento do crime, desde 2023, foram absolvidos 21 PMs e seis acabaram
condenados.
"O resultado deste júri não era o
esperado pelo Ministério Público e, por isso, interpomos recurso para ser
julgado pelo Tribunal de Justiça", afirmou o procurador-geral de Justiça,
Haley Carvalho. Ele acrescentou que, em todas as fases, houve recursos e os
processos ainda serão apreciados pelo Tribunal da Justiça do Ceará (TJCE).
O julgamento é resultado do crime cometido
entre a noite do dia 11 e madrugada do dia 12 de novembro de 2015, quando pelo
menos 12 viaturas da Polícia Militar e dezenas de PMs invadiram o bairro em uma
expedição punitiva, que atingiu moradores indistintamente. Durante a ação
criminosa, foram assassinadas 11 pessoas, a maioria jovens. Nove vítimas tinham
entre 15 anos e 22 anos; os outros dois tinham 40 anos e 41 anos.
A ação, completamente ilegal e conduzida à
revelia do comando da PM, deu-se como vingança pelo fato de um policial ter
sido assassinado no bairro. Porém, o crime, praticado por um assaltante, nada
tinha a ver com as pessoas assassinadas, algumas arrancadas de dentro de casa e
executadas à vista de familiares.
O julgamento foi acompanhado por integrantes
do Movimento Mães do Curió, formado após a chacina, para pedir justiça para
filhos e netos mortos na ação da PM. Suderli Lima, mãe de uma das vítimas, com
17 anos à época do crime, disse que elas não têm "sentimento de
vingança" contra a PM, mas demonstram descontentamento com algumas
absolvições.
Segundo o Ministério Público, os réus
absolvidos compõem o "núcleo da omissão" da Chacina do Curió.
Conforme a denúncia do MPCE, "os policiais militares tinham o dever legal
e podiam agir para evitar a tragédia, mas nada fizeram", havendo provas suficientes
para a condenação.
Em vista da gravidade do caso, considerada a
maior chacina na história de Fortaleza, age corretamente o Ministério Público
ao recorrer ao Tribunal de Justiça, pois é necessário que o processo seja
analisado com a maior acuidade possível.
É fato que não se pode condenar um eventual
inocente, mas também não pode ficar sem punição aqueles que participaram ou
concorreram para o cometimento de crime hediondo, que ceifou a vida de pessoas
que não sabiam ao menos o motivo pelo qual estavam sendo perseguidas e mortas.
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