terça-feira, 11 de novembro de 2025

A quem interessa enfraquecer a Polícia Federal, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Na condição de relator do PL Antifacção, Derrite se prestará a ser um biombo para interesses parlamentares contra o combate ao crime organizado

 O deputado Guilherme Derrite (PL-SP) foi anunciado relator do PL antifacção no início da noite da sexta-feira. Duas horas depois, apresentou seu relatório. Foram tantas as mudanças no texto do Executivo que houve, nos três Poderes, quem tivesse a impressão de que o relatório estava pronto à espera de quem encarasse a tarefa.

O deputado havia se desincompatibilizado da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo para relatar o projeto do deputado Danilo Forte (União-CE) que equipara facções criminosas a organizações terroristas. Depois que ficaram claras as chances de o carimbo do país como abrigo de terroristas pressionar juros e dificultar o acesso a crédito e à atração de investimentos, este PL entrou no limbo e Derrite foi alocado para a relatoria do projeto governista.

Junto com ele, migraram também as intenções de quem pretende usar um tema de forte apelo popular para proteger seus próprios interesses. Isso ficou claro na mudança mais substantiva do relatório que é aquela que condiciona a participação da Polícia Federal na investigação e repressão do crime organizado à anuência do governador do Estado.

Derrite é candidato ao Senado, o que não compromete sua escolha como relator. A maioria dos que compõem a CPI do crime organizado também o é. O Congresso é uma casa política e é natural que isso aconteça. O parlamentar já entrou nessa como favorito na disputa pelo Senado. O deputado justificou a tornozeleira na PF com o argumento de que as policiais locais é que têm experiência no combate ao crime organizado. O fato é que a mudança mostra que sua escolha para relator se presta a um biombo de interesses.

Se a disposição primeira fosse o aprimoramento da legislação anticrime não teria apresentado seu relatório antes de discuti-lo, pelo menos, com o secretário nacional de Segurança Pública. Por mais de um ano, Mario Sarrubbo, na condição de procurador-geral de Justiça de São Paulo, coabitou, com Derrite, a cúpula das instituições responsáveis pelo combate ao crime organizado no Estado.

Ao tirar a PF do crime organizado, o Congresso está, na verdade, blindando a si mesmo. Das ações em curso no STF à Operação Carbono Oculto, emergiram indícios de que emendas parlamentares e crime organizado não apenas estão imiscuídos na estrutura política de municípios como lavam dinheiro nas mesmas fintechs.

Basta ver o que aconteceu dois dias antes de Derrite ser escolhido relator e apresentar seu texto. Uma operação do Ministério Público e da Polícia Civil do Piauí constatou indícios de infiltração do PCC numa rede de postos de combustíveis naquele Estado, no Maranhão e no Tocantins. A operação, que adulterava combustíveis, se valia de fundos de investimento e fintechs de São Paulo para ocultar patrimônio.

Esta operação se concretizou graças ao compartilhamento de informações da Carbono Oculto, deflagrada pelo MPSP, Receita Federal, Polícia Federal e as Polícias Civil e Militar de São Paulo, com as autoridades policiais do Piauí, que vinham investigando o setor de combustíveis naquele Estado desde 2023. Um dos alvos de busca e apreensão da operação é um aliado do senador Ciro Nogueira (PP-PI).

O senador não comenta a operação, mas tem tido dificuldades de se desvencilhar de tudo isso desde que colocou sua assinatura em emendas que excluíam o setor de combustíveis do escopo do projeto do devedor contumaz. A Operação Carbono Oculto, que mostrou a relação de devedores contumazes do setor de combustíveis com o crime organizado, acabou tirando o PL do limbo no Senado. Por outro lado, levou a Câmara à aprovação da PEC da blindagem.

Todos os avanços legislativos nessa matéria têm acontecido à revelia da Câmara. O PL do devedor contumaz passou no Senado e estancou na Câmara. A PEC da blindagem passou na Câmara e foi barrada no Senado. E, agora, foi também na Câmara que encontraram um parlamentar para abrigar a retirada de cena da PF.

Depois de ter chegado à presidência da Câmara pelas mãos de Nogueira, de seu antecessor, o deputado Arthur Lira (PP-AL), e das articulações do ex-deputado Eduardo Cunha, Hugo Motta (Republicanos-PB) terá dificuldades, com uma gestão tão errática, de permanecer no cargo. Flerta com o governo, que também o ajudou a se eleger, mas não falta aos seus mentores insistindo em viabilizar, em todas as janelas de oportunidade, a blindagem do crime e, agora, a neutralização do principal órgão de repressão ao crime organizado no país.

A investida ainda teria como beneficiário o governador do Rio, Cláudio de Castro, que tentou, por meio da Procuradoria-Geral do Estado, anular um dos resultados da Operação Carbono Oculto, a interdição da Refinaria de Manguinhos, e terá que se ver agora com o inquérito instaurado pela Polícia Federal, a mando de Alexandre de Moraes.

Basta ver a lista de pedidos enviada nesta segunda pelo ministro ao governo do Rio - das imagens das câmeras corporais aos relatórios de inteligência da polícia civil do Rio que indicavam a presença dos alvos dos mandados de prisão no local da operação - para se concluir que o STF poderá ter em mãos fartos indícios de descumprimento, pelo governo e pelo chefe do Executivo, da ADPF 635, que determinou as condições a serem cumpridas pelas operações policiais nas comunidades.

O que ainda não ficou claro é como esta ofensiva do governo federal para defender as prerrogativas da PF pode vir a mobilizar a opinião pública ante a capacidade da direita de arregimentá-la no debate da segurança pública. Derrite já se disse admirador de Nayib Bukele, o presidente de El Salvador que fez despencar os homicídios com mudanças constitucionais que concentraram poderes ditatoriais na sua mão. Nada mais distinto do neo-federalismo radical do deputado, mas desde sua escolha para relator, explodiram buscas na internet sobre Bukele.

 

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