Folha de S. Paulo
Bolsonaro não criou a extrema direita, mas
ampliou sua expressão política e lhe infundiu um propósito comum
Ainda não se sabe no que se arrima o apoio
a Bolsonaro na faixa de 25%
a 30% dos brasileiros, segundo as pesquisas. O que se conhece, isso sim, é
a parcela vertebrada e loquaz de seus apoiadores. Cientistas sociais, a exemplo
de Angela
Alonso, Camila Rocha, Ester Solano, Isabela Kalil e Pablo Ortellado, têm
mapeado linhas de ação, formas de organização e visões de mundo da direita
extrema no país. Esta pode ser comparada a um arquipélago de ilhas diferentes
entre si, que, submersas, foram trazidas à tona pelo efeito combinado do
conflito político com a polarização da década passada e cujo espaço a
comunicação digital da atualidade expandiu.
As ilhas da extrema direita organizada são povoadas por grupos heterogêneos: libertários que reivindicam o porte de armas de fogo; mercadistas ultraliberais; conservadores possessos com a suposta dissolução dos costumes; fascistas pedestres ou motorizados; monarquistas perdidos no tempo; partidários de uma ordem capaz de prevalecer sobre a lei; patriotas para os quais o princípio da soberania nacional conta mais do que a defesa do ambiente; adeptos de uma edulcorada tradição ocidental em vias de desmanche; viúvas e viúvos do Brasil Grande do regime militar. Muitos são câmaras de eco de interesses de empresas, igrejas, corporações; outros, enfim, apenas vocalizam os ressentimentos e as frustrações que a realidade social sempre produz.
Bolsonaro não os criou mas ampliou sua
expressão política nacional, além de lhes infundir um propósito comum: a
destruição da democracia representativa e das instituições edificadas sob as
regras da Carta de 1988. Proporcionou-lhes, também, não exatamente um discurso
—algo muito acima do seu manejo da lógica e do idioma—, porém um conjunto de
comandos encharcados de ódio que cabem num tuíte, num cartaz de passeata ou
numa camiseta.
O americano Benjamin Teitelbaum, professor da Universidade do Colorado e autor de “Guerra pela Eternidade” —um notável estudo das virulentas cepas do tradicionalismo de Steve Bannon e Olavo de Carvalho—, certa vez perguntou ao brasileiro se acreditava que Bolsonaro entendia a sua convoluta teoria sobre os ciclos da história das sociedades. Messiânico, o olavismo prega que o fim da democracia contemporânea é condição para o retorno da humanidade a uma era de ouro. Com candura, o mentor do presidente respondeu que o importante era a sua grande força destrutiva, não o que consegue compreender. No próximo Dia da Pátria, esse poderio que nutre a raivosa direita extrema será posto à prova contra as instituições democráticas.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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