Folha de S. Paulo
Não pode haver opção mais baixa para um ser
humano. Mas, neste momento, há gente contando
"Tudo bem?", perguntou alguém a
uma amiga que, na véspera, cremara seu marido, vítima da Covid. O sujeito
deu-se conta imediatamente da gafe e, se pudesse, faria com que as palavras
voltassem correndo à sua boca para que ele as engolisse. Mas era tarde. A amiga
entendeu a situação e, simulando um sorriso que ajudasse a remediá-la,
respondeu que sim, tudo bem. O que, claro, não estava. O pior é que a pergunta
fora feita num tom grave, compassivo, de quem sabia pelo que ela passava. O
erro estava nas palavras.
Não há quem nunca tenha cometido esse automatismo verbal —a língua que se antecipa à mente, a fala sem pensar. Mas nunca esse automatismo foi tão cruel e constrangedor como agora. Em algum momento dos últimos 18 meses, todos já nos vimos diante de uma pessoa que acabara de perder ou estava perdendo alguém para a Covid e a saudamos com um estúpido "Tudo bem?". Tudo bem que essa frase venha de tempos mais amenos, mas por que não nos condicionamos a algo mais neutro e igualmente solidário, como um olhar ou abraço silencioso e terno?
Outra saudação que nos habituamos a fazer,
ao telefone ou a quem encontramos na rua, é "Tudo em paz?". É verdade
que, em qualquer época, esse cumprimento sempre foi perigoso. Ouvir um
"Tudo em paz?" quando se está em meio a uma crise conjugal ou a ponto
de estrangular o chefe soa péssimo. Mas, no momento atual do Brasil, o
"Tudo em paz?" só revela incrível alienação ou cínica má-fé.
Não está tudo em paz. Ao contrário, está-se
na iminência de uma guerra civil, insuflada por um criminoso que,
para salvar sua miserável pele, atreve-se a conflagrar o país. Um país em que
as instituições, por mais "sólidas", começaram a contar fuzis, e não
apenas tendo em vista o 7 de Setembro.
Bolsonaro já matou muita gente pela Covid.
Agora quer que seus seguidores peguem em armas e matem ou morram por ele. Não
pode haver opção mais baixa para um ser humano.
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