Valor Econômico
Adiamento de manifesto empresarial foi
crucial para Bolsonaro
A unidade frustrada de entidades
empresariais e financeiras na apresentação de um único manifesto em defesa da
ordem constitucional não poderia ter acontecido num momento melhor para o
presidente Jair Bolsonaro. Depois de já ter passado por cima de menos
aquinhoados pela virtude ou pela sorte, a boiada bolsonarista agora atropela também
o capital.
Por duas razões: o recuo das entidades
acontece no momento em que se afunila, sob as bênçãos dos Poderes, um
cambalacho nas contas públicas, e também quando se confirma mais uma frustração
nas expectativas de retomada econômica.
O manifesto dos empresários, apesar de não
fazer referência direta à conjuntura econômica, serviria para adensar o peso de
sua reação num momento de escalada golpista do bolsonarismo.
Ao colocar o ministro da Economia e os presidentes dos bancos estatais a serviço do desbaratamento da unidade do movimento, o presidente não é capaz de sufocar o azedume. Adia, porém, sua expressão para um momento em que espera estar vitaminado pela aposta que fez no 7 de setembro.
O alvo de Bolsonaro é a capacidade de
articulação empresarial para pôr na roda uma terceira via em condições de
tirá-lo da reta final de 2022.
A boiada parecia longe quando o governo
passou a faca na Previdência Social de 72 milhões de brasileiros, produziu recorde
de informalidade no mercado de trabalho, patrocinou o pior orçamento da
educação básica em uma década, registrou o menor número de inscritos no Enem
nos últimos 16 anos, fez liberação recorde de agrotóxicos, promoveu a maior
letalidade policial desde 2013 e paralisou a política habitacional para a faixa
de mais baixa renda e a demarcação de terras indígenas.
A centralidade do debate ambiental na
economia mundial fez tocar o alarme quando, no primeiro semestre de 2021, o
país se deparou com o pior desmatamento em uma década. A boiada se aproximava.
O galope da inflação, do juro de longo
prazo e do câmbio, a iminência da crise hídrica e, por fim, a queda do PIB no
segundo trimestre do ano acabaram por dar alguma concretude à expressão
“estouro da boiada”.
Nada, porém, alarmou mais as perspectivas
do que a negociação em torno das dívidas da União, os chamados precatórios. Foi
aí que se mostrou inútil a tentativa de fechar a cancela para resguardar os
interesses empresariais.
A consultoria legislativa da Câmara dos
Deputados e a IFI já mostraram os números. A proposta de parcelamento negociada
pelo ministro da Economia com o TCU, o presidente do Supremo Tribunal e os
presidentes da Câmara e do Senado, pode acumular esqueletos no armário no valor
de até R$ 1,4 trilhão até 2037, quando acaba o teto de gastos.
Reclamar do salto nas despesas com
precatórios é jogar por terra velha demanda nacional que é o aumento da
produtividade do Judiciário. Enfurnada na pandemia, a magistratura esvaziou
gavetas e multiplicou sentenças, devidamente anotadas pela AGU.
A instituição encarregada de defender a
União de seus cobradores foi chefiada, em grande parte do governo Bolsonaro,
por André Mendonça, candidato ao Supremo, instância máxima do cumprimento de
sentenças judiciais.
A saída para honrar as dívidas e pagar um
Auxílio Brasil turbinado sem derrubar o teto seria a redução das emendas de
relator, mas isso é capaz de fazer tremer o país mais do que 7 de setembro
bolsonarista.
O deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador
Rodrigo Pacheco (DEM-MG) encantam suas plateias engravatadas apesar de não
quererem nem ouvir falar em cortar emendas de relator, cuja execução condiciona
sua autoridade.
Tem sido assim desde a PEC Emergencial,
aprovada em março sem corte de gastos. A gastança prosseguiu com a privatização
da Eletrobras, custeada pelo contribuinte, e agora esbarrou numa reforma do
Imposto de Renda com risco de mais desembolsos da União.
Empresários e banqueiros despertaram da
conivência ao concluir que apesar de toda a gastança, o país ainda não havia
adquirido paz institucional, que dirá futuro para sua economia.
Se o manifesto “A Praça é dos Três Poderes”
é uma reação a este estado de coisas, permanece uma incógnita por que, em
determinado momento, seus signatários originais, entre os quais a Febraban,
resolveram entregar o comando de um movimento que chegou a abrigar 250
entidades, para a Fiesp. Mais precisamente para Paulo Skaf.
A rigor, Skaf nem presidente da Fiesp é
mais. Depois de 17 anos sob sua presidência, a Federação das Indústrias de São
Paulo elegeu, há dois meses, Josué Gomes da Silva, da Coteminas, para seu
lugar. Skaf permanece no cargo até dezembro para melhor definir seu futuro
político. No presente faz política contra o interesse de seus representados.
Foi isso que aconteceu com o manifesto
empresarial. Filiado ao MDB, Skaf move-se entre as pressões do governo sobre o
Sistema S e uma brecha na palheta de opções à direita num Estado em que
Bolsonaro ainda não tem um palanque para chamar de seu em 2022.
Parecia óbvio que havia vasos comunicantes
e poluentes entre os interesses envolvidos. Apesar disso - ou por causa -
conseguiu o mandato para comandar o manifesto. Seu maior feito até agora foi o
de adiar a divulgação do documento para depois do 7 de setembro abrindo brechas
para o governo desbaratar a iniciativa.
De maciça, a adesão da Febraban, por
exemplo, que havia sido tomada pelo voto de 14 dos 18 integrantes do conselho
da entidade, contra a vontade de dois (BB e Caixa) e a abstinência de outros
dois, se transformou em um racha.
A anunciada saída dos dois bancos públicos
da Febraban permanece como uma ameaça sem confirmação de um lado ou do outro.
Seu maior patrocinador, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, nunca abandonou
suas ambições políticas nem oportunidade de mostrar serviço ao chefe.
A Febraban contesta o recuo e mantém apoio
ao documento. Na impossibilidade de unir a todos os signatários poderia ter
tomado o mesmo rumo das entidades do agronegócio e encabeçado um documento à
parte do setor financeiro.
Preferiu se manter sob a liderança de Skaf
e aguardar a divulgação do documento no dia D e na hora H. Ponto pra Bolsonaro
e sinal verde para a boiada.
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