Folha de S. Paulo
Governo tem sido marcado por alterações nos
parâmetros do jogo político que produzem efeito duradouro no mandato
Eventos como a invasão da praça dos Três
Poderes, em janeiro de 2023, e a Guerra da Ucrânia são exemplos de acontecimentos
que impactam gestão
Lula 3 tem sido marcado por choques de natureza singular. Ao historiador do futuro não escapará esta singularidade embora alguns desses choques sejam eventos de grande importância histórica per se. Penso em choques não como em referência a variações conjunturais ou à volatilidade inerente ao sistema político, mas a mudanças estruturais — alterações nos parâmetros do jogo político que produzem efeitos duradouros ao longo do mandato e não decorrem da ação direta do governo ou de suas lideranças. São, portanto, choques exógenos, cujo impacto, positivo ou negativo varia conforme o evento.
O primeiro choque foi a invasão e
depredação da praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, logo
após a posse presidencial. Episódios dessa magnitude, ocorrendo no início de um
mandato, são raros. A principal consequência foi a produção de um efeito de
união nacional, que gerou ganhos políticos significativos para o governo e
impôs custos consideráveis a setores da oposição. O bolsonarismo foi
particularmente atingido.
O segundo choque resultou das revelações
sobre a conspiração militar. A sociedade assistiu, perplexa, à exposição de
detalhes de uma tentativa de golpe. Diferentemente do 8 de janeiro, cujos
efeitos principais se dissiparam em cerca de um ano, a divulgação da
conspiração teve um impacto mais profundo e prolongado, alterando de modo
estrutural a relação entre instituições e atores. A exposição levou ao
julgamento dos implicados, com exposição midiática ampla da trama, e condenação
inédita dos protagonistas.
Nem todos os choques, contudo, produziram
benefícios líquidos ao governo. A invasão da
Ucrânia, por exemplo, teve efeitos profundamente negativos:
interrompeu cadeias produtivas críticas, como as de combustíveis e
fertilizantes, gerando pressões inflacionárias. Mais importante, as gafes do
presidente — percebidas como equívocos diplomáticos — comprometeram relações
com parceiros estratégicos, especialmente a União Europeia. Esse terceiro
choque foi amplificado pelos eventos em Gaza, que produziram efeitos similares:
novas controvérsias diplomáticas, isolamento relativo e custos políticos
domésticos.
Outro episódio de caráter exógeno foi o
binômio tarifaço e
a interferência
dos EUA no julgamento de Bolsonaro. Esses eventos deflagraram novo e
importante efeito de união nacional e, reverteram a queda na avaliação do
governo. Assim, tratou-se de um choque duplamente exógeno — tanto por sua
natureza aleatória quanto por sua origem externa.
O quinto choque, a operação policial no
Complexo do Alemão, também pode ser interpretado assim pela amplitude de suas
repercussões. O episódio redefiniu os termos da competição política em
múltiplos níveis: primeiro, dissipou o otimismo gerado pelos desdobramentos
positivos das negociações com os EUA e pelo cessar-fogo em Gaza; segundo,
reorientou a agenda pública em direção à segurança e ao combate ao crime
organizado; finalmente, redefiniu a disputa eleitoral. Essa inflexão coincidiu,
entretanto, com a nomeação de Boulos para a Secretaria-Geral da Presidência —
movimento em direção radicalmente contrária à contenção de danos que o governo
terá que adotar.

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