sábado, 15 de novembro de 2025

Segurança não é só repressão, por Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

Políticas estritamente repressivas apenas aumentam a demanda por mais violência

É preciso integrar as políticas de segurança às demais políticas públicas

A Câmara dos Deputados ofereceu nesta semana mais um espetáculo de irresponsabilidade política e desprezo pelo destino de milhões de brasileiros submetidos cotidianamente à tirania do crime organizado.

O despreparo do deputado indicado para a tarefa de relatar a proposta do chamado Marco Legal do Combate ao Crime Organizado ficou patente pelas sucessivas e contraditórias versões dos relatórios apresentadas ao longo da semana. Até restringir a competência da Polícia Federal para investigar o crime organizado aventou-se, sabe-se lá com que objetivo.

Um dos paradoxos das políticas de segurança, como destacado por Theo Dias e Carolina Ricardo em recente artigo nesta Folha, é que a ineficácia de políticas estritamente repressivas apenas aumenta a demanda por mais repressão, criando um enorme mercado para o populismo penal.

A experiência do Rio de Janeiro é uma expressão desse ciclo vicioso, que precisa ser rapidamente interrompido. A repressão, quando praticada à margem da lei, apenas agrava o problema. Quando devidamente conduzida, em conformidade com os princípios do Estado de Direito e associada a outras políticas públicas, é parte essencial do enfrentamento de organizações criminosas.

Nas últimas décadas, diversas experiências na Itália e na Colômbia, bem como nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Pernambuco e Minas Gerais e em cidades como Nova York, nos oferecem um importante repertório de políticas exitosas de combate ao crime organizado e controle da criminalidade violenta.

Em vez de respostas legislativas meramente simbólicas ou espetáculos sangrentos e ineficazes, precisamos capacitar e fortalecer as instituições de aplicação das leis, coordenar melhor suas ações e integrar as políticas de segurança às demais políticas públicas que dificultem ao crime se espraiar pelo tecido social e se alojar no poder político e no sistema econômico.

Três são os pilares dessas políticas exitosas que deveriam estar ocupando os esforços daqueles efetivamente preocupados em enfrentar o crime e não apenas em se beneficiar eleitoralmente do medo por ele criado.

Recuperação dos territórios dominados pelo crime organizado, que devem ser imediatamente ocupados pelo Estado. Os criminosos precisam ser presos. Como as experiências de Bogotá e Medellín indicam, a reurbanização e revitalização das áreas dominadas pelo crime são indispensáveis para devolver dignidade e expectativa de desenvolvimento para as comunidades. O Estado precisa se fazer presente para prover ordem, justiça e bem-estar.

Profissionalização e qualificação do sistema de Justiça e das diversas agências de aplicação da lei, com ênfase para mecanismos de inteligência. Não apenas inteligência policial, mas também financeira. É o que foi feito na Itália por meio da criação de uma Agência Nacional Anticrime. É necessário seguir o dinheiro no espaço digital. O Brasil precisa rever sua obtusa regra de sigilo bancário, que apenas favorece a infiltração do crime no sistema financeiro e em outros setores da economia formal. Combater a corrupção é uma pré-condição para combater o crime organizado.

Por fim, é necessário integrar e coordenar todas essas atividades. Esse é um trabalho politicamente desafiador e administrativamente complexo, especialmente num país com estrutura federativa e imerso em forte polarização política. Talvez Geraldo Alckmin seja a pessoa talhada para a tarefa. Político com perfil mais conservador, num governo progressista, protagonizou, ao lado de Mário Covas, a mais bem-sucedida redução de homicídios na história no Brasil.

 

 

Nenhum comentário: