PEC das Drogas traz retrocesso para segurança
O Globo
Texto do Senado incentiva o encarceramento,
que fornece mão de obra para facções nos presídios
Prepara-se no Congresso um enorme retrocesso
para enfrentar um problema que merece ser tratado com maturidade, não com
preconceito e demagogia. A Proposta de
Emenda à Constituição conhecida como PEC das Drogas, aprovada na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, é um equívoco. Para a saúde
e para a segurança pública. Primeiro, porque vai contra todo o conhecimento
acumulado sobre como tratar dependentes. Segundo, porque é um incentivo ao
encarceramento em massa, problema que a Lei Antidrogas de 2006 tentou resolver,
embora tenha ficado no meio do caminho.
A PEC piora uma legislação já ruim e pretende
gravar o erro no artigo 5º da Constituição. A proposta considera crime a posse
e o porte de qualquer quantidade de droga, “observada a distinção entre o
traficante e o usuário pelas circunstâncias fáticas do caso concreto”. Ora, a
legislação atual também foi aprovada com o objetivo de não prender usuários,
mas fracassou ao não estabelecer critérios para isso, gerando um vácuo jurídico
hoje em debate no Supremo Tribunal Federal (STF).
Sem parâmetros objetivos, as “circunstâncias
fáticas” sempre dependerão da interpretação de cada policial ou juiz. Pelo que
a realidade mostra, jovens, negros e pobres costumam ser tratados como
traficantes e presos, mesmo que flagrados com pequenas quantidades — ao
contrário daqueles noutra condição socioeconômica.
O resultado são as cadeias abarrotadas com gente que não deveria estar lá. Dos 650 mil presos no Brasil, 28% foram encarcerados com base na Lei Antidrogas, a maior parte portando pequenas quantidades. Uma pesquisa do Ipea mostrou que, se houvesse limite de 25 gramas para consumo pessoal, 27% dos condenados por porte de maconha poderiam sair da cadeia. Se o limite fosse de 150 gramas, seriam 59%.
A indefinição da quantidade que separa
traficantes e usuários só interessa a facções criminosas, pois mantém um fluxo
constante de mão de obra a ser aliciada nos presídios, onde ninguém sobrevive
se não aceitar ser soldado do tráfico. O traficante deve ser tratado na forma
da lei. O dependente precisa ser encarado como caso de saúde pública. O governo
tem de oferecer tratamento ao vício e desenvolver campanhas para desestimular o
uso de drogas. Não faz sentido encarcerar usuários ao lado de homicidas, assaltantes,
estupradores, pedófilos e outros criminosos que precisam ser afastados do
convívio social.
Devido à legislação omissa e à falta de
regulação sensata, mesmo quem usa Cannabis medicinal é por vezes tratado como
criminoso. “Aqueles que plantam podem ser presos só porque tentam conseguir o
óleo com objetivos terapêuticos”, afirma Bruno Pegoraro, presidente do
Instituto de Pesquisas Sociais e Econômicas da Cannabis (Ipsec). O acesso acaba
restrito a produtos importados e caros. Até pesquisas importantes esbarram na
burocracia.
Há uma agenda positiva que o Congresso
deveria seguir no tema. É essencial definir a quantidade que distingue
traficante de usuário — em debate no Supremo —, regulamentar o plantio do
cânhamo (planta da maconha sem psicoativo que traria enorme oportunidade ao
agronegócio) e estabelecer regras para o cultivo para fins medicinais. Em vez
disso, levados por uma mentalidade tacanha, retrógrada e equivocada, os
parlamentares apostam numa visão cujo fracasso está demonstrado — e será
inevitável.
Lula enfrenta obstáculos para estender os
negócios brasileiros na África
O Globo
Presidente encontrou dificuldades para
convencer líderes africanos a ampliar os espaços para o Brasil
A viagem recente do presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva à África chamou a atenção pela declaração absurda comparando Israel a
Adolf Hitler, enquanto outro tema de interesse nacional mais imediato passou
despercebido: o distanciamento do Brasil em relação ao continente africano. Ao
passar pela Etiópia, onde foi recepcionado pelo primeiro-ministro Abiy Ahmed,
Lula irritou-se com o cancelamento em cima da hora de encontros bilaterais. Não
compareceu ao jantar oferecido por Ahmed aos participantes da reunião de cúpula
da União Africana, onde discursou. Ainda que os episódios de desencontro possam
ter sido fortuitos, seu acúmulo deixa claro que o Brasil tem perdido relevância
na África.
Nos governos anteriores de Lula, o continente
era prioridade, como parte da visão geopolítica de estender a influência
brasileira sobre países em desenvolvimento. O Brasil estabeleceu representações
diplomáticas África afora, e países africanos foram beneficiados com
financiamentos do BNDES para importar serviços do Brasil — basicamente,
contratando empreiteiras brasileiras para executar grandes obras (até hoje
alguns desses empréstimos não foram saldados). Depois do governo Michel Temer,
a África perdeu qualquer prioridade na gestão de Jair Bolsonaro.
O tempo passou, as empreiteiras foram
pilhadas em casos de corrupção pela Operação Lava-Jato e saíram de cena. A
privatização da Eletrobras e os limites impostos à União na administração da
Petrobras tiraram espaço de manobra do Planalto para fazer diplomacia por
intermédio das estatais. Mas não é necessário um país usar as empresas públicas
para executar uma política
externa eficaz, que atenda a seus interesses.
Lula tem dito que há espaço para que a
iniciativa privada aproveite oportunidades de negócios na África. Mas não se
vê, da parte do governo, uma política estruturada que dê apoio às empresas
brasileiras. O Brasil de hoje é diferente daquele que Lula já governou no
passado. As oportunidades que havia na infraestrutura africana vêm sendo aos
poucos aproveitadas por China e Índia, que adotaram uma estratégia agressiva
para ocupar os espaços disponíveis.
Cabe a Lula entender que essas mudanças
geopolíticas, embora possam frustrar pretensões mais ambiciosas, ainda mantêm
abertas as portas para negócios. É preciso saber usá-las. Ele tem a seu dispor
o mesmo Itamaraty, adestrado em defender políticas de Estado, portanto capaz de
aconselhá-lo a não repetir erros. A dificuldade de encontrar espaço na agenda
dos líderes africanos não deve desencorajá-lo. O Brasil ainda tem muitos
interesses no continente e muito a lhes oferecer.
OMC continua à deriva e perde relevância
Valor Econômico
Sem a OMC e as suas regras, vale a lei da
selva no comércio global
O comércio mundial continua sem um árbitro
global e não se sabe quando voltará a ter um. É o que se infere a partir do
fracasso da última reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio
(OMC), na semana passada, em Abu Dhabi. Não houve acordo sobre novos avanços em
termos de liberalização das trocas globais. E nem quanto à retomada do
mecanismo de solução de controvérsias, o que significa que a OMC não tem mais o
poder de fazer cumprir as regras atuais de comércio.
A reunião ministerial, da qual participam
todos os países-membros, é o órgão decisório da OMC. O principal ponto da já
acanhada agenda do encontro era tentar proibir os subsídios à pesca, que levam
à pesca excessiva nos oceanos. Mas não houve acordo. Os países que mais
subsidiam a pesca de longa distância, incluindo EUA, China, Japão e a União
Europeia, bloquearam o tema. Assim como a Índia, que quer isenção, pois alega
que a sua pesca é essencialmente artesanal.
O debate sobre liberalização do comércio
agrícola está completamente travado pela exigência da Índia de isenção das
restrições de subsídios à formação de estoques governamentais de alimentos. Sem
acordo nessa questão, o restante da agenda é bloqueado pelos indianos.
A reforma do mecanismo de solução de
controvérsias da OMC também não avançou. O órgão de apelação da entidade, uma
espécie de tribunal que julga as disputas no comércio global, está paralisado
desde 2019 devido à recusa dos EUA de indicar juízes. Os EUA alegam que o órgão
vinha extrapolando as suas funções ao criar jurisprudência em suas decisões.
Isso começou com Donald Trump e continua com Joe Biden.
O único mísero resultado da reunião foi a
prorrogação da moratória de cobrança de impostos sobre transmissão de bens por
meio eletrônico, que interessava aos EUA e às grandes empresas de tecnologia.
No âmbito plurilateral, isto é, em
negociações nas quais participa quem quiser e não são obrigatórias para todos
os países, houve alguns entendimentos, como em facilitação de investimentos.
Mas os EUA não estão dentro, e países como Índia e África do Sul não querem
permitir que acordos plurilaterais façam parte do arcabouço da OMC.
A OMC foi uma importante conquista do chamado
sistema multilateral, isto é, um modelo de governança global por meio de
negociações e consenso. Esse sistema ajudou a abrir o comércio e a impulsionar
a economia mundial nos últimos 30 anos. A OMC é o único órgão internacional no
qual as grandes potências são obrigadas a seguir as decisões colegiadas e não
têm poder exclusivo de veto.
Mas a crescente tensão entre EUA e China e o
avanço de ideologias políticas nacionalistas pelo mundo colocaram o sistema
multilateral em uma crise existencial e reduziram o apetite por mais abertura
comercial. A OMC foi perdendo a capacidade de impor as suas regras e acabou
sendo esvaziada. Essa crise do multilateralismo é ampla e está afetando outras
áreas, como as negociações climáticas.
Não há a perspectiva de esse cenário melhorar
no curto prazo. A oposição dos EUA à OMC continua mesmo com Biden. Os
democratas, que tradicionalmente são mais protecionistas, não têm apetite para
abertura no comércio exterior. E a alternativa nos EUA é o republicano Donald
Trump, que detesta a OMC e o sistema multilateral. Ele quer que os EUA estejam
livres para usar como bem entenderem o seu poderio, seja militar ou econômico.
É a política do “Make America Great Again” (a chamada Maga, isto é, tornar os
EUA grandes novamente) e do America First (os EUA primeiro). Na atual campanha
eleitoral, Trump já prometeu aplicar tarifas punitivas contra produtos chineses
e adotar uma sobretaxa contra todas as mercadorias importadas pelos EUA,
ignorando as regras comerciais da OMC.
Sem a OMC e as suas regras, vale a lei da
selva no comércio global, o que é bom para os países mais ricos e poderosos e
ruim para países como o Brasil. As exportações brasileiras, sobretudo as do
agronegócio, ficariam sujeitas ao sabor do protecionismo nos parceiros
comerciais. Isso reduziria a previsibilidade das exportações, o que
prejudicaria os investimentos e, ao final, resultaria em menor crescimento
econômico. Ainda sem a OMC, países com tendência protecionista, incluindo o
Brasil, poderiam se tornar ainda mais protecionistas, gerando uma espiral para
baixo no comércio mundial, que ficaria cada vez mais controlado pelos governos
nacionais. A reatividade da Índia, por exemplo, não é nova no sistema comercial
global. Mas costumava ser contrabalanceada pela iniciativa e pela liderança dos
EUA e da UE. Mas agora Washington se desinteressou, o que deixa a OMC à mercê
da rejeição sistemática dos indianos.
A OMC não vai acabar, pois isso seria um enorme retrocesso na governança global. No entanto, está cada vez mais perdendo relevância. A reunião ministerial deixou claro que o sistema internacional de comércio precisa ser reformado, mas não há acordo sobre como reformá-lo. O custo econômico dessa paralisia acabará sendo elevado.
Senado ameaça piorar a já ruim Lei de Drogas
Folha de S. Paulo
Proposta reforça graves defeitos da guerra
aos entorpecentes, uma política nefasta que deveria dar lugar à legalização
Faz tempo que se conhece um grave equívoco da
Lei de Drogas, aprovada pelo Congresso Nacional em 2006: ao endurecer as penas
para traficantes e amenizar a punição de usuários, a legislação não estipulou
critérios objetivos capazes de diferenciar um do outro.
O resultado foi trágico para o país. Milhares
de brasileiros terminaram atrás das grades com base na nova norma, mas diversos
estudos mostraram que o encarceramento em massa passou longe de representar
algum ganho em termos de segurança pública.
Um levantamento do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), por exemplo, analisou 41 mil casos de 2019 e
concluiu que em apenas 13% deles havia menção a facções criminosas. Além disso,
em 80% dos processos, os réus ficaram presos de forma preventiva.
Não é difícil imaginar que, uma vez inseridos
num sistema penitenciário subumano, muitos desses prisioneiros acabaram
reforçando as hostes do mesmo crime organizado que se pretende combater.
Tampouco é difícil imaginar as
características mais comuns a essas pessoas: são, em sua maioria, homens,
jovens, negros e pobres.
Que a desigualdade social tenha se convertido
em critério para a aplicação da Lei de Drogas, eis uma chaga indecorosa com a
qual nenhum Estado democrático de Direito deveria conviver. Daí por que o
Supremo Tribunal Federal, desde 2015, vê-se instado
a dar sua palavra sobre o assunto.
Ocorre que o Judiciário não constitui o foro
adequado para a definição de parâmetros sobre uso e tráfico de drogas; esse
tipo de ajuste compete ao Legislativo, e o julgamento do STF avança
perigosamente sobre o terreno do ativismo.
A reação do Senado, no entanto, foi buscar um
retrocesso. A Comissão de Constituição e Justiça da Casa aprovou proposta que inclui
na Constituição termos ainda semelhantes aos da Lei de Drogas.
Em outras palavras, os senadores intentam
reforçar os mesmíssimos erros da norma de 2006 —o que tornará quase impossível
qualquer avanço do Brasil nessa seara.
Diversos países desenvolvidos já aprenderam
que a guerra às drogas não faz sentido sob nenhum ponto de vista. O fracasso da
repressão se expressa também em cifras: um estudo estimou que, em 2017, São
Paulo e Rio de Janeiro somaram R$ 5,2 bilhões em gastos com esse tipo de
política, sem que sejam perceptíveis ganhos de segurança.
Para romper com esse ciclo irracional, é
preciso ir além de corrigir —de verdade— a lei. É preciso promover a
legalização gradual dos entorpecentes e tratar o tema sob a ótica da saúde
pública. Pois uma coisa é certa: se há vencedores dentro da atual abordagem,
eles estão nas facções criminosas.
Imprensa protegida
Folha de S. Paulo
Lei europeia que defende a atividade revela
instabilidades da democracia liberal
Mesmo que a Europa seja conhecida pela
proteção à liberdade de imprensa, o Parlamento Europeu se viu instado a
aprovar, na quarta (13), uma lei para
salvaguardar ainda mais essa atividade.
Entre os motivos para a medida estão a ascensão da
direita populista, tecnologias de vigilância e a moderação de
conteúdo em redes sociais pelas chamadas big techs.
Segundo o Índice de Liberdade de Imprensa, da
ONG Repórteres sem Fronteiras, verifica-se uma crise global no setor que atinge
também a Europa. Em 2013, entre 180 países, 25 tinham pontuação máxima (85 a
100), sendo 19 do continente; em 2023, só 8 atingiram o topo —todos europeus.
Até nações conhecidas pela defesa do
jornalismo —Suíça, Áustria, Bélgica e Alemanha— decaíram e, na lista do ano
passado, não estavam mais entre as melhores.
No Leste Europeu, sobre o qual pesa uma
história de domínio soviético e russo, a situação piorou, principalmente na
Polônia e na Hungria, chefiadas por governos de direita populista e
autoritária.
Desde que o reacionário Andrzej Duda chegou
ao poder, em 2015, a posição polonesa no ranking caiu da 18ª para a 57ª em
2023. Já a húngara despencou do 23º para o 72º lugar entre 2010 e 2023, durante
o longo período
em que o autocrata Viktor Orbán comanda o país.
Governos autoritários têm usado softwares
espiões para vigiar profissionais da imprensa. De acordo com o diploma
aprovado, isso só será possível em casos de investigação de crimes graves e com
autorização judicial independente.
Em relação à moderação de material
jornalístico por plataformas como Facebook e Instagram, os meios de comunicação
devem ser notificados da intenção de eliminar ou restringir seu conteúdo e
terão 24 horas para responder. Ademais, ainda podem acionar o Comitê Europeu
dos Serviços de Comunicação Social, caso se sintam lesados.
A ação do Parlamento Europeu é meritória, dada a essencialidade da liberdade de imprensa para a liberdade política. Que tal lei ainda seja necessária evidencia como a estabilidade da democracia liberal nunca está garantida. É preciso protegê-la continuamente.
Uma balbúrdia desnecessária
O Estado de S. Paulo
Não faz sentido o STF declarar
inconstitucional a criminalização da maconha nem o Congresso constitucionalizar
a criminalização das drogas. Melhor seria deixar a Constituição fora disso
A Comissão de Constituição e Justiça do
Senado aprovou na quarta-feira a proposta de emenda à Constituição (PEC) que
inclui a criminalização da posse e porte de drogas na Constituição. A
iniciativa é uma manifesta demonstração de força ante o avanço do julgamento no
Supremo Tribunal Federal (STF), ora suspenso por um pedido de vista, de um
Recurso Extraordinário sobre o tema. Com cinco votos favoráveis ao recurso e
três contrários, a Corte está a um voto de declarar inconstitucional a
criminalização do consumo de maconha.
Fabricou-se assim um novo confronto entre o
Judiciário e o Legislativo, contraproducente para uma repactuação social a
propósito da ordem jurídica adequada às drogas e deletério para a harmonia
entre os Poderes. Não é preciso entrar no mérito da controvérsia. Os equívocos
de ambos os lados estão na forma de conduzi-la.
Os votos prevalecentes na Corte se
fundamentam no princípio constitucional da inviolabilidade da intimidade e da
vida privada. Condutas individuais não nocivas a outros não seriam passíveis de
punição. Os votos contrários alegam o dever constitucional do Estado de zelar
pela saúde de todos. Nesse sentido, não se questiona, por exemplo, a
constitucionalidade de sanções a quem não utiliza o cinto de segurança ou
restrições a quem não toma vacinas.
Mas o fato é que o Congresso já havia
pactuado uma solução de compromisso na Lei de Drogas de 2006. O legislador
distinguiu o traficante do usuário e, se não descriminalizou de jure o consumo,
o descriminalizou de facto, praticamente despenalizando essa conduta. Pela lei
vigente, ninguém pode ser preso pelo porte para consumo. As penas se restringem
a advertência, serviços comunitários ou medidas educativas.
E, no entanto, foi a própria recusa do
Judiciário em cumprir a vontade do legislador que detonou esta guerra
institucional. Juízes punitivistas passaram a condenar de maneira arbitrária o
mero porte como tráfico. A lei, de fato, não estabelece um critério objetivo de
quantidade para distinguir usuário de traficante. Mas nem precisaria. Todos os
anos surgem novas drogas e velhas drogas são alteradas, e não faria sentido
fixar em lei uma quantidade para cada uma delas. Bastaria à Corte estabelecer
orientações judiciais, periodicamente recicladas e adaptadas a essas constantes
mudanças, para garantir a isonomia na aplicação da lei.
Ao invés disso, o STF está a ponto de
descriminalizar o porte de maconha e estabelecer critérios de quantidade com
força de lei. Como nem a Constituição nem a Lei de Drogas diferenciam a maconha
de outras substâncias ilícitas, ao fabricar essa nova legislação das drogas a
Corte estará atropelando competências do Legislativo.
Ferido em seus brios, o Senado agora move uma
contraofensiva que só criará mais problemas. A rigor, a PEC não altera as
disposições da Lei de Drogas e mantém a distinção entre usuário e traficante.
Mas Constituições deveriam se restringir a consagrar direitos fundamentais dos
cidadãos e princípios gerais para o funcionamento do Estado. O resto deveria
ser deixado à legislação ordinária, que pode, com muito mais flexibilidade,
adaptar-se às constantes repactuações de uma sociedade dinâmica – como, por exemplo,
a propósito de seu entendimento sobre a ordem jurídica que deve regular as
drogas. A prolixidade constitutiva de uma Constituição excessivamente extensa e
pormenorizada já causa entraves demais a essas repactuações. Não faz nenhum
sentido engessá-las ainda mais com mais um dispositivo de cunho penal.
Nem o Legislativo deveria constitucionalizar
a criminalização das drogas nem o Judiciário deveria declarar inconstitucional
a criminalização de uma droga específica. Melhor seria que ambos deixassem a
Constituição fora disso, e o Judiciário se restringisse a aplicar a lei,
estabelecendo critérios objetivos para garantir que os juízes a apliquem com
isonomia, e deixando à sociedade e seus representantes eleitos a tarefa de
sedimentar consensos sobre a regulação das drogas. É hora de o Supremo e o
Congresso baixarem as armas e darem um passo atrás.
Vareio
O Estado de S. Paulo
Um mês após fugirem de presídio federal no RN
que deveria ser de segurança máxima, os dois criminosos ligados ao Comando
Vermelho seguem humilhando as forças de segurança do Estado
No dialeto do futebol, diz-se que um time
goleado de forma humilhante pelo adversário tomou um “vareio”. Pois é isso, um
vareio, o que as forças de segurança estão levando dos dois prisioneiros que há
um mês, completado ontem, fugiram de onde não deveriam fugir, a Penitenciária
Federal de Mossoró (RN), que supostamente seria de segurança máxima.
Para marcar a data e tentar dar um ar de
seriedade ao engajamento do governo federal na caçada aos fugitivos, o ministro
da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, viajou ao local e fez
um sobrevoo pela região de Baraúna, cidade na divisa entre o Ceará e o Rio
Grande do Norte onde se acredita que os bandidos ainda possam estar. Não se
sabe ao certo o que Lewandowski viu lá de cima, mas, ao pisar em terra firme, o
ministro afirmou que as buscas estariam “se desenvolvendo com êxito”.
Ora, como é óbvio para qualquer cidadão
minimamente sensato, êxito seria o retorno de Rogério Mendonça e Deibson
Nascimento, dois perigosíssimos criminosos condenados, para trás das grades – e
desta vez em local um tanto menos expugnável do que a penitenciária potiguar.
Lewandowski, no entanto, parece se contentar com bem menos. Na visão do
ministro, o suposto bom andamento das buscas pelos fugitivos pode ser atestado
pelo fato de eles estarem “cercados” em um “perímetro amplo e variável”. Seja
lá qual for essa área, o certo é que Rogério e Deibson seguem dando dribles da
vaca nas autoridades, que perderam seus rastros nos últimos dias. Um vexame
para as forças de segurança do Estado.
Durante uma entrevista concedida logo após
uma reunião com policiais envolvidos na recaptura, Lewandowski deixou
transparecer a sua conhecida inexperiência na área da segurança pública –
problema, justiça lhe seja feita, que diz menos sobre ele do que sobre seu
chefe. Aos repórteres, o ministro assegurou que as forças do Estado “estão
empenhadas na operação” para levar os dois criminosos ligados ao Comando
Vermelho de volta ao cárcere. Que alívio, pois imagine o leitor se acaso não
estivessem.
O presidente Lula da Silva, por sua vez,
prometeu “ampliar o espaço de investigação”. De acordo com o petista, em
entrevista ao SBT, “vai chegar um momento em que você não vai continuar
procurando (na mesma região). Mas, por enquanto, a gente tem que ficar lá (em
Baraúna) porque a sociedade está assustada. E são dois bandidos perigosos”. A
obviedade não esconde o fato de que o governo está zonzo. Do ponto de vista
operacional, talvez possa fazer sentido aumentar o número de ações de recaptura
mais ostensivas. Mas força bruta sem cérebro tem pouca serventia.
Ações de inteligência têm sido privilegiadas
pelas forças de segurança nos âmbitos federal e estadual? Se sim, um mês desse
baile que os dois bandidos estão dando num enorme contingente de agentes sugere
que elas têm sido ineficazes. Decerto os fugitivos estão recebendo ajuda, mas
era esperado que o Estado, do alto de seu poderio humano e material, fosse
capaz de romper essa rede de favorecimento. Sobretudo porque, como afirmou o
próprio ministro Lewandowski, os criminosos estariam cercados.
A essa altura, as autoridades deveriam se
preocupar menos com a criação de factoides e mais com o planejamento e ações de
inteligência que possam cortar o afluxo de recursos que têm permitido que
Rogério e Deibson prossigam foragidos. A cada dia que passam fora do cárcere, é
bom enfatizar, os criminosos humilham o Estado brasileiro.
Evidentemente, a recaptura dos dois fugitivos
deve ser a prioridade zero do governo federal. Está-se lidando com criminosos
de altíssima periculosidade, condenados por crimes de sangue, entre outros, e
vinculados a uma das mais poderosas organizações criminosas do País. Mas logo o
ministro Lewandowski terá de dar à sociedade as respostas às perguntas que
permanecem em aberto, algumas delas óbvias.
Como Rogério e Deibson conseguiram escapar
com tanta facilidade de um presídio que deveria ser de segurança máxima? Qual o
grau de envolvimento de servidores públicos com a fuga? Como o governo federal
pretende fazer com que essa fissura vergonhosa no sistema penitenciário federal
não sirva de incentivo para que outros detentos acautelados em prisões federais
não se sintam encorajados a fazer o mesmo?
É mais que intervencionismo
O Estado de S. Paulo
Governo tem maioria na Petrobras, mas isso
não o autoriza a subjugar a empresa, como Lula quer
O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates,
disse que o governo, enquanto acionista majoritário e controlador da empresa,
tem direito a orientar o voto de seus representantes no Conselho de
Administração da companhia. Isso, na avaliação dele, não pode ser chamado de
intervencionismo. “É legítimo que o Conselho de Administração se posicione
orientado pelo presidente da República e pelos seus auxiliares diretos que são
os ministros”, afirmou Prates, por meio de suas redes sociais.
O argumento é absolutamente capcioso. O
governo, de fato, detém a maioria dos papéis da Petrobras, posição que lhe dá
assentos mais do que suficientes no colegiado para fazer valer suas decisões
sem dificuldade perante os acionistas minoritários. O que se espera, no
entanto, é que esse poder vise sempre ao melhor interesse dos acionistas,
inclusive da própria União, que seria a maior beneficiada pelo pagamento dos
dividendos extraordinários da companhia.
A questão de fundo, no entanto, nunca foram
os dividendos em si, mas o que isso sinaliza sobre as intenções do governo e o
futuro da companhia. Se a retenção de 100% dos dividendos extraordinários da
Petrobras fosse um consenso, o próprio Prates teria sido o primeiro a apoiar a
proposta. Por que, então, um executivo indicado ao cargo pelo presidente Lula
da Silva optou por se abster quando teve de se posicionar a respeito dela?
Ao contrário do que Prates disse nas redes
sociais, a decisão não foi “meramente de adiamento e reserva”. Lula deixou
muito claro que preferia aplicar esses recursos em investimentos como sondas e
navios, embora esse dinheiro só possa ser utilizado para pagar dividendos no
futuro, na recompra de ações ou na absorção de prejuízos.
Se os recursos têm aplicações tão limitadas e
o governo seria o maior beneficiário, o que justificaria a posição do governo
de retê-los, senão a implícita intenção de usar de sua maioria no Conselho
justamente para derrubar essas restrições?
Não se trata de especulação sem sentido. Se
Lula da Silva não tem pudor algum em pressionar pela mudança da diretoria da
Vale, empresa que nem sequer pertence ao governo, por que hesitaria em fazer o
mesmo com a Petrobras, na qual a União efetivamente possui a maioria das ações?
O que Lula da Silva quer é fazer da Petrobras
um braço de atuação de seu governo sem ter de prestar contas a ninguém por
isso. É bom lembrar que, entre os minoritários, estão trabalhadores que
investem suas economias na petroleira para financiar uma empresa cujos ganhos
podem proporcionar uma aposentadoria mais tranquila e confortável no futuro – e
não para ajudar o presidente a faturar politicamente com o dinheiro alheio.
A experiência prévia não permite ingenuidade sobre a forma como o governo instrumentaliza as empresas de capital misto a desperdiçar recursos em projetos que não param em pé em vez de apostar naquilo que garante retorno, rende impostos, gera riqueza e cria empregos. É, sim, intervencionismo, mas é também apego ao poder sem limites.
O que tira o sono dos brasileiros
Correio Braziliense
No Brasil, as estimativas indicam que cerca
de 70 milhões de pessoas apresentam problemas de sono
Se pensarmos que um dos principais distúrbios
do sono — além da insônia, claro — pode causar infarto do miocárdio, derrame
cerebral, obesidade, hipertensão, arritmia cardíaca, depressão ou até mesmo
acidentes domésticos e de trânsito, no caso de adultos e idosos, é fundamental
que um especialista no assunto seja acionado, o que raramente ocorre na vida do
brasileiro.
O distúrbio citado é a apneia obstrutiva do
sono (AOS), aquela "parada" no processo de respiração em repouso. Ela
pode chegar a 15 segundos de interrupção e pode ocorrer inúmeras vezes, gerando
uma série de prejuízos à saúde, dos quais os mais sérios estão no início do
texto, mas há ainda outros efeitos, como irritabilidade, ronco (o sintoma mais
"audível"), dores de cabeça ao acordar, engasgo, sonolência durante o
dia, dores de cabeça matinais, agitação e boca seca.
A questão é que esse esforço para recuperar a
respiração e, consequentemente, os batimentos cardíacos e a pressão arterial,
sobrecarrega o coração. Já imaginou isso a longo prazo? É preciso lembrar que
as crianças também podem ter apneia. E aí os prejuízos são: maior risco de
apresentar deficit de atenção, dificuldade de aprendizado, hiperatividade, além
da possibilidade de o distúrbio alterar a curva de crescimento.
Outra má notícia é que, no Brasil, as
estimativas indicam que cerca de 70 milhões de pessoas apresentam problemas de
sono, sendo que a maior parte delas sequer sabe que tem o problema e, mesmo
sabendo, não procura tratamento adequado.
Isso sem falar no trabalhador que fica horas
no transporte público, ou mesmo em seu carro, parado no trânsito das grandes
cidades. Gente que se desdobra em mais de um emprego para arcar com as despesas
da rotina. Que vai do trabalho para os estudos. Aquela mulher, como a grande
maioria das brasileiras, que tem uma jornada dupla ou tripla de trabalho, chega
em casa cansada e ainda tem de cuidar dos filhos e de tarefas domésticas.
Difícil ter tempo para dormir o suficiente para descansar e retomar a rotina no
dia seguinte.
Hoje, no Dia Mundial do Sono (15/3), vejamos
algumas informações. O período ideal de um sono de qualidade por noite varia
entre sete e oito horas, levando em consideração as diferenças de cada
indivíduo em termos de idade, estilo de vida e atividades diárias. Bebês e
adolescentes (a maior parte) são considerados "dormidores longos", ou
seja, precisam de mais tempo para se sentirem ativos para o dia seguinte —
nove, 10 ou 11 horas de sono. Já os curtos, geralmente, são idosos, mas também
há adultos, crianças e outras pessoas que não necessariamente precisam de
muitas horas na cama todos os dias.
Os distúrbios do sono, e aí inclui-se a
apneia obstrutiva, deveriam fazer parte do calendário nacional do Ministério da
Saúde e obrigatoriamente serem considerados problemas de saúde pública. Se
passamos uma parte significativa do dia dormindo — pelo menos um terço —, por
que não investirmos em oferecer atendimento gratuito a esses pacientes, com
centros e equipamentos específicos que analisem as horas maldormidas?
O assunto merece entrar na pauta de discussões e nos investimentos em saúde. Algumas iniciativas existem, como o direito do trabalhador apneico grave de receber auxílio-doença. Mas essa é a forma adequada de lidar com o doente? Não seria melhor não deixar a doença se instalar? Essa é só mais uma das patologias das quais o brasileiro sofre e não recebe a atenção merecida.
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