sexta-feira, 15 de março de 2024

César Felício - Economia não garante Lula nas pesquisas

Valor Econômico

Cenário internacional sugere que há muito vento soprando as brasas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é o principal culpado da evidente queda de popularidade sua e do governo, atestada por todas as pesquisas de opinião realizadas nas últimas três semanas. Esta conta não é dele, o que agrava a sua situação, porque talvez não esteja em suas mãos mudar o curso dos acontecimentos.

As pesquisas Genial/Quaest, Ipec e Datafolha foram realizadas depois de 25 de fevereiro, data da manifestação que teve o ex-presidente Jair Bolsonaro no palanque da avenida Paulista. O bolsonarismo mostrou-se eficiente em reengajar a sua base, em especial e acima de tudo entre os evangélicos. Frases infelizes de Lula contribuíram com o resultado, mas que não se tire o mérito da oposição em produzi-lo.

Tome-se por exemplo a pesquisa mais recente, do Datafolha, com entrevistas feitas entre 7 e 8 de março na cidade de São Paulo. O índice de eleitores que consideram o governo ruim ou péssimo evoluiu de 25% para 34% (margem de erro de dois pontos percentuais). Mas no segmento evangélico pulou de 37% para 49% (margem de erro nesta faixa de 7 p.p). Entre os católicos, há, a rigor, estabilidade. A desaprovação foi de 23% para 28%, dentro da margem de erro para este grupo, que é de 5 p.p. A comparação é feita em relação à pesquisa anterior, de agosto de 2023.

Para outro pesquisador, Antonio Lavareda, do Ipespe, há uma clara relação de causa e efeito entre o resultado nas pesquisas e o palanque de Bolsonaro transformado em púlpito pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e o pastor Silas Malafaia. A fuga de bandidos da penitenciária federal de Mossoró, há exatamente um mês, abriu outro flanco na imagem do governo na segurança pública, tema particularmente explorado pelos bolsonaristas. A economia, para Lavareda, joga a favor e não contra o presidente. “A aprovação ainda maior que a desaprovação que o presidente tem está ancorada nisso. A economia joga a favor dele”, comenta.

Lavareda afirma que a notícia boa para Lula é que a economia é um fator estrutural, ao passo que o contexto de guerra cultural fomentado por bolsonaristas estaria ancorado em questões de conjuntura.

O problema é que o cenário internacional, observado em uma sequência longa de tempo, sugere que há muito vento soprando as brasas. De Portugal à Indonésia, da Holanda a El Salvador, da Suécia às Filipinas, da Coreia do Sul à Argentina. Em quase todos os países que realizaram eleições nos últimos quatro anos, incluindo 2024, o raio cai sempre no mesmo lugar. Populistas com aspectos autoritários estão sempre em viés de alta.

Mesmo onde as opções que sugeriam risco às instituições foram derrotadas, como nos Estados Unidos e na França, o prognóstico é preocupante para a democracia liberal a curto e médio prazo, como indicam as pesquisas que colocam Trump favorito. As razões dessa onda estão em discussão. Lavareda sugere prestar atenção em três marcos: entre 2007 e 2008 ganharam corpo a crise econômica global e o surgimento das redes sociais. Em 2020 veio a pandemia. Disso resultou “uma sociedade machucada e raivosa”, nas suas palavras.

Divulgado este ano, o Índice V-Dem, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, mede esse fenômeno. O indicador ranqueia a qualidade da democracia em 178 países, levando em consideração alternância de poder, direitos e garantias individuais, liberdade de expressão, pesos e contrapesos. Mais interessante do que o ranking em si é a dinâmica que sinaliza. Segundo o levantamento de 2024, das 60 nações que realizam eleições este ano, 31 vivem declínio democrático. Apenas 3 vivem um cenário de melhora da qualidade democrática.

Em 2003 havia 11 países em processo de conversão para autocracias ou com a democracia em deterioração. Em 2023 eram 42. Há 20 anos, 35 países estavam na trilha da democratização ou de revitalização das instituições. No ano passado podia-se falar isso em relação a 18 nações.

O relatório afasta-se do viés ideológico quando classifica como coveiros da democracia os esquerdistas Daniel Ortega, da Nicarágua, e Nicolás Maduro, da Venezuela, e os direitistas Viktor Orbán, da Hungria, e Nayib Bukele, de El Salvador. Não coloca nessa categoria o argentino Javier Milei, um extremista de direita.

Um parêntese para o caso da Argentina: o grande teste está se dando agora. O Senado rejeitou nessa quinta-feira o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), uma espécie de medida provisória, que Milei editou assim que assumiu, alterando 300 leis. Um DNU precisa ser rejeitado nas duas casas do Congresso para perder a validade, e não há prazo para a Câmara fazer este exame, mas os deputados já haviam recusado a “lei ônibus”, um dos principais projetos da estratégia econômica de Milei e o risco do presidente voltar a perder se não negociar é grande. Milei por ora se mostra resistente a fazer isso. Sem essa negociação, só restará a ele a capitulação ou a ruptura.

Se a Argentina mal é mencionada no relatório do V-Dem, o Brasil se destaca, como ponto fora da curva. Todas as 18 nações em que a democracia ganha fôlego são de pequeno porte em território ou população, com uma única exceção: o Brasil. A eleição de 2022 derrotou um candidato a autocrata, de acordo com o relatório V-Dem, não só por ele ter menos votos, mas pela demonstração de força de um Judiciário independente. Lula nesse sentido era uma ilha. Ser tido como uma exceção é complicado, porque sugere circunstâncias que podem não se repetir.

 

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