O Povo (CE)
O campo político interessado sabe que não é
possível eleger ninguém sem os votos dos eleitores apaixonados pela fantasia
representada por Jair Bolsonaro no imaginário social: a de um outsider tosco,
mas moralmente correto e antissistema
Nos últimos dias, a atenção da opinião
pública se concentrou no julgamento de Jair Bolsonaro e seus
ex-ministros no Supremo Tribunal Federal. Nosso senso de sobrevivência deveria
ter nos conduzido para os corredores e gabinetes do Parlamento. Isso porque
está em curso (e com pouco segredo) um esforço para viabilizar a candidatura de
Tarcísio de Freitas à presidência: para que isso seja possível, é preciso
salvar Jair Bolsonaro.
A anistia voltou à mesa como uma espécie de pedágio que é preciso pagar ao aliado. O chamado Centrão está empenhado no projeto da anistia não por estima ao ex-presidente, nem por qualquer tipo de senso real de injustiça no seu julgamento.
Está empenhado porque enxerga uma
possibilidade real de sucesso no pleito do ano que vem, com um candidato mais
cooptável e permissivo, sem agenda tão superlativa na área social, que
permitiria, em níveis inimagináveis, a colonização da máquina federal pelo
fisiologismo partidário.
Tarcísio de Freitas é o acesso direto ao
cofre. O campo político interessado sabe, contudo, que não é possível
eleger ninguém sem os votos dos eleitores apaixonados pela fantasia
representada por Jair Bolsonaro no imaginário social: a de um outsider tosco,
mas moralmente correto e antissistema. É uma fantasia negada facilmente pela
realidade, mas o eleitor deseja o sonho, não o pragmatismo.
Como eleger Tarcísio de Freitas sem os votos
dos bolsonaristas mais convictos? Como eleger o atual governador de
São Paulo num cenário de Direita rachada, com uma potencial candidatura de um
dos Bolsonaro, quiçá o fugido Eduardo?
É por isso que observamos essa movimentação
voluntarista para anistiar os envolvidos nas articulações da ruptura
democrática no final de 2022. O projeto é inconstitucional porque a Constituição não
autoriza nenhum poder a liberar a responsabilidade de quem atenta contra sua
existência.
Seria uma contradição insustentável. Não se
pode, via instrumento previsto na Constituição, anistiar quem atenta contra
ela. Além de absurdo, é desrespeitoso com o esforço institucional em
curso do Poder Judiciário para conduzir um processo complexo, de imensa
importância política para nossa história recente.
O Supremo deve reagir, e não é possível
antecipar se o esforço do Centrão terá algum sucesso. Ainda não se
pode, tampouco, aferir em que medida o esforço de Tarcísio de Freitas para se
viabilizar vai deixar marcas em sua imagem pessoal.
A memória do brasileiro é muito pouco
resistente à passagem do tempo. A eleição permanece uma incógnita. Diante de um
Tarcísio candidato, só uma boa estratégia de comunicação ajudará Lula
a lembrar ao eleitor o que o governador de São Paulo está disposto a negociar
nesta primavera confusa.
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