sábado, 6 de setembro de 2025

Homem universal. Por Luiz Gonzaga Belluzzo

CartaCapital

Mino sai da vida para entrar na história

Ao imaginar o que escreveria a respeito do maior jornalista brasileiro, ocorreu-me a inconveniência de restringir a vida do meu amigo Mino a seus inegáveis e admiráveis talentos na perseguição da imprensa investigativa e comprometida com a diversidade de opiniões.

Aqui vou falar do Mino, Homem Universal.

Inauguro minha caminhada com a apresentação do artista que nos deixou pinturas carregadas de perspicazes observações sobre a vida brasileira. Sigo ordenando meus passos na direção do escritor de livros recheados de ironias, tal como Machado de Assis tratava, digamos, as peculiaridades da sociedade brasileira.

Entre seus talentos há que considerar as maravilhas gastronômicas criadas e distribuídas nos jantares que generosamente organizava para os amigos. Em um dos ágapes, meu filho ­Carlos Henrique, ao lado de minha ex-mulher Maria de Fátima, arregalou os olhos. Assim o menino de 5 anos de idade manifestou sua satisfação com os sabores que havia degustado.

Mino exorcizava as tentações do maniqueísmo. Melhor ainda, lançava ironias contra os demônios dos julgamentos peremptórios, aquela coceira do sabe-tudo que ataca frequentemente aqueles que não sabem nada. Sua indignação era aguda com os impropérios lançados das plataformas ditas sociais, eivadas da arrogância. Mino foi levado à sublevação: dizia que as maledicências não atingem apenas os alvos visados. Muito pior, maltratam impiedosamente a língua portuguesa. Os tecladistas das redes alcançam a proeza de cometer cinco atentados contra o vernáculo numa frase de 12 palavras.

Mino concedeu-me a honra de escrever o prefácio do meu livro O Senhor e o Unicórnio, recheado de artigos publicados na revista Senhor. Apresento um excerto que revela a qualidade da cultura de meu amigo: “Qualquer um sabe que a Lua é o repositório da razão de quantos, por razões as mais diversas, a perderam, para passarem a merecer o nome de lunáticos. Há lunáticos e lunáticos. ­Orlando foi dar vazão à sua loucura no coração da mais remota floresta, até que Astolfo, cavaleiro gentil, trouxesse de volta da Lua o seu juízo. Há lunáticos, porém, que ficam em liberdade, e podem até se instalar no coração exposto do poder, nos gabinetes dos planaltos da vida, para impor suas vontades lunáticas a povos inteiros. Aqueles que os rodeiam ou não percebem que estão executando ordens lunáticas, ou não têm força, ou coragem, para deixar de cumpri-las. Vão de valsa lunática, as vítimas do lunatismo”.

Ele exorcizava as tentações do maniqueísmo. Lançava ironia contra os demônios dos julgamentos peremptórios

Para encerrar minha homenagem, entrego ao leitor de CartaCapital um excerto das considerações do escritor ­Lira Neto a respeito de Mino Carta: “Mino falou dos artifícios e ambiguidades que usava para driblar a censura, dos entreveros com os patrões das famílias Mesquita e Civita, da amizade com Claudio Abramo e Dom Paulo Evaristo Arns, das prisões durante a ditadura, dos interrogatórios conduzidos pelo temido delegado Sérgio Fleury e, também, da relação com uma fonte graduada do regime ditatorial, o general Golbery do Couto e Silva, de quem se tornou próximo. No apartamento da Rua Bela Cintra, em São Paulo, decorado com grandes quadros a óleo pintados pelo próprio morador – poucos sabem, mas, além de jornalista, Mino é artista plástico –, revelou bastidores do ofício, analisou as transformações no jornalismo trazidas pelas novas tecnologias e, por último, fez um retrato crítico da realidade nacional, ‘eternamente marcada pela lógica da casa-grande contra a senzala’”.

Para escapar do contágio da casa-grande e suas senzalas, peço socorro a Machado de Assis. Em uma de suas­ crônicas semanais nos idos de 1878, Machado falava da experiência fracassada da tauromaquia na cidade do Rio de Janeiro. Em seu estilo de incomparável mordacidade, sentenciou: “Uma civilização imberbe não tolera melhoramentos de certo porte”.

Mino Carta repetia: Há que recorrer aos “barbudos” para alçar os povos à civilização. Há milênios, os brasileiros pelejam para brotar as barbas não só no rosto dos cidadãos ricos e bonitos, mas também para assomar às faces de outros habitantes do sofrido Planeta Azul. Na terra de Santa Cruz, as barbas encontram cerrada resistência na inexpugnável cara de pau que encobre a fachada dos senhores, senhorios e de seus fâmulos. São os fâmulos que trovejam em seus teclados. Os que mandam, de fato, no Brasil são mestres na estratégia de fomentar a confusão na senzala, enquanto se empanturram na casa-grande. 

Publicado na edição n° 1378 de CartaCapital, em 10 de setembro de 2025.

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